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A musa diluída

Ieda Magri

Doutoranda em Literatura Brasileira (UFRJ)


Henrique Rodrigues, autor de A musa diluída

Neste mês de fevereiro, o mais agitado do ano para os cariocas, quero indicar um livro muito especial e que não tem nada a ver com carnaval. É um presente aos poetas e aos que gostam de poesia. Trata-se de A musa diluída, de Henrique Rodrigues (Record, 2006).

Sob o signo das águas, o livro traz 41 poemas divididos em três partes: na simetria do espelho, nas clepsidras e na substância.

À maneira de um poema-prefácio, “Arma virumque cano” abre o livro e põe à mostra o caminho da busca pela poesia, empreendido de maneira muito consciente por Henrique Rodrigues. Ao trazer à tona o primeiro verso de Eneida, o poeta contrapõe a este seu novo canto: “Decidi não cantar nem fuzis AR-15 / Ou barões dignos de nota / Como posso escolher, e aqui a escolha é minha / Troco as armas pelos braços / (...) Uso os braços para escrever e para dar adeus / E vice-verso. Mas posso também estar chamando / Pelo olhar do verso. E a ti restaria buscar / Não redenção, mas um sentimento irrequieto / De quem procura uma fonte na perplexidade das ruínas”.

Ao lado do que dizem as palavras, há também a fala das formas. É no jogo entre forma e conteúdo que se revela ao leitor a gênese literária do poeta, ora brincando de modernista adepto do verso livre, ora brincando de poeta clássico. Ainda nesse longo poema, Henrique como que antecipa o livro ao leitor, mostrando o terreno aquoso que se move abaixo de seus pés e que lhe indica o caminho das coisas a descobrir na virada da página:

Eu canto o que há, mas canto
Pelo que poderia haver, e o que julgo
Ter havido. Entretanto
Não há mais fonte segura:
Somos de esquecer as coisas

Por isso da sintaxe lusitana já vencemos a saudade

Penso que sinto que sonho que minto que escrevo
Foi o que me ensinaram, ora bolas. O resto
Tive que desaprender, e continuo.

O poeta por detrás do poema – ou esse sujeito lírico que se mostra – assim, se despe de todo o peso de uma inscrição na tradição brasileira, da obrigatoriedade de um enquadramento numa certa corrente dessa tradição e da exigência de fundar um modo novo de fazer poesia ao gosto dos “vanguardistas natimortos”. Há que se encontrar a musa no que restou dela ao poeta.

Acho sempre um pouco atravessado escrever sobre poesia; parece sempre melhor ler e furtar-se à conversa sobre. Como quando se vê um filme que não se quer dividir, tão imenso que não cabe, mas que é preciso saborear, guardar quieto dentro da gente, ou quando se ama uma pessoa por primeira vez, assim é pra mim a poesia. Não dá para contá-la; é preciso ler e repeti-la. E parece que cada crítico, resenhista ou comentador nos rouba um pouco da descoberta que as palavras prometiam e insistem em nos levar pela mão num caminho que se faz sozinho. Então dou a você, leitor, só mais um poema, tal como me foi dado e que só antecipa os poemas por vir, desse livro que vale a pena ler inteiro e pôr debaixo do braço e levá-lo conosco para todas as horas. O resto é com você!

Limite

Posso dominar o verso, não a vida
Que não cabe em laço, ou pode ser medida.

Há uma certa complacência nisso tudo,
Porque o verso pode estar assim, desnudo,

Para que eu o vista com o que me convenha.
Já que a vida, esguia, não pede contra-senha

Que a revele. Está sempre por ser coberta
Com os véus do livre-arbítrio. E por ser incerta

É que a vida escorre aqui nesta ampulheta
Dos versos, halo tão-somente faceta

Que permite termos algo em nossas mãos.
Não sei toda a lavoura, deixo-te os grãos.

Ficha técnica do livro:

  • Título: A musa diluída
  • Autor: Henrique Rodrigues
  • Gênero: Poesia
  • Produção: RCB

Publicado em 25/02/2014

Publicado em 25 de fevereiro de 2014

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