Direitos Humanos e ambiente escolar: rudimentos interpretativos para a gestão democrática

Elaine Almeida Barros

Graduada em Serviço Social (UEPB), pós-graduanda em Educação e Direitos Humanos (UFPB)

Josué Barreto da Silva Júnior

Mestrando em Recursos Naturais (UFCG), tutor do curso de Pós-graduação em Educação e Direitos Humanos (UFPB)

Jussara Milena de França Euzébio

Graduada em Serviço Social (UEPB), pós-graduanda em Educação e Direitos Humanos (UFPB)

Raqueline Farias Barreto

Graduada em Direito (UEPB), pós-graduanda em Educação e Direitos Humanos (UFPB)

Introdução

O presente artigo constitui-se da materialização de discussões realizadas ao longo do processo de integralização dos créditos no curso de Pós-Graduação (Lato sensu) Educação em Direitos Humanos, oferecido pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da Universidade Federal da Paraíba, em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC). Este artigo tem por objetivo compreender a relação entre Direitos Humanos e ambiente escolar para a interpretação da gestão democrática. Para alcançar os objetivos estimados, o referido estudo caracteriza-se metodologicamente por pesquisa qualitativa, que tem a finalidade de interpretar uma variedade de materiais empíricos (Denzin; Lincoln, 2006).

Numa realidade cotidiana e constituída, visualizamos a escola como instituição social e de formação educacional, ao mesmo tempo que percebemos que simboliza uma organização viva, que invariavelmente se altera, se modifica, se constrói e reconstrói. Nesse sentido, faz-se necessário pensar em um educandário plural, com diversos agentes focados em uma política pedagógica de inclusão, pensamento crítico, propositivo, dinâmico, ético e principalmente voltado para o ensino em Direitos Humanos, considerando o desafio de incluir todos os segmentos sociais e viabilizar seu bom rendimento escolar.

Nessa perspectiva, as finalidades das políticas pedagógicas que orientam o trabalho da gestão escolar podem ser articuladas com várias discussões e decisões frente a ações, planos, programas ou projetos implementados pela escola mediante as demandas cotidianas de alunos, pais, professores, gestores e demais profissionais inseridos no ambiente institucional. Nesse contexto de discussões e articulações, surge a gestão democrática. A gestão da educação do ensino, que, quando pensada numa perspectiva democrática e socializada, revela a necessidade de pensarmos numa escola que se caracterize não somente pelo gestor, mas que considere principalmente a participação de todos os envolvidos.

Desenvolvimento

A escola é um elemento importante na construção do conhecimento, pois ela age no processo de formação dos homens enquanto sujeitos históricos, ressaltando o papel da organização escolar como instituição criada por esses sujeitos e suas divisões na organização da sociedade. Segundo Frigotto (1999), a escola corresponde a uma instituição social com fim de disseminação de prática no campo do conhecimento, dos valores e atitudes; por sua desqualificação, articula determinados interesses e desarticula outros. Para Petitat (1994), a escola contribui para a reprodução da ordem social. Deve ser um espaço de socialização desse conhecimento, que é uma das suas atribuições da sua função social.

A democratização da escola permite o acesso à escolarização de indivíduos de diferentes classes sociais, condições socioeconômicas e culturas. Mesmo sendo poucos, em números integrais, os excluídos da escola, acredito que estamos próximos de atingir a universalização do acesso. A visão democrática da escola respeita o aluno como aquele que constrói seu aprendizado e que é capaz de descobrir a melhor forma para estabelecer seus conhecimentos. O professor é o mediador, aquele que proporciona diversos meios de aprendizagem, é o que acompanha diariamente e intervém no momento necessário. A escola passa a ser administrada, ou deveria ser, por toda a comunidade, na tentativa de buscar aberturas para torná-la cada vez mais eficaz e capaz de exercer seu papel na sociedade.

A escola é onde o nós aflora e deve ser cultivado. É um lugar onde nos construímos individual e coletivamente como cidadãos deste mundo. O aprender a conviver com o(s) outro(s) e respeitar o(s) seu(s) direito(s) é um princípio básico da convivência democrática. Isso significa que todos podem ouvir e ser ouvidos. Se essa aprendizagem começa bem na escola, prosseguirá ao longo da vida. Novamente, mais importante do que falar sobre a convivência democrática é vivê-la (Penin, 2009, p. 73).

