Sudeste rumo à desertificação: Rio Paraíba do Sul

Editora: Any Bernstein

Professora da Fundação CECIERJ

Ueslei Marcos Nunes

Licenciado cum laude em Ciências Biológicas (UFRJ), especialista em Gestão em Saúde Pública (UFF) e em Educação Ambiental (CBM), professor de Ciências Químicas e Biológicas na Rede CNEC (Sapucaia-RJ)

Cláudia Conceição Nóvoa da Silva

Licenciada em Ciências Biológicas (UERJ), especialista em Análises Clínicas e em Docência Superior (Cândido Mendes), professora de Ciências e Biologia

Daise Vieira Silva Couto

Licenciada cum laude em Ciências Biológicas (UFRJ), professora de Ciências Biológicas no Centro de Ensino Vila Isabel (Três Rios-RJ)

Dentre as áreas suscetíveis a se tornarem desérticas em nosso país está a Região Sudeste, assim como parte das regiões central e Sul. O Sudeste brasileiro, em particular, compreende uma região que está na faixa dos desertos situados na região sul do planeta, atravessando enormes áreas continentais que abrangem os grandes desertos australianos (Great Sendy, Gibson e Great Victoria) e africanos (desertos da Namíbia e do Kalahari) e da América do Sul, como o Atacama, no Chile. Em termos latitudinais, Sudeste e Sul do Brasil alinham-se frontalmente com as regiões que englobam os grandes desertos africanos, o que coloca a região em alerta quanto à aceleração dos processos de desertificação (Ottoboni, 2014).

Em sistemas hidrográficos, como rios e bacias, a desertificação resulta de um processo de assoreamento ocasionado por fatores climáticos e principalmente antrópicos. O crescimento demográfico e a crescente demanda por energia e recursos naturais exercem pressão pela utilização intensiva do solo e dos recursos hídricos, o que leva a um cenário de degradação e desertificação, ultrapassando a capacidade de resiliência do ambiente.

De acordo com Ottoboni (2014), a seca e a atual crise hídrica experimentada na porção Centro-Sul, especialmente no Estado de São Paulo, estão relacionadas também à permanente e acelerada degradação da Floresta Amazônica, um fator que diminui as taxas de umidade, pois compromete o transporte de umidade para as partes mais ao Sul do continente, além de trazer partículas oriundas de queimadas que impedem a formação de chuvas.

A bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul

Um dos ecossistemas mais ameaçados por esse processo, na Região Sudeste, é a bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, que se estende pelos Estados de São Paulo (Vale do Paraíba), Minas Gerais (Zona da Mata) e pela maior parte do interior do Estado do Rio de Janeiro. O Rio Paraíba do Sul é o principal rio da bacia; resulta da confluência dos Rios Paraibuna e Paraitinga, no Estado de São Paulo, a 1.800 metros de altitude, a partir de três reservatórios: Paraibuna, Paraitinga e Santa Branca, demarcando o limite entre os Estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, até desaguar no Norte Fluminense, entre os municípios de São João da Barra e São Francisco de Itabapoana, após um percurso de 1.150km, possuindo uma área total de 55.500km2 (Totti, 2008, p. 49).

Situada em uma das regiões mais desenvolvidas, urbanizadas e exploradas do país, a bacia do Paraíba abrange cerca de 180 municípios, adquirindo importância relativamente maior no Estado do Rio de Janeiro, onde ocupa metade da área de todo o Estado, posicionando-se na jusante dos outros dois estados, onde sofre os impactos quanto ao uso da terra e da água, sendo utilizada no abastecimento de água e energia de aproximadamente 80% de sua própria população (Campos, 2001, p. 70). Além de seu usufruto quanto ao potencial hídrico e energético, o Rio Paraíba do Sul, segundo Totti (2008, p. 50) configura um cenário de resiliência, visto que recebe toneladas de esgoto in natura e efluentes industriais, uma agressão que, além de causar destruição de suas margens ciliares, exerce violento impacto sobre a vida aquática, reduzindo a valores mínimos as espécies de animais e plantas que dependem desse ecossistema para sua sobrevivência.


Figura 1: Localização geográfica da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul.
Fonte: Campos (2001), apud Labhid-Coppe.

Impacto das ações antrópicas sobre a bacia do Rio Paraíba do Sul

Compreende-se que, a exemplo do que acontece com outros ecossistemas que compõem o mundo biológico onde estamos inseridos, as ações humanas sobre a bacia hidrográfica do Rio Paraíba é resultado de um processo histórico de desequilíbrio na relação homem e natureza, que tem como raízes a assunção de um modelo cartesiano de civilização geradora da crise ambiental a partir de uma interação desmistificada e utilitarista do homem com a natureza, o qual comparava os sistemas vivos a simples máquinas biológicas que, funcionando como relógios, podiam ser conhecidos e analisados separadamente, adotando-se, assim, uma visão minimalista do meio ambiente. Dissociada de uma visão sistêmica e segmentada em compartimentos isolados e separados, a natureza torna-se subserviente ao homem, instaurando a sociedade de consumo e a crise ambiental resultante de um modelo exploratório do meio ambiente e dos seus recursos, conduzindo a civilização moderna aos impactos das ações humanas sobre seu entorno e às graves consequências dessa relação dicotômica homem e natureza (Araújo et al, 2009).

