Conselhos escolares, democratização e a importância do voto
Mariana Cruz
A recente votação para a formação do Conselho Escolar do Colégio Estadual Antônio Houaiss expôs uma série de dificuldades ao longo do processo. Os obstáculos foram muitos: desde conscientizar as pessoas sobre a importância do voto, passando pela luta para mobilizar um quórum mínimo para ser realizada a votação até o incentivo à participação dos pais ou de alunos maiores de 18 anos. Somada a isso, ainda há a pouca importância que muitos alunos, professores e funcionários dão à tal votação (talvez por falta de costume, comodismo ou seja lá qual a razão) e a outras formas de fortalecimento do diálogo democrático entre a comunidade e a escola.
Luis Brito, 33, professor de Sociologia, foi um dos que mais se engajou nesse processo. Fizemos com ele uma rápida entrevista na qual ele esclarece alguns aspectos dos conselhos escolares e mostra a importância deles.
Educação Pública: O que são os conselhos escolares?
Luis: São órgãos colegiados formados por membros da comunidade escolar (estudantes, pais de estudantes, funcionários, professores, diretores da escola e membros da comunidade escolar) que são eleitos para debater, acompanhar, fiscalizar e deliberar sobre questões político-pedagógicas, administrativas e financeiras das escolas públicas.
Educação Pública: Qual a importância desses conselhos?
Luis: A relevância desse instrumento está na possibilidade de construirmos uma escola que dê conta das necessidades de aprendizado da comunidade escolar e que faça sentido para seus membros (estudantes e trabalhadores), construindo um conhecimento que se articule às suas realidades cotidianas. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases), em seu artigo 14º, orienta as escolas a criar e aperfeiçoar os instrumentos de gestão democrática das escolas públicas. E os conselhos escolares são um desses instrumentos. O problema é que precisamos dar organicidade a essas leis. E isso se dá pela qualificação da democracia, no uso, experimento e exercício das leis pelos sujeitos. Estou falando isso porque na prática temos leis muito interessantes para aperfeiçoar a democracia, mas que não são aplicadas e operadas pelos gestores, que, em grande maioria, desacreditam a sua capacidade de exercício pelos estudantes e trabalhadores. Desacreditam porque também não sabem fazê-lo, são sujeitos de seu tempo. Esses gestores ainda operam sua gestão por meio dos clássicos e velhos padrões culturais que herdamos de nossa sociedade brasileira patriarcal, patrimonialista, clientelista e autoritária.
Educação Pública: Pela sua experiência docente e de militância, como vê a participação do corpo discente na escola?
Luis: Eu poderia dizer que, na minha realidade escolar, ela é praticamente inexistente. Por que está assim? Nossos estudantes não estão sendo esclarecidos ou incentivados ao exercício de seus direitos previstos em lei. A lógica autoritária que opera em nossas escolas os incentiva a se calar e obedecer. Quando se portam de maneira crítica e participativa, muitas vezes são assediados e ameaçados. Para que se interessassem, eles deveriam ser, num trabalho conjunto do corpo docente e dos gestores, orientados e esclarecidos sobre a importância desses instrumentos de gestão democrática e de sua participação neles. A política pedagógica verticalizada que opera em nossas escolas estaduais não permite sequer que autonomamente eles organizem seus grêmios estudantis. E menos ainda que se articulem para conselhos escolares e associação de apoio à escola, que também são parte desses instrumentos democratizantes.
Educação Pública: E o que dizer da participação do corpo docente?
Luis: No corpo docente percebo uma lógica semelhante. Nossos educadores, formados durante e pós-ditadura militar, nunca conheceram uma autêntica democracia. Desde 1984 estamos tentando qualificá-la nas leis e no seu exercício. Mas o padrão cultural vigente hegemônico ainda é o da subserviência e o do ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’. Assim, quando os professores são convidados à participação, há uma descrença geral em relação à sua funcionalidade.