Para a construção de uma ação de gestão democrática, é totalmente relevante a articulação entre os diversos atores sociais que compõem a escola, bem como a criação de espaços e meios que facilitem essa participação, sendo imprescindível o envolvimento da comunidade escolar, na tentativa de construir a escola que exerce a prática democrática. Isso só será possível quando professores, funcionários, pais e alunos tiverem consciência do valor do seu papel nessa construção.

Nesse sentido, existe a necessidade da ampliação dos espaços de participação, de interação social e de debates dentro da escola, discutindo as relações entre os vários grupos sociais que estão presentes no ambiente escolar, sendo esta uma ação democratizante, enfatizando a participação autônoma de todos. O diálogo é bem marcante nesse tipo de escola, pois envolve docentes, discentes, pais em assembleia onde são discutidos vários assuntos em prol de um bem comum.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) possibilitou a ideia de democracia no âmbito escolar, focando o direito que educadores, profissionais, pais e comunidade de estarem bem informados e participarem criticamente na criação das políticas e programas escolares. Cada escola passou a ter autonomia na sua forma de trabalhar; até mesmo no parâmetro da inclusão existe a possibilidade de contemplação da diversidade. Esse é o caminho para uma escola de qualidade.

O investimento em educação básica, tendo a qualidade como parâmetro de suas diretrizes, metas e ações e conferindo a essa qualidade uma dimensão sócio-histórica e, portanto, inclusiva, é um grande desafio para o país, em especial para as políticas e gestões desse nível de ensino. Pensar a qualidade social da educação implica assegurar um processo pedagógico pautado pela eficiência, eficácia e efetividade social, de modo a contribuir com a melhoria da aprendizagem dos educandos, em articulação à melhoria das condições de vida e de formação da população (Dourado, 2007, p. 940).

Professores e funcionários ainda não atentaram para a importância da participação da comunidade, representada pelos pais, no ambiente escolar. Esse envolvimento conduz a uma melhor relação entre comunidade e escola. Na prática, há pouco interesse na participação em decisões, pela falta de motivação da escola ou pelo desconhecimento da comunidade do poder que tem nessas decisões, surgindo assim várias desculpas para tentar se ausentar desse processo. Sem a participação da comunidade, não se pode transformar os meios em objetivos. Todos desejam uma escola democrática e participativa, mas essa gestão necessita da participação dos atores sociais, que resulta em ações na formulação de políticas educacionais, no planejamento, na tomada de decisões, na definição do uso de recursos e necessidades de investimento, na efetivação das discussões coletivas, nos momentos de avaliação da escola e da política educacional.

Democratizar o ambiente escolar, promover reflexões que permitam a desconstrução de preconceitos e o questionamento de modelos pré-moldados também são formas de respeito e afirmação dos Direitos Humanos. Apenas respeitando os indivíduos, independentemente de suas diferenças, podemos de fato ter respeito pelas pessoas em sua integralidade. Todas as pessoas possuem semelhanças e diferenças; logo, as especificidades não poderão ser fatores limitantes para os indivíduos.

Ao proceder a uma análise acerca do ambiente escolar, é perceptível a imensa variedade de sujeitos que atuam ali. Estudantes, pais, professores, funcionários, todos dotados de subjetividades e especificidades que interferem incisivamente nas relações estabelecidas, bem como no processo decisório. Cada pessoa comporta-se de acordo com uma série de fatores influenciados por questões sociais, culturais e religiosas, entre outras. Outrora era vigente o entendimento de que os seres humanos eram semelhantes e, por tal razão, deveriam ser tratados dessa forma, circunstância que, em determinado contexto histórico, representou grande avanço, haja vista a forma desigual e injusta que era dispensada às pessoas. No entanto, tratar com igualdade nem sempre representa tratar com justiça, pois aplicar as normas sociais igualmente a todas as pessoas em regra provoca efeitos distintos em decorrência das diferenças entre elas.

Ante o exposto, é perceptível a necessidade premente de aplicar equidade entre as pessoas, cuja essência se materializa pela adequação da regra existente ao caso concreto, à luz dos conceitos de justiça e igualdade. Pela equidade é possível adaptar a regra geral a um caso específico, com a pretensão de deixá-la mais justa, em uma postura que se harmoniza com o respeito às diferenças e, deste modo, proporciona maior democratização do ambiente escolar. A fim de que seja possível a consecução de um ambiente escolar mais democrático, com o necessário respeito à diversidade, é imperativo que essa pretensão seja considerada no momento em que se iniciar o processo de formação dos profissionais que irão atuar no ambiente escolar mediante qualificação continuada voltada para professores e funcionários, a fim de que seja possível a implantação de uma educação em sala de aula focada nessa temática.