Essa relação torna-se mais evidente na parte fluminense da bacia, que apresenta população de 2,30 milhões de habitantes e mais de 3.000 indústrias, diversas usinas hidrelétricas, agricultura e outros usuários que dependem das águas do rio para suas atividades, além de beneficiar cerca de 8 milhões de habitantes, que se abastecem das águas da bacia por meio de reservatórios derivados de duas transposições (Campos, 2001, p. 70).

Assim como outras bacias hidrográficas por todo o Brasil, a bacia do Paraíba do Sul apresenta relevância não somente devido à sua importância econômica e social nas regiões que percorre, mas também devido aos impactos ambientais sobre os recursos hídricos. De acordo com Araújo et al(2009), a água tem sido tema cada vez mais frequente nas discussões mundiais sobre meio ambiente, levando em conta sua elevada importância para a manutenção da vida e o acelerado processo de degradação dos sistemas aquáticos devido às ações humanas, o que implica a necessidade de uma gestão mais efetiva e melhor adequação desses recursos tão escassos.

Para esse autor, o processo de deterioração das características físico-químicas e biológicas da água, gradual e acelerado, foi o que catalisou a atual crise mundial da água doce, um cenário em que se constata que grande parte desse recurso encontra-se comprometido por processos contaminantes, afetando a saúde de um grande contingente de pessoas em todo o mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento.

Além do impacto direto sobre os recursos hídricos da bacia hidrográfica do Rio Paraíba, torna-se importante destacar a destruição do bioma prevalecente na região, a Mata Atlântica, que corresponde a uma das formações vegetais mais degradadas de nosso país, restando alguns fragmentos e pontos esparsos, ainda detentor de um grande contingente de espécies que compõem a flora e a biofauna características desse ecossistema.

Segundo Ottoboni (2014), a Região Sudeste se viu livre da desertificação devido ao sucesso da Amazônia e à formação da Floresta Atlântica, que foram determinantes para estabelecer um regime de chuvas capazes de assegurar ao Brasil e à América do Sul solos férteis e índices pluviométricos mais que satisfatórios à manutenção da vida. Isso significa que as alterações climáticas ocasionadas pelas interferências do homem sobre o meio ambiente, sobretudo o desmatamento acelerado da Mata Atlântica, têm contribuído de forma cada vez maior para o processo de desertificação da Região Sudeste e, em particular, da bacia do Paraíba do Sul, ao afetar os níveis dos reservatórios devido aos baixos índices pluviométricos.

Entende-se, assim, que a conjunção de fatores naturais e, sobretudo, as ações antrópicas são responsáveis pelo processo de desertificação cada vez mais acelerado na Região Sudeste, particularmente na bacia hidrográfica do Paraíba do Sul. A crise hídrica que atinge a região como resultante da desertificação que ocorre de forma expansiva tem repercutido sobre as comunidades ribeirinhas e sobre os trabalhadores rurais que dependem do Rio Paraíba do Sul para sua subsistência.

Localização e geografia da paisagem estudada

O Rio Paraíba do Sul tem sua nascente no Estado de São Paulo, na serra da Bocaina, a 1.800m de altitude, e deságua no Oceano Atlântico no Norte Fluminense, no município de São João da Barra, constituindo uma bacia de forma alongada, de 1.200km de comprimento, valor três vezes superior à sua largura máxima, distribuindo-se na direção leste-oeste na intersecção entre as Serras do Mar e da Mantiqueira, localizando-se em uma das poucas regiões do Brasil que possui relevo muito acidentado, repleto de colinas e montanhas que superam os 2.000m nos pontos mais elevados; o Pico das Agulhas Negras, com 2.787m de altitude, é o ponto culminante na bacia, situado no maciço do Itatiaia (Campos, 2001, p. 73).

Caracterizando-se por ser uma região de clima predominantemente tropical, quente e úmido, que apresenta variações devido ao efeito de altitude e a entradas de ventos marinhos, a bacia do Paraíba do Sul situa-se na área de domínio da Mata Atlântica, que originalmente estendia-se por toda a costa brasileira, em uma faixa de largura média de 200km, com o predomínio de vegetação florestal intercalada por manguezais, restingas e brejos nas planícies litorâneas e formações típicas de cerrados nas planícies sedimentares e encontra-se atualmente reduzida a ínfimos 7% de sua área original e a menos de 15% de sua área total na bacia do Paraíba do Sul, sendo mais abundante nas regiões mais altaneiras, de relevo acidentado e de difícil acesso (Campos, 2001, p. 74-75).