Para piorar, estamos vivendo o aprofundamento das políticas neoliberais. São tempos de sobreposição da política econômica sobre o aperfeiçoamento pedagógico e democrático da educação. Isso reflete na proletarização e aprofundamento da precarização do trabalho docente. Além dos baixos salários, os professores da rede pública são fragmentados em diferentes escolas, com matrículas com pouca carga horária, salas de aula cheias, muitas cobranças burocráticas e total responsabilização do docente pelo mau funcionamento e pelas dificuldades da escola. Diante disso, como tornar atraente ao educador uma maior participação dentro das escolas, se são incentivados cada vez menos a estar presentes e a se dedicar exclusivamente às suas comunidades escolares? Tudo isso é bem contraditório.
Educação Pública: Quais as maneiras de fazer da escola um espaço verdadeiramente democrático?
Luis: Na minha concepção, hoje vivemos uma crise de representatividade muito grande. Uma crise que mostra as limitações de nosso modelo democrático em construção. As pessoas estão descrentes nas formas como elegemos nossos governos, nossos partidos, sindicatos e associações em geral. Mas o jogo político vai continuar acontecendo como sempre aconteceu. Hoje ele opera de maneira limitada, viciada e aparelhista, então precisamos mudar essa lógica injetando mais democracia nos espaços. Não há fórmula pronta. Eu penso que a democracia precisa de sujeitos, e são eles que qualificam o seu funcionamento, ora errando, ora acertando, mas sempre fazendo. Por isso, apesar de enxergar as limitações de alguns desses instrumentos democráticos, acho importante que tentemos ocupar esses espaços criados por lei, a fim de tentar qualificá-los com nossa presença crítica. Penso que, para dar conta dessa crise, precisamos nos organizar nos locais de trabalho; nos locais de estudo e moradia também.
No Colégio Estadual Antônio Houaiss criamos (alguns educadores) desde 2013 um coletivo chamado ‘A comunidade quer a escola’. Por meio dele travamos diálogos (quando necessário, até enfrentamentos) com a gestão escolar e lutamos para que a escola aperfeiçoe seus instrumentos democráticos e se torne cada vez mais pertencente à comunidade – e não subserviente aos governos e aos seus interventores.
E, já que falei em interventores, só para não deixar de expor o contraditório, como construir a democracia na gestão escolar se não podemos sequer eleger nossos diretores nas escolas públicas? Eu realmente tenho dúvidas sobre até onde conseguiremos ir, mas tenho convicção hoje de que é preciso tentar.
Educação Pública: O que seria uma escola ideal para você?
Luis: A escola ideal será feita pelas próprias pessoas que a compõem e frequentam, estudantes e educadores (pais e responsáveis, funcionários, professores, moradores locais) e levará os sujeitos a fazer mais perguntas do que de costume. Creio que, com menos convicções e mais questionamentos, seremos mais humildes quanto ao que ‘pensamos que sabemos’ e nos tornaremos mais sábios, abertos ao aprendizado.
Mas não só isso; a escola precisará ter ido ao divã antes e durante muito tempo. Ir ao divã para passar a limpo, fazer autocrítica e se desvincular do passado que até hoje a assombra. O seu passado é ‘estadocêntrico’, colonialista, disciplinador, castrador e autoritário. Seus sujeitos precisarão se interrogar profundamente: que tipo de conhecimento queremos produzir? E a cada passo dado devem se perguntar: será que isso está nos trazendo aprendizados e conhecimentos? Para que (quem) serve o que estamos aprendendo?
Meu ideal de escola deve reconectar os saberes dos sujeitos aos fins e propósitos sociais de cada comunidade local. O trabalho final de nosso aprendizado precisa estar conectado e à disposição para uso na sociedade em geral e na nossa comunidade. E não regulado para e pelo mercado, como funciona hoje. Por fim, precisamos retomar o controle sobre os aspectos morais, sociais e tecnológicos do conhecimento que queremos construir, numa relação dialógica de integração com a comunidade local.
Publicado em 07 de julho de 2015
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