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Nymphomaniacs - volume I: Ensaio sobre o sexo e o ato de narrar

Dermeval Netto

Jornalista, documentarista, professor, mestre em Comunicação

Um longo tempo em black prepara o inicio avassalador, um beco labiríntico à noite, com a chuva que cai e escorre incessante, descrito e percorrido com maestria por uma câmera que vai pelas quebradas do beco até encontrar o corpo da mulher, ferido e caído no chão. Logo a chegada do homem salvador, que vai encontrar e recolher a mulher ferida e levar para casa. Planos de câmera com plongées e contraplongées apresentam os personagens um ao outro e a nós, público. Dois personagens extraordinários, uma contadora de historias e um ouvinte atento, intérprete, analista. Ela se chama Joe (Charlotte Gainsbourg), a ninfo que desvela e revela seu passado, suas experiências sexuais, com um texto autopunitivo, dilacerada física e moralmente, com narração confessional.

No relato das histórias entram as imagens exuberantes das aventuras sexuais da jovem ninfo em seus protestos contra o amor (a linda atriz iniciante Stacy Martin). São dois tempos narrativos que se completam mas que também, e principalmente, se desconstroem mutuamente. O relato mórbido da pecadora arrependida é contrariado pelo seu duplo, as imagens da jovem personagem determinada e iluminada pelo sexo.

Ele (o ator Stellan Skarsgard), com o nome judeu Seligman (que quer dizer homem feliz), é o ouvinte, intérprete, pescador e filósofo, a decifrar o que lhe é contado, utilizando metáforas, intervindo com historias de pescador, o que fisga o peixe com a técnica do anzol e suas iscas. Historias se cruzam, o pescador e os peixes, a ninfo e seus homens. E também a questionar a automartirização de sua contadora de historias, problematizando como uma mulher que se diz não religiosa pode se render ao conceito de pecado!

E o filme gira, avança com referências aos estados de delírio narrados no texto de Edgar Allan Poe por Seligman, seu leitor, o que introduz no filme uma variante formal, uma sequência inesperada em P&B com o reencontro da filha com o pai (o ator Christian Slater) no leito de um hospital, a referência à amargura e ao horror, ingredientes da obra literária e sombria de Poe.

O filme chega aos números e intervalos de Fibonacci, chega a Pitágoras e ao conceito de polifonia na música de Bach, a harmonia entre vozes. A trilha sonora alterna Rock e J. S. Bach. Se Beethoven foi a trilha do fim do mundo em Melancholia, aqui o som da redenção é a música de Bach.

O filme continua a girar! Na sequência em que surge a esposa de um dos amantes da jovem Joe (o magnífico solo da atriz Uma Thurman), o arrebatamento da personagem e a comicidade nervosa que provoca nos remete a um universo bizarro da tragicomédia surreal romântica que nos acostumamos somente a ver nos filmes de Woody Allen.

Um filme em capítulos, que surpreende com suas variantes formais. Construído no limite entre a sexualidade explícita de um filme erótico e o olhar artístico e às vezes cínico sobre o ato de narrar, o diretor manipula assumidamente o público.

O sexo está lá, devorador, tal qual o planeta avança assustador em Melancholia! São um extraordinário plano de fundo (ou plano de frente), primeira pele, pretexto para a instigação e a reflexão sobre a liberdade, a dor e o prazer, a razão de viver, a vida e a morte.

O uno e o indivisível estão lá, tanto nas vozes separadas de Bach, mas que se tornam harmonizadas num som único como em todos os homens da ninfo, separados e diversos, mas a configurar um homem único! A crítica feroz ao amor torna-se o negativo implacável de sua própria busca! Tudo muito instigante!

Lars Von Trier talvez tenha tirado um grande sarro! Mas fez mais um filme provocador, perturbador e libertador!

Que venha a segunda parte!

Ficha técnica do filme:

  • Título: Nymphomaniacs - volume I
  • Direção: Lars Von Trier
  • Gênero: Ficção
  • Produção: Dinamarca/Alemanha/França/Bélgica, 2013

Publicado em 04/02/2014

Publicado em 04 de fevereiro de 2014

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