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Figura 2A: À esquerda, vista aérea do curso do Rio Paraíba do Sul, nas proximidades do sistema Guandu.
Fonte: http://www.planeta.coppe.ufrj.br/artigo.php?artigo=1845.
Figura 2B: Nascente do Rio Paraíba do Sul, na Serra da Bocaina (SP).
Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/08/24/bacia-do-paraiba-do-sul-perde-uma-guarapiranga-ao-mes.htm. Acesso em 7 de junho de 2015.

Ocupação e adensamento populacional da bacia do Paraíba do Sul: o ciclo do café e o cultivo da cana-de-açúcar

A história de ocupação da bacia do Rio Paraíba do Sul identifica-se com o processo de ocupação, desenvolvimento e adensamento urbano de todo o país, sendo, até o século XVIII, passagem obrigatória para as regiões de exploração mineral de Minas Gerais, enquanto apenas a parte do delta do Paraíba, na Baixada Campista, era utilizada para a pecuária. Foi na segunda metade do século XVIII que se expandiram as culturas da cana-de-açúcar e a cafeicultura para o interior da bacia, de tal forma que o cultivo do café alcançou importância sem precedentes na economia do país, inaugurando o chamado Ciclo do Café, alterando de forma significativa a paisagem fitoarbórea da região, permanecendo como principal atividade na agricultura local até o século XX, quando entrou em decadência (Totti, 2008, p. 51).

O Ciclo do Café representou o período em que a cafeicultura forneceu o principal produto de exportação da economia brasileira, entrando em declínio, de acordo com Campos (2001, p. 75), devido ao desmatamento desordenado da Floresta Atlântica para o cultivo do café e à exaustão do solo devido à prática de apenas uma cultura, levando à degradação das terras cultivadas (Elizeu; Victal, 2011).

Segundo Silva (2002, p. 9), o ciclo do café foi o responsável pelas grandes transformações ocorridas na paisagem da região, com a instalação de grandes fazendas e latifúndios e com o predomínio da atividade cafeeira como grande marco da economia do Vale do Paraíba e, por extensão, de todo o país, originando os primeiros núcleos de povoamento na região.

Com o declínio da economia cafeeira, houve deslocamento das plantações para o Oeste Paulista, graças à infraestrutura consolidada pelo sistema de estradas de ferro e o capital acumulado, o que deu subsídios para o desenvolvimento de pequenas e grandes atividades industriais (Elizeu; Victal, 2011).

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Figura 3A: Aspecto rural de São Luís do Paraitinga (SP), uma cidade que parece ter parado no tempo, onde se observam, em pleno século XXI, carros de boi nas ruas e, ao fundo, o café local, símbolo da principal atividade econômica do Vale do Paraíba até meados do século XX.
Fonte: Elizeu; Victal (2011).
Figura 3B: Fazenda União, localizada no município de Rio das Flores-RJ, datada de 1836; é considerada uma das mais luxuosas e de mais alto padrão de preservação do patrimônio histórico do ciclo do café, representando a opulência daquele período.
Fonte: http://vamosviajarsempre.blogspot.com.br/2011/07/fazendas-do-vale-do-cafe-rj.html. Acesso em 7 de junho de 2015.

Assim, em lugar do café, houve a expansão da pecuária leiteira, predominante até os dias de hoje nas terras adjacentes à bacia do Rio Paraíba, enquanto a agricultura, cuja prática desconsidera a capacidade de uso das terras, tem pouca expressão e constitui uma das mais importantes fontes de poluição e degradação dos solos e das águas devido ao uso desenfreado de pesticidas e fertilizantes; o cultivo da cana-de-açúcar é a principal cultura na bacia (Campos, 2001, p. 75).

Foi a cafeicultura, portanto, que desencadeou os desmatamentos desordenados e a ocupação extensiva na bacia, dando início ao processo de alteração drástica da paisagem regional, com a destruição das florestas nativas e o predomínio do café, que, no século XX, cedeu lugar à pecuária leiteira, que, ao lado da cultura de arroz (em São Paulo) e a de cana-de-açúcar (no Norte Fluminense), representa uma das mais importantes fontes de poluição dos solos e das águas devido ao uso abusivo de fertilizantes e agrotóxicos. O cultivo da cana-de-açúcar, em particular, embora tenha experimentado grande declínio ao longo dos anos, corresponde à principal atividade agrícola da Baixada Campista, responsável pelas iniquidades quanto à distribuição de terras, com o predomínio de latifúndios, atividade esta que vem sendo apoiada pelo Governo Federal, com o incentivo ao uso dos biocombustíveis (Totti, 2008, p. 51).

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Figura 4A: Pintura que representa a colheita do café feita pela mão de obra escrava no período de ouro do ciclo do café, no século XIX.
Fonte: http://xptravel.com.br/ciclo-do-cafe/.
Figura 4B: Lavoura cafeeira, principal produto de exportação do país até o início do século XX.
Fonte: http://www.cafepoint.com.br/mypoint/83075/f_lavoura_de_cafe_conilon_3_anos_conilon_produtividade_consultor_cafe_6410.aspx.
Figura 4C: Cana-de-açúcar, uma das principais culturas implantadas no Vale do Paraíba; ao lado da cultura do café, foi responsável pela degradação dos solos na região.
Fonte: http://ruralcentro.uol.com.br/noticias/ms-e-o-mais-avancado-na-eliminacao-da-queima-de-cana-de-acucar-66309.