Práticas administrativas antidemocráticas impregnam o tecido escolar e contribuem para dificultar o processo de humanização, indispensável para o crescimento do homem; anulam as identidades individuais e impossibilitam agrupar pessoas em torno de uma identidade grupal (Santos, 2001, p. 139). É imprescindível que o respeito à diversidade seja temática integrante da formação dos alunos, tanto por meio de disciplina específica ou de temas transversais, abordando os Direitos Humanos e o respeito à diversidade de forma contextualizada em outras disciplinas. É imperativo destacar que essa formação apenas será possível se for contemplada no momento do processo de tomada de decisões como prioridade.

Conclusão

Ao refletirmos acerca das peculiaridades verificadas no ambiente escolar, resta evidente a considerável diversidade de indivíduos que interagem ali, comportando-se conforme suas subjetividades, com valores nem sempre harmonizáveis. Educadores, educandos, pais, funcionários, todos com concepções alicerçadas em valores que, por vezes, mostram-se causadores de divergências que demandam uma resolução baseada no diálogo e na construção coletiva das condutas. Nessa perspectiva, é imprescindível que haja o devido respeito ao ser humano em sua integralidade, como pessoa detentora de direitos e deveres, pelos quais passam as obrigações de respeitar as normas de convivência na coletividade. Tais normas devem ser elaboradas mediante um processo decisório do qual devem participar todos os sujeitos envolvidos, a fim de que efetivamente possa ser construída a cultura da democracia no ambiente escolar.

A escola deve ser um espaço que trate os seus sujeitos como possuidores de múltiplas formas de conhecimento. A extemporânea ideia de que os alunos eram meros receptores do conhecimento emanado dos professores deve ceder lugar à constatação de que o saber deve ser construído mediante a interação entre educadores e educandos, em uma intensa e necessária troca de saberes que devem reproduzir muito além dos componentes tradicionais de ensino.

É indeclinável a busca por implementar nas nossas escolas uma educação possibilitada por uma gestão democrática que priorize a reflexão sobre temas inerentes ao nosso cotidiano, como o respeito à diversidade, o combate às diversas formas de preconceito e discriminação, a disseminação da cultura de Direitos Humanos. Deve ser priorizada a construção da cidadania a partir do estabelecimento de relações democráticas no dia a dia das escolas. Os currículos escolares devem refletir as demandas sociais mais prementes, de modo a aproximar a escola das pessoas que a frequentam, em uma busca efetiva da tão necessária democracia social.

No tocante aos conflitos que permeiam nossa realidade escolar e a necessidade de implementar medidas que visem à questão disciplinar, deve haver uma gestão que considere a relevância do diálogo, da construção coletiva de condutas. Caso os conflitos já estejam instalados, é apropriado tentar despotencializá-los mediante a aplicação de doutrinas de mediação de conflitos e gerenciamento de crises, com a finalidade precípua de buscar uma resolução mais pacífica e o restabelecimento da paz na esfera educacional.

O simples estabelecimento de uma gestão com instâncias de caráter de assembleia não se configura como a resolução definitiva para os problemas que identificamos nas nossas escolas; deve haver o comprometimento dos gestores para acatar e aplicar as deliberações. Contudo, trata-se do princípio de uma postura capaz de revolucionar padrões de ensino que não mais correspondem aos anseios da nossa conjuntura socioeducacional. Assim sendo, a escola deve se forjar como um espaço de construção de cidadania e, por conseguinte, da emancipação dos sujeitos. Deve haver uma educação focada na construção de autonomia com o devido respeito à diversidade. Para tanto, a escola deve possibilitar a formação de docentes comprometidos com a missão de suscitar nos estudantes a identificação com os valores difundidos pela cultura de Direitos Humanos. A implementação de uma gestão democrática é uma atitude de rompimento de paradigmas outrora apresentados como verdades inquestionáveis.

Referências

BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional - Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 5ª ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010.

DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

DOURADO, Luiz Fernandes. Políticas e gestão da educação básica no Brasil: limites e perspectivas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, 2007.

FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1995.

PENIN, Sônia Teresinha de Souza; VIEIRA, Sofia Lerche. Progestão: como articular a função social da escola com as especificidades e as demandas da comunidade? Módulo I. Brasília: Consed – Conselho Nacional de Secretários de Educação, 2001.

PETITAT, A. Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

SANTOS, T. F. A. M. Gestor da escola pública: líder educador ou delegado da ordem? Ver a Educação, v. 7 n. 1 e 2, p. 125-144, jan./dez. 2001.

Publicado em 09 de junho de 2015

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