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Etnoconhecimento e a escola para um futuro sustentável
Eduardo Beltrão de Lucena Córdula
Biólogo, mestrando do Prodema (UFPB), pesquisador do Gepea-Gepec (UFPB)
Glória Cristina Cornélio do Nascimento
Bióloga, doutoranda do Prodema (UFPB), mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPB)
Tradição e saberes (Etnoconhecimento), duas palavras cuja epistemologia implica diferentes conceitos; a sociedade contemporânea buscar resgatar em suas comunidades tradicionais saberes que podem direcionar o futuro, a partir do entendimento do passado e das relações e percepções destes povos sobre o meio ambiente e a cultura (BORGES; BRITTO; BAUTISTA, 2008).
Para Japiassu (1991, p.15), saber possui todo um significado epistemológico, sendo “todo um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados e suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino”. Porém, a construção do saber não se procede apenas na academia; antecedidos a ela temos os sabres tradicionais, cujos valores são incomensuráveis, já que transitam entre as populações de geração a geração (DIEGUES, 2001).
As tradições envolvem simbologias, oralidade e expressões comuns de um povo e, muitas vezes, únicas, influenciadas pela região, pela ancestralidade, pela relação entre ser humano e natureza e demais fatores, perpetuando suas
histórias desde os mais remotos tempos. Quando ainda não havia a escrita, havia a palavra. E havia a memória. E as histórias eram guardadas como verdadeiros presentes, relicários feitos de ar, lembranças, emoções; objetos para encantar o outro, seduzir o outro, ensinar ao outro, abrandar o outro, comprometer o outro com seu passado, sua gente e seu tempo (SISTO, 2010, p. 1).
Para Morin (2010), os conhecimentos atuais estão preenchendo o pensamento e a mente da civilização atual, com a quantidade de informações que são produzidas, porém, desconexas umas das outras, não dando sentido real no atual mundo cibernético virtual. Há necessidade de reformar o pensamento para, em vez de termos indivíduos com as cabeças cheias de informações pouco aplicáveis e desconexas, termos indivíduos com pensamentos e informações bem articulados, conhecimentos e saberes conectados num padrão sistêmico, no que seria uma cabeça bem-feita para mudar a percepção atual da civilização sobre si mesma (GUATTARI, 2009; MORIN, 2010).
A escola, portanto, entra como centro de resgate e incentivador da valorização dos saberes da comunidade do seu entorno, já que muitas comunidades, mesmo em estado quase provinciano, possuem tal unidade para educação dos seus filhos. E é nelas que os saberes da comunidade são externalizados, pelos seus filhos e suas filhas, quando estimulados a isso, e o mundo vivenciado pela ótica do alunado pode ser resgatado, valorizado e aprendido pelos professores, buscando sempre envolver nesse processo a família e as gerações que perpetuaram a origem e as tradições deles (FREIRE, 1989; VASCONCELLOS, 2010).
Tais informações em conjunto trazem o entendimento de como ocorrem às relações entre ser humano e natureza, seu papel nesse processo e como ocorrem as interferências negativas que levaram aos desequilíbrios ambientais atuais e, o mais importante, a percepção prática desses saberes tradicionais em explicar os fenômenos que ocorrem na natureza e como ocorrem as influências dos fatores bióticos e abióticos sobre eles, para assim conseguirmos entender as relações intrínsecas reais no planeta e nos biomas, visando ao desenvolvimento de tecnologias, políticas e ações sustentáveis (JABBOUR, 2007; DIEGUES, 2001).
Estaremos, portanto, formando cidadãos que valoram os seus saberes, suas tradições e como eles podem contribuir para a ciência e o desenvolvimento de pensamentos e atitudes sustentáveis para fomento de uma sociedade contemporânea não só com qualidade de vida ambiental mas também com equidade social (VASCONCELLOS, 2010).
Considerações finais
Respeitar, resgatar e preservar tais saberes das comunidades tradicionais é dever da sociedade e da ciência, para que possamos entender, pelas suas gerações, as verdadeiras relações entre o ser humano e o ambiente à sua volta, a cultura envolvida nesse processo e as tecnologias rudimentares desenvolvidas, além dos recursos utilizados para as mais diversas finalidades, indo da alimentação, passando pela vestimenta, até o uso dos fitoterápicos no tratamento de doenças. E é na escola que tais processos podem começar a ocorrer, valorizando e incentivando o aprender com as gerações anteriores, na oralidade dos conhecimentos passados dos avós e avôs para os netos e netas, dos pais e mães para os filhos e filhas.
Referências
BORGES, K. N.; BRITTO, M. B.; BAUTISTA, H. P. Políticas públicas e proteção dos saberes das comunidades tradicionais. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, ano X, n° 18, p.87-92, dez. 2008.
DIEGUES, A. C. Ecologia humana e planejamento costeiro. 2ª ed. São Paulo: Nupaub-USP, 2001.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23ª ed. São Paulo: Autores Associados/Cortez, 1989.
GRISI, B. M. Glossário de ecologia. João Pessoa: Editora da UFPB, 2001.
GUATTARI, F. As três ecologias. 20ª ed. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 2009.
JABBOUR, C. J. C. Tecnologias ambientais: em busca de um significado. Revista de Administração Pública – RAP, Rio de Janeiro, v. 44(3), p. 591-611, maio/jun. 2010.
JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. 6ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
NASCIMENTO, G. C. C. Mestre dos mares: o saber do território, o território do saber na pesca artesanal. In: CANANÉA, F. A. Sentidos de leitura: sociedade e educação. João Pessoa: Imprell, 2013, p. 57-68.
SISTO, C. O conto popular africano: a oralidade que atravessa o tempo, atravessa o mundo, atravessa o homem. Revista Tabuleiro de Letras, Uneb, Salvador, n° especial, dez. 2010. Disponível em: http://www.tabuleirodeletras.uneb.br/secun/numero_especial/pdf/artigo_nespecial_01.pdf. Acesso em 05 dez. 2012.
VASCONCELLOS, M. J. E. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas: Papirus, 2010.
Publicado em 18 de fevereiro de 2014
Publicado em 18 de fevereiro de 2014
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