O desmatamento da Mata Atlântica

Outra vertente do processo de degradação e desertificação acelerada da bacia do Rio Paraíba do Sul é o desmatamento sofrido pela Mata Atlântica, consequência do processo de urbanização que se deu com o povoamento da região e a introdução e expansão das culturas do café e da cana-de-açúcar. Silva (2002, p. 8) considera o cultivo do café e a criação extensiva de gado os principais fatores que contribuíram para a destruição da Floresta Atlântica na região do Médio Vale do Paraíba, restando apenas uma vegetação rasteira em que se destaca a presença de plantas herbáceas, sobretudo gramíneas, e fragmentos de florestas secundárias, que ocorrem nas áreas de maior altitude.

Por conseguinte, de todos os ecossistemas brasileiros, a Mata Atlântica é o que mais vem sofrendo processos de degradação e fragmentação no decorrer dos anos. Constituindo um complexo de tipos florestais que se desenvolvem ao longo da costa do Brasil, abrangendo a maior parte dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo e parcialmente outros Estados, como Santa Catarina, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, dentre outros das Regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país, este bioma situa-se entre duas zonas macroclimáticas, uma de clima tropical e outra subtropical, com o predomínio de temperaturas médias elevadas durante a maior parte do ano, com precipitação atmosférica bem distribuída e elevada no decurso do ano. Seus solos, que tiveram formação a partir de matrizes graníticas, basálticas e gnáissicas antigas, são altamente intemperizados e, portanto, apresentam baixa fertilidade. É devido à grande quantidade de matéria orgânica em decomposição que seus solos adquirem fertilidade necessária a suprir as necessidades de toda a floresta (Silva, 2002, p. 4).

A Mata Atlântica é considerada, nos dias de hoje, o mais descaracterizado dos biomas brasileiros, palco dos principais eventos da colonização e dos ciclos de desenvolvimento do país; sua área de abrangência é superposta pela maior densidade populacional, liderando as atividades econômicas do país. Não obstante o alto índice de degradação, suas formações vegetais ainda abrigam rica biodiversidade, de significativa importância para o Brasil e oferecendo incontáveis benefícios ambientais, que se encontram nos fragmentos e nas áreas ainda incólumes (Ministério do Meio Ambiente, 2006).

Fisionomicamente similar à Floresta Amazônica, o que sugere que se comunicaram em algum momento de sua evolução, com vegetação densa, espécies arbóreas elevadas em setores mais baixos do relevo e troncos recobertos por grande diversidade de epífitas, a Mata Atlântica tem sua devastação marcada por muitos impactos antrópicos que continuam atuantes nesse ecossistema, reduzindo o complexo a apenas 5% de sua área original, conforme se observa no mapa (Silva, 2002, p. 4).

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Figura 2: Mapa comparativo entre a área de cobertura vegetal original de Mata Atlântica e a remanescente. Nota-se que quase 93% da vegetação original foi desmatada. FONTE: http://www.rededasaguas.org.br/site_base_iguape/prog/educ/ribeira/agua/mapa.htm

Figura 5A: Remanescente da Floresta de Mata Atlântica e domínio do bioma na data da descoberta do Brasil.
Fonte: http://www.gentequeeduca.org.br/planos-de-aula/ambiente-e-acao-humana-nas-florestas.
Figura 5B: Devastação da floresta de Mata Atlântica, com abertura de clareiras e degradação do solo por processos erosivos.
Fonte: http://planetaunimed.com.br/noticia98-unimed.

O processo de industrialização do Vale do Paraíba

Dando continuidade a esse processo de degradação, a alteração da paisagem da bacia do Rio Paraíba, iniciado pelas ações antrópicas que conduziram à economia cafeeira e ao desmatamento da Floresta Atlântica para aproveitamento do solo destinado às plantations, a industrialização que seguiu após o declínio do café foi determinante para um impacto cada vez maior ao potencial hidrográfico da região.

Campos (2001, p. 77) enfatiza que, já em pleno século XX, exaurida a capacidade produtiva das terras que margeiam a bacia devido ao uso intenso e inadequado e às restrições do ambiente natural, direcionou-se o desenvolvimento na bacia do Rio Paraíba do Sul para o uso urbano, com o avanço do país na era industrial, processo que se tornou mais contundente em meados do século e favorecido pelo aproveitamento das inúmeras estradas de ferro e de rodagem construídas durante o Ciclo do Café, utilizadas primordialmente para o escoamento do produto para os grandes centros de exportação e agora utilizadas para o transporte das manufaturas produzidas pelas indústrias, interligando importantes centros urbanos e comerciais dos três estados, dentre os quais Taubaté-SP, Resende-RJ e Juiz de Fora-MG.

Existe um grande parque industrial instalado nas imediações da bacia do Rio Paraíba do Sul, estendendo-se ao longo do eixo Rio-São Paulo, no Médio Paraíba, e no município de Juiz de Fora (MG) e adjacências, no trecho mineiro da bacia do Rio Paraibuna, que também corta a região, representando significativa fonte de poluição hídrica, embora já se constatem investimentos realizados por muitas indústrias quanto ao tratamento dado aos seus efluentes, o que repercute de forma prejudicial no que se refere à qualidade das águas, que também se destinam ao abastecimento da população dos municípios (Campos, 2001, p. 75).

Silva (2002, p. 9) destaca o fato de que, muito embora haja tendência da bacia do Paraíba para o setor agropecuário, a atividade industrial na região tem importância significativa e é favorecida pelo escoamento da produção, feito através de rodovias e ferrovias, assim como dispõe de um grande mercado consumidor, influenciado pelo eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte; esses fatores contribuíram para o desenvolvimento industrial e econômico na região.
O maior usuário industrial individual na região é a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, cuja captação gira em torno de 10m3/s, igualando-se à demanda industrial total no trecho paulista da bacia, sendo superado apenas pelo setor sucro-alcooleiro no município de Campos dos Goytacazes-RJ quanto ao uso da água (Totti, 2008, p. 53).

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Figura 7A: Vista frontal da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), situada no município de Volta Redonda, marco do desenvolvimento industrial no Vale do Paraíba.
Fonte: http://www.diariodovale.com.br/noticias/0,72738,Oferta-da-CSN-pela-CSA-e-a-mais-alta.html.
Figura 7B: Três Rios, município do centro-sul fluminense, banhado pelos Rios Paraíba do Sul, Paraibuna e Piabanha. Cidade típica do interior do Estado do Rio de Janeiro, Três Rios cresceu às margens das águas do Paraíba e experimentou forte processo econômico graças às ferrovias e, posteriormente, à instalação de indústrias e empresas de bens e serviços. Fonte: http://www.sicomerciotr.com.br/.

Campos (2001, p. 77) afirma que a implantação da CSN, em 1946, em Volta Redonda, e a expansão da atividade industrial de São Paulo converteram o Vale do Paraíba em um dos principais polos de comunicação e desenvolvimento da Região Sudeste e do Brasil em razão de condições muito favoráveis que oferecia, dentre as quais a existência de um amplo mercado consumidor, tendo em vista que concentra a maior densidade populacional do país; fácil escoamento da produção e fornecimento abundante de água e energia, dentre outras vantagens.

Pecuária e zonas de pastagem

Com a especulação do café no mercado internacional e queda no rendimento devido à exaustão dos solos, deu-se a expansão da pecuária bovina no Vale do Paraíba, apresentando-se como atividade econômica capaz de substituir positivamente a cultura cafeeira em produtividade. Soma-se a isso o fato de que a pecuária representava uma atividade mais estável, favorecida por valores em ascensão no mercado financeiro, sendo praticada com sucesso na região (Keller, 1977, apud Silva, 2002, p. 13).

Não obstante ser uma alternativa viável destinada a ocupar o lugar da lavoura cafeeira, historicamente o sustentáculo da economia da região, a atividade agropecuária existente no Vale do Paraíba é marcada por uma pecuária de baixa produtividade, predominando as culturas agrícolas de pequeno porte, com exceção do arroz e da cana-de-açúcar, ocorrendo de maneira não sistemática, em espaços não planejados e com o uso de técnicas de manejo do solo rudimentares ou obsoletas, salvo algumas áreas beneficiadas por projetos governamentais em Minas Gerais e em São Paulo (Totti, 2008, p. 53).

Para Campos (2001, p. 78), predomina uma paisagem predominante de pastagens, ocorrendo em terras muito degradadas por erosão e frequentes e sucessivas queimadas, com produção pecuária ínfima, enquanto não há qualquer preocupação com a conservação do solo, dos mananciais e da biodiversidade, o que, se fossem respeitados, levaria a uma produtividade bem maior que a atual, evitando a manutenção de terras ociosas, desperdício de recursos naturais escassos e, por conseguinte, a poluição ambiental. Para esse autor, o sistema agropecuário do Vale do Paraíba configura-se como um modelo de desmatamento agropecuário extensivo, não sustentável, onde vivem 87% da população que habita a região da bacia, concentrada em cidades destituídas de infraestrutura adequada e oriundas de zonas rurais decadentes, atraídas pelas oportunidades de trabalho no setor industrial, de bens e serviços.

Impactos ambientais e desertificação

Ocupada no período do desenvolvimentismo, que adotava um modelo com enfoque na industrialização e a produção em larga escala de bens e serviços, a bacia do Rio Paraíba do Sul, conforme relata Totti (2008, p. 54), não foi alvo de qualquer iniciativa de proteção ambiental, uma vez que o ambiente era visto como fonte inexaurível de matéria-prima. O slogan “50 anos em 5”, do governo de Juscelino Kubitschek, apoiava-se no ideal um tanto conveniente de que toda floresta era um entrave à marcha do progresso e deveria ser derrubada.

