Ser mulher está muito além da maternidade

Mariana Cruz

Passado o Dia das Mães e a histeria mercadológica focada na maternidade, ficamos à espera da próxima data comemorativa que irá nos empurrar as quinquilharias a serem compradas a seguir.
Já tem algum tempo que o comércio não dá o mínimo intervalo entre uma data e outra: mal acaba o carnaval, os ovos de páscoa começam a brotar do teto dos supermercados; em seguida vêm as promoções do Dias das Mães (com aquelas frases chantagistas que fazem o melhor dos filhos se sentir constrangido se não der presentes para a genitora: "se você ama a  sua mãe, dê uma joia de presente";  "sua mãe merece não sei o quê..."). Na sequência vem o Dia dos Namorados; depois, as bandeirinhas de São João passam a tomar conta das lojas. E assim caminha o comércio, indo de data em data até chegar ao final do ano, culminando com a maior das festas consumistas: o Natal. E no próximo ano começa tudo de novo.

O Dia das Mães, porém, carrega algo mais do que o mero consumo; ele tem também um certo quê machista. A começar pela característica principal desse dia, que é lotar os restaurantes, pois, ao contrário de outras datas que normalmente são comemoradas em casa, esse é o dia em que as mães são levadas para almoçar fora. Subentende-se que é uma folga para que a homenageada não tenha que cozinhar, arrumar a casa e lavar a louça depois do festejo. Outro fato interessante a observar são os produtos anunciados nessa data, muitos deles ligados a tarefas domésticas. Neste ano, porém, vi uma propaganda um pouco diferente (quem sabe influenciada pelos movimentos feministas cada vez mais presentes em nosso país). Um comercial de panelas para o Dia das Mães vinha com uma sugestão: "Se sua mãe gosta de cozinhar, dê a ela um...".

Achei interessante a sutileza da dica, pois saiu do estereótipo de que a mãe é, necessariamente, aquela que cozinha para a família, como se fizesse parte da personalidade dela tal qual uma proposição lógica condicional (aquela que é composta pelos conectivos "se... então"): SE mãe, ENTÃO tem que cozinhar. Acho ótimo ficar na cozinha e adoraria cozinhar para a família, mas não por obrigação e sim por prazer.

Os avanços nesse sentido, por menores que sejam, devem ser apontados. Por outro lado, não podemos deixar de notar a profusão de frases de cunho machista que andam na boca do povo sem que as pessoas ao menos se deem conta. Não estou me referindo a sentenças canônicas e velhas conhecidas nossas como "homem não chora", "mulher ao volante, perigo constante", entre outras bizarrices. Essas carregam um machismo evidente. Estou me referindo àquelas frases consideradas neutras mas que carregam implicitamente alto teor de testosterona. Como a pérola que escutei de um amigo supostamente "cabeça aberta": "a mulher que não tem filho é uma mulher incompleta". Curiosamente, nunca ouvi ninguém dizer que um homem que não tem filho é um homem incompleto. Não estou dizendo que a maternidade não seja algo maravilhoso. Para mim, pelo menos, é; mas isso, em hipótese alguma, significa que seja ou deva ser assim para outras mulheres. É uma leviandade taxar de "incompletas" mulheres que não tiveram filhos por alguma razão – ou por razão nenhuma. Muitas mulheres não querem ter filhos porque optaram por ser mais livres, por poder viajar na hora que bem entenderem, por não dar satisfação a ninguém e nem ter responsabilidade de cuidar de alguém. Temos todo o direito disso. Chega a ser cruel essa identificação da plenitude da mulher com a maternidade. Para quantas pessoas a plenitude pode estar em escrever um livro, cuidar de plantas, escalar o Everest ou simplesmente não querer que ninguém dependa de si? Imagine como deve ser difícil para as mulheres que não querem ser mães resistir à pressão da sociedade, da família, dos amigos, dos companheiros e da mídia! Escutar incessantemente aquelas frases aparentemente inofensivas, mas que na verdade não passam de pesadas cobranças: "já encomendaram o bebê?"; "estão juntos há tanto tempo, só falta um filho"; "quando vão dar um netinho para a vovó?", entre outras. Tais atitudes podem fazer com que muitas mulheres tenham filhos mesmo sem desejar. O problema é que filho é algo que se leva para sempre, não tem devolução.

Assim, ser ou não uma mulher completa não passa pela maternidade, e sim por ser dona da sua vontade, das suas decisões e ter seus desejos respeitados. Aliás, essa sensação de completude é meramente ilusória. É a incompletude que nos faz buscar novas coisas, que nos mantém abertos e abertas para a vida. Com ou sem filhos, somos todos incompletos. Graças a Deus.

Publicado em 09 de junho de 2015

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