Professor saudável é vantajoso para todos
Mariana Cruz
O trágico acidente com o Airbus A320 que partiu de Barcelona, na Espanha, com destino a Dusseldorf, na Alemanha, ocorrido em março último, foi causado pelo copiloto, que, segundo foi apurado, sofria de depressão e síndrome de burnout, que é definida como "um fenômeno psicossocial, caracterizado por esgotamento físico e mental intenso, que se desenvolve como resposta a pressões prolongadas que uma pessoa sofre a partir de fatores emocionais estressantes e interpessoais relacionados com o trabalho". Essa definição deixa claro por que tantos professores (e bancários, enfermeiros, médicos, policiais, agentes penitenciários, atendentes de telemarketing e outras profissões que exigem contato direto com as pessoas) são acometidos por ela.
No caso dos professores, a questão se intensifica, uma vez que tal contato se dá com muitas pessoas (alunos, diretores, pais de alunos, colegas de trabalho etc.), às vezes centenas delas em algumas horas. É só fazer os cálculos: um professor que dá aula diariamente para seis turmas de 35 alunos lida com nada menos com 210 alunos por dia. Além disso, há a pressão indireta: se o aluno não vai bem, o professor é, muitas vezes, tido como o culpado. Mesmo que o aluno não tenha o menor interesse pela matéria, dizem que o professor é quem não sabe torná-la interessante. Isso até pode ocorrer em determinados casos, mas não é regra. Muitas vezes é o aluno que não se identifica com aquele conteúdo. E, no caso de um aluno bagunceiro, indisciplinado, quem lida diretamente com ele é o professor. Para tantas demandas, haja estofo psicológico.
Quando se trata de uma instituição privada, o aluno é visto como "cliente", e, como diz o ditado, "o cliente tem sempre razão". Quando se trata de escola pública, apesar de o aluno ser também um cliente, não é tratado como tal. Nesse caso, quem as direções buscam agradar são as secretarias de Educação. O irônico é que, se os resultados da escola forem positivos, os louros vão para os diretores, mas se for um fracasso a culpa é do professor.
Mas nem tudo é negativo na vida do docente. A lida com crianças e jovens é geralmente muito rica, além de ser motivo de orgulho para qualquer professor ver o aluno aprender, se transformar, conhecer coisas novas, ir construindo um corpus de pensamento próprio. Isso não tem preço.
A despeito dessas dificuldades, o grande problema do magistério talvez seja o baixo salário, que obriga o professor a trabalhar em diversos lugares. Quem não trabalha com educação pode considerar que um docente que tenha uma matrícula de 30 horas semanais trabalha pouco. De fato, comparado com os outros trabalhos que são de no mínimo 40 horas semanais, parece vantajoso. Acontece que nessa comparação de carga horária se está levando em conta apenas a quantidade, e não a qualidade. Diferente de muitos trabalhos, o tempo que o professor está em sala ele não pode fazer nada que não seja dar aula. Não vai ao banheiro, não come, não fala ao telefone, não checa os e-mails, não sai para tomar um ar, não pode relaxar por cinco minutos. Trata-se de um trabalho físico e vocal árduo, no qual há que se ter domínio da turma, certa moral para silenciar aqueles alunos que estão papeando alto, bom jogo de cintura para prender a atenção da turma, habilidade para fazer com que entendam o que está sendo dito e, quiçá, estimular os estudantes a participar e interagir.
Infelizmente não há receita pronta sobre como lidar com uma turma de 40 alunos, até porque são várias turmas por dia, cada uma com um perfil. Como fazer os alunos ficarem interessados full time? Como lidar com eventuais conflitos que venham a surgir? Tais demandas, somadas ao excesso de aulas que o professor é levado a ministrar a fim de obter melhoria salarial, podem vir a comprometer a qualidade das aulas, da didática, dos conteúdos, da atenção que deveria ser dispensada a cada aluno. Além disso, dificultam conhecer cada um deles pelo nome e saber de suas dificuldades e talentos.
Não precisa ser gênio para concluir que um professor com poucas turmas pode dedicar mais tempo na elaboração e correção de trabalhos, solicitar tarefas mais profundas e elaboradas, enfim, explorar mais as potencialidades de cada aluno. Infelizmente, isso é uma utopia para alguém que dá aula das sete da manhã às seis da tarde (muitos professores estendem até o horário noturno). Trata-se de uma rotina exaustiva, tanto assim que muitas vezes já na hora do almoço alguns professores estão roucos e exaustos.
Talvez o ideal para o professor fosse cumprir uma carga mínima de horas semanais (quem sabe uma matricula de 16 horas) e no tempo restante exercer outra atividade que não tivesse a ver com a docência. Algo em que ele não tivesse que lidar com tantas pessoas, não tivesse que gastar tanto a voz, resolver conflitos, explicar incontáveis vezes a mesma coisa. Algo relacionado à pesquisa, à teoria, enfim alguma coisa que o tirasse dessa obrigação de matar um leão por dia.
Esse excesso de aulas muitas vezes faz o professor adoecer, ficar semanas de licença médica afastado do trabalho; sendo assim, não é algo bom para a instituição de ensino, nem para o governo, nem para o país.
Outro dia fui parada em uma blitz e, enquanto aguardava a checagem de meus documentos, comecei a conversar com um motorista de uma companhia de seguros de automóveis. Percebi, ao ver a forma como a empresa dele agia, como é obtusa essa lógica de explorar o professor a ponto de fazê-lo adoecer. Explico: a tal companhia enviava um motorista gratuitamente para buscar pessoas que vão para a balada de carro, consomem álcool e depois não podem voltar dirigindo o veículo. Achei a mordomia um tanto exagerada e perguntei ao moço se isso não acarretava prejuízo para a seguradora. Ele disse-me que, ao contrário, a empresa ganhava duas vezes: além de atrair mais clientes com tal cortesia, era muito mais econômico para ela fazer isso do que arcar com possíveis acidentes em que uma pessoa alcoolizada pudesse se envolver. Assim deveriam pensar os governantes sobre seus docentes: professores ganhando pouco e com excesso de trabalho adoecem. É muito melhor termos professores saudáveis, dispostos e estimulados; mas para isso é preciso lhes dar melhores condições salariais e trabalhistas.
Se até uma empresa de seguros cujo interesse maior é o lucro conseguiu perceber isso, como nossos governantes não percebem?
Publicado em 26 de maio de 2015
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