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Figura 7A: Topo de morro desmatado na região Sul Fluminense.
Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/bacia-do-paraiba-do-sul-precisa-ser-restaurada-em-583-mil-hectares-para-cumprir-codigo-florestal-14537306.
Figura 7B: Ocupação das margens do Rio Paraíba do Sul, em Barra Mansa-RJ. A mata ciliar tem a função de controlar o processo de erosão.
Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/bacia-do-paraiba-do-sul-precisa-ser-restaurada-em-583-mil-hectares-para-cumprir-codigo-florestal-14537306.

De acordo com Campos (2001, p. 82), vieram somar-se aos impactos causados pelo fracassado modelo rural introduzido na bacia do Paraíba do Sul os reflexos da ocupação urbano-industrial desordenada, sem qualquer tipo de planejamento e infraestrutura, o que torna essa região um grande desafio para a gestão dos recursos hídricos, haja vista as dimensões monumentais dos problemas ambientais que impactam o ambiente e a qualidade de suas águas. Dentre os problemas mais críticos estão aqueles relacionados à poluição industrial, ao esgotamento sanitário e à erosão na bacia.

O grande potencial hídrico da bacia é utilizado com prioridade, atualmente, para a geração de energia elétrica, abastecimento público, irrigação e diluição de esgotos, além de servir para outros usos, dentre os quais a pesca, o lazer e o turismo, embora essas atividades tenham pouca expressão, apesar do grande potencial hídrico para seu desenvolvimento, o que não acontece com o transporte fluvial, o qual não apresenta condições favoráveis de navegabilidade na bacia (Totti, 2008. p. 52).

No que diz respeito aos efluentes domésticos e industriais, atualmente apenas 13% do esgoto doméstico da bacia recebem tratamento adequado antes de ser lançado; a maior parcela de esgoto tratado é encontrada no Estado de São Paulo (28%), contra apenas 4% e 3% nos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, respectivamente. Igualmente elevados são os índices de coliformes fecais e fósforo provenientes de esgotos presentes nas águas do Rio Paraíba do Sul e seus principais afluentes, violando os padrões de classificação estabelecidos pelo Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) em todas as amostras colhidas para monitoramento pela Cooperação Brasil-França (Campos, 2001, p. 79).

Conforme observa Totti (2008, p. 54-55), o mesmo descaso acontece com os efluentes industriais, visto que, numa relação inversamente proporcional ao desenvolvimento industrial e ao crescimento econômico, não se observam os devidos cuidados com a qualidade ambiental por parte das autoridades e responsáveis, contribuindo de forma contundente para a deterioração das águas, que ocorre por meio do lançamento de efluentes orgânicos e inorgânicos, muitos dos quais extremamente prejudiciais à biota aquática em razão de seu potencial lesivo e de toxicidade e que, pelos processos de bioacumulação e biomagnificação, podem causar danos à saúde humana, além de interferir no consumo de água e na produção de alimentos.

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Figura 8A: O despejo de efluentes domésticos e industriais diretamente nas águas do Rio Paraíba sem ter passado por qualquer tipo de tratamento representa um dos principais fatores de poluição e degradação da bacia.
Fonte: http://www.usp.br/agen/?p=19033.
Figura 8B: A pirâmide relaciona os efeitos deletérios da contaminação de um corpo hídrico por metais pesados como o mercúrio e o chumbo e pesticidas por meio da biomagnificação ao longo dos diferentes níveis tróficos.
Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/1469824/. Acesso em 13 de junho de 2015.

Segundo Pereira (2003, apud Totti, 2008, p. 55), a carga poluidora total da bacia, considerando apenas a de origem orgânica, corresponde a um valor perto de 330 toneladas de DBO (demanda bioquímica de oxigênio) por dia; 55% desse valor são derivados de efluentes domésticos e 45% gerados pelos complexos industriais instalados na região.

Para Campos (2001, p. 81), outro fator preocupante é a contaminação por metais pesados, ocasionada pelo acúmulo de sedimentos no fundo dos rios e reservatórios, resultantes dos efluentes industriais e que podem ser assimilados pelos organismos aquáticos e transferidos ao longo das cadeias alimentares aos peixes e, por fim, às populações humanas que os consomem, algo que se observa no reservatório do Funil, o qual recebe significativa carga de poluentes do trecho paulista. Nesse reservatório, em particular, outros problemas apontados por esse autor são as acentuadas concentrações de nutrientes orgânicos, como o fósforo associado ao acelerado processo de eutrofização do ecossistema aquático, e toda a cadeia de eventos que dela resultam, com proliferação de algas, liberação de toxinas, alterações na distribuição do oxigênio na água, além de contar com uma série de alterações físico-químicas.

