A relevância que os grêmios estudantis – quando bem direcionados – podem ter na formação do cidadão
Mariana Cruz
Há alguns dias vinha notando que uma de minhas alunas mais assíduas e participativas estava chegando atrasada ou mesmo faltando às minhas aulas. Até que, por fim, ela me explicou o motivo: disse-me que estava resolvendo assuntos relativos ao grêmio (recém-eleito e do qual era membro), aproveitou para avisar que não poderia ficar para assistir à aula naquele dia e me perguntou se eu poderia justificar suas faltas. Não justifiquei, e as ausências continuaram. Sempre que perguntava sobre ela, os colegas avisavam que estava na escola, mas estava resolvendo coisas do grêmio; diziam em tom de deboche que também queriam ser do grêmio para poder matar aula sem levar falta.
Eu, preconceituosamente ou talvez influenciada pelo outros alunos, comecei a achar que tais atribulações gremiais estavam prejudicando-a. Já estava me preparando para levar o caso à direção quando ela reapareceu em sala de aula, dessa vez para assistir à aula e não para ganhar falta justificada. Entre uma e outra brincadeira dos colegas quanto à sua ilustre presença naquele dia, ouvi-a desabafar: "Vou sair do grêmio, a gente fica só discutindo o que fazer, mas não faz nada, e ainda tô cheia de faltas".
A exemplo de muitas instituições que existem por aí, vejo boa parte dos grêmios estudantis como algo cheio de boas intenções, capaz de provocar várias mudanças positivas, mas que muitas vezes não saem da teoria. Pelo menos é a impressão que me passam o atual grêmio da escola onde leciono e os vários grêmios das escolas onde estudei.
É inegável que a razão de os grêmios existirem é muito nobre; diria mais, a existência é necessária. Além de fazer com que os estudantes sintam já na escola como funciona uma verdadeira democracia (até mesmo porque o voto não é obrigatório para a eleição do grêmio), é um canal direto para a discussão de propostas, teorias, ideias. Lembro-me de que gostava de ver as campanhas dos grêmios na minha época de estudante, cartazes espalhados pela escola, a apresentação das chapas, os alunos mais articulados expondo as propostas e fazendo promessas (quase sempre de cunho recreativo, como colocar música na hora do recreio, fazer festas, promover competições esportivas, realizar saraus etc.).
A função dos grêmios, porém, está além disso: ele pode e deve provocar reflexões não só acerca do ambiente como também na atitude da comunidade escolar. Além das atividades recreativas, cabe ao grêmio trazer para dentro da escola discussões, debates, palestras; estimular a boa convivência e a troca de experiências entre os alunos, promover ações em prol da cidadania, fazer com que os alunos se vejam como cidadãos responsáveis, sujeitos pensantes e proativos. É imprescindível puxar questões diretamente ligadas ao cotidiano escolar, como a prática do bullying, e até mesmo ser um lugar de apoio aos estudantes vítimas de tal conduta.
Cabe ao grêmio também estar atento às demandas dos próprios alunos acerca do que eles esperam da escola, o que poderia ser melhorado: desde a cantina, passando pelas quadras, biblioteca até questões relacionadas às práticas pedagógicas. Tentar construir um diálogo aberto com os professores, se informar sobre o que não está satisfazendo em relação à escola ou em relação à atitude de algum aluno problemático. Afinal, quem melhor que os próprios pares para conversar sobre alguma prática que não esteja sendo legal? Muitas vezes um estudante indisciplinado é levado para a diretoria e não adianta muita coisa, a rebeldia só aumenta. Como seria se ele conversasse com outros alunos? Que tal o grêmio promover debates a respeito da indisciplina em sala de aula?
O problema é que muitas vezes a função de ser porta-voz do corpo discente vira de ponta-cabeça e a "turma do grêmio" começa a colocar-se em posição superior aos demais. Os dirigentes agem como se tivessem regalias: faltam a aulas em nome do grêmio, usam a sala reservada para eles (em muitas escolas há uma espaço próprio para o grêmio) como centro recreativo e não como espaço de discussão e trabalho.
Mal sabem a chance que estão perdendo de aproveitar tal experiência e levá-la para a vida adulta. Afinal, um grêmio participativo e democrático pode ser um dos pilares da formação de um verdadeiro cidadão.
Publicado em 16 de dezembro de 2014
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