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Figura 9A: Curso sinuoso do Rio Paraíba do Sul, que percorre a região fluminense e representa a principal fonte de água doce do Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: http://sosriosdobrasil.blogspot.com.br/2012/12/acoes-pelos-rios-do-br-na-semana-foram.html.
Figura 9B: Mancha esverdeada nas águas do Paraíba, com a proliferação de algas, resultando em um ambiente eutrofizado.
Fonte: http://diariodovale.com.br/cidade/aparecimento-de-algas-em-rio-paraiba-do-sul-e-reflexo-do-baixo-nivel-e-esgoto-na-agua/.
Figura 9C: Estágio final da eutrofização, com a diminuição das taxas de oxigênio devido ao excesso de nutrientes, resultando na morte de organismos aeróbicos. Na figura, toda a ictiofauna é afetada, assim como a grande maioria das espécies que vivem nesse ecossistema, o que leva a desequilíbrio ecológico e empobrecimento da biodiversidade local.
Fonte: https://ecoworkambiental.wordpress.com/2012/07/02/837/. Acesso em 13 de junho de 2015.

A erosão é outro impacto negativo que contribui para a degradação da bacia do Paraíba. Sendo um processo resultante dos extensos desmatamentos e do uso rural inadequado, a erosão provoca a degradação da capacidade produtiva das terras, além de contribuir para o assoreamento dos rios. Outro problema importante é carreamento de sedimentos e poluentes, sobretudo de aditivos químicos aplicados na agricultura, representando um risco em potencial à segurança das pessoas e às áreas urbanas. Esse material, transportado para os cursos de água, é responsável pelo agravamento dos fenômenos de inundação, que ocorrem em muitas cidades ao longo da bacia, representando graves transtornos à população ribeirinha. Em diversos municípios localizados na bacia podem se observar inúmeras áreas de risco de erosão em encostas ocupadas de forma irregular pela população mais carente, o que coloca essas pessoas em risco permanente, com frequentes episódios de deslizamentos e desmoronamentos de terra em épocas de chuva (Totti, 2008, p. 52).

10A 10B

Figura 10A: Estágios da erosão. As voçorocas correspondem a um avançado processo erosivo do solo e se caracterizam como um grande “buraco” na terra, conforme se vê na figura.
Fonte: http://pt.slideshare.net/mjbrollo/atuao-do-instituto-geolgico-na-preveno-de-desastres-naturais.
Figura 10B: Erosão laminar, ocasionada pelo escoamento difuso da água, removendo camadas superficiais, caracterizada pelo desenho de “linhas” no relevo, um típico processo erosivo encontrado em vários pontos ao longo da bacia do Paraíba do Sul.
Fonte: http://www.rc.unesp.br/igce/aplicada/ead/interacao/inter08a.html. Acesso em 13 de junho de 2015.

Silva (2002, p. 17) ressalta que a crescente degradação do Vale do Paraíba é consequência de inúmeros processos antrópicos que abrangem não apenas a industrialização, que se desenvolveu em meados do século XX, mas também devido à grande área desprovida de vegetação, em razão do desmatamento da Floresta Atlântica e dos graves problemas de erosão em curso e assoreamento dos rios, pelo mau uso do solo e falta de investimentos na recuperação de áreas degradadas.

Como consequência direta da erosão e degradação da qualidade das águas na bacia do Paraíba, dois outros processos antrópicos são praticados extensivamente em toda a região: as queimadas, praticadas de forma constante e imoderada, e a exploração mineral, que atende às demandas do setor de construção civil, operando na extração de areia do leito e das margens de rios, particularmente no trecho paulista da bacia, contribuindo para a aceleração do processo de sedimentação do reservatório de Funil, precipitando a desertificação da área afetada (Campos, 2001, p. 79).

11A 11B

Figura 11A: Foco de queimada em Barra Mansa, na região Sul Fluminense.
Fonte: http://folhadointerior.com.br/v2/page/noticiasdtl.asp?t=TEMPO+SECO+AUMENTA+N%DAMERO+DE+QUEIMADAS+NA+REGI%C3O&id=36097.
Figura 11B: Garimpo irregular no Rio Paraíba do Sul.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=xlXTT06nxA0. Acesso em 13 de junho de 2015.

Os resíduos sólidos, como o lixo urbano e o hospitalar, e os resíduos sólidos industriais, embora com menor repercussão sobre a qualidade das águas, representam grave problema na bacia do Paraíba, exercendo impacto direto sobre a saúde da população, pois não recebem qualquer tipo de tratamento e destinação adequada nos municípios que pertencem à bacia, sendo lançados nas águas e se tornando uma importante fonte de contaminação, favorecendo a proliferação de doenças de veiculação hídrica, enquanto nas áreas urbanas o lixo a céu aberto despejado em vias públicas representa um obstáculo ao fluxo das águas, obstruindo os sistemas de esgoto e contribuindo para agravar os problemas de inundação (Totti, 2008, p. 55).

Propostas locais de recuperação das áreas degradadas

A preocupação com a reparação de danos provocados pelo homem aos ecossistemas não é recente. Plantações florestais têm sido estabelecidas desde o século XIX no Brasil com diferentes objetivos. Entretanto, somente na década de 1980, com o desenvolvimento da ecologia da restauração como ciência, o termo restauração ecológica passou a ser mais claramente definido, com objetivos mais amplos, passando a ser o mais utilizado no mundo nos últimos anos (Engel; Parrotta, 2003). O histórico dessa fase, no Brasil, inicia-se em 1862, sendo um dos primeiros trabalhos de restauração florestal na atual Floresta Nacional da Tijuca, no município do Rio de Janeiro, visando à preservação das nascentes e regularização do abastecimento público de água (ver Pacto para Restauração Ecológica da Mata Atlântica, 2007).

Consideram-se degradadas áreas que apresentam “sintomas” como mineração, processos erosivos, ausência ou diminuição da cobertura vegetal, deposição de lixo e superfície espelhada, entre outros (SMA, 2004). Em 2004, a Society for Ecological Restoration – SER publicou Os princípios da SER na ecologia de restauração. Esse guia define a restauração ecológica como uma atividade intencional que inicia ou acelera a recuperação de um ecossistema no que diz respeito à sua saúde, integridade e sustentabilidade. Ecossistemas que requerem restauração têm sido degradados, danificados, transformados ou inteiramente destruídos como resultado direto e indireto das atividades humanas. Adicionalmente, descreve vários passos a serem tomados para o desenvolvimento e o manejo de projetos de restauração ecológica. Dentre as várias atividades a serem realizadas estão: identificar o local e o tipo de ecossistema a ser restaurado; identificar o agente causador da degradação; e identificar se há necessidade de intervenções diretas para a restauração.

O trabalho de estudo consiste em um levantamento socioeconômico e ambiental junto aos moradores do local para estabelecer um plano de recuperação para a bacia do Rio Paraíba do Sul e medidas de recuperação ambiental das áreas atingidas pelas águas provenientes do escoamento superficial, que provocam o assoreamento dos recursos hídricos. O trabalho poderá ser realizado na cidade de Três Rios, num período de 6 a 12 meses, dividido em quatro etapas de estudo. De início, pode ser realizado um diagnóstico ambiental da área de influência, que consiste na caracterização do meio físico, biótico e antrópico. Em seguida, deve-se identificar os fatores de danos ambientais. Pode também ser feito um questionário que aborde dados socioeconômicos e ambientais, aplicado junto aos moradores do local, em que serão estabelecidos trechos específicos, ou seja, pontos considerados mais relevantes para o estudo e, por fim, sugerir um plano de recuperação ambiental para o rio que possua medidas mitigadoras que possam se utilizadas na recuperação das áreas degradadas e as que se encontram em processo erosivo.

Outras propostas resultantes desse diagnóstico incluem: procurar nas esferas municipais e estaduais leis ambientais que garantam a proteção e recuperação da área em estudo e solicitar às autoridades o cumprimento das soluções.

A utilização de técnicas apropriadas à compatibilização de obras destinadas à proteção de enchentes, drenagem, irrigação, recreação, esportes aquáticos, aproveitamento hidroelétrico e a proteção de espécies vem atualmente necessitando de planejamento adequado que integre a preservação dos corpos hídricos naturais e valorize a paisagem, incluindo a proteção das áreas marginais necessárias à dinâmica dos rios e córregos para um projeto de revitalização (Assunção, 2002).

Medidas de recuperação, proteção, revegetação, plano de drenagem urbana local e programa de Educação Ambiental podem ser realizadas após esse diagnóstico para alcançar o principal objetivo.

A proposta de transposição da bacia do Paraíba e o Sistema Cantareira

Atualmente, o processo de desertificação da bacia do Rio Paraíba do Sul é evidenciado na maior crise hídrica que o Estado de São Paulo enfrenta na atualidade, o que levou o governo do coração financeiro do país a reivindicar a transposição do Rio Paraíba do Sul, que nasce na Serra da Bocaina, o que tem gerado uma disputa com o principal estado beneficiado pela bacia, o Rio de Janeiro. O objetivo dessa transposição é levar parte das águas do Rio Paraíba do Sul até o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento da capital paulista e que amarga a pior seca de sua história.

A transposição tem por objetivo ligar a represa de Jaguari, na bacia do Paraíba, a Atibainha, parte do Sistema Cantareira, com orçamento no valor de R$ 830 milhões, que será custeado pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O edital para a execução da transposição, lançado no dia 30 de janeiro de 2015, prevê a transferência de, em média, 5.130 a 8.500 litros de água por segundo do Paraíba para o Sistema Cantareira por meio de um sistema de bombeamento movido a energia elétrica; entretanto, a obra será executada em etapas. O trecho que fará a ligação das represas no sentido inverso, da Cantareira para o Rio Paraíba, só será licitado após a interligação que conduzirá a água de Jaguari para Atibainha. O projeto, de proporções monumentais, propõe em sua primeira fase a construção de uma adutora com 13,5km de extensão e de uma adutora em túnel com 6,5km de extensão, um sistema enorme que irá dispor ainda de uma estação elevatória que se encarregará de bombear a água de um túnel para o outro e de uma subestação elétrica que irá gerar a energia necessária para a operação (Bianchi, 2015).

12A 12B

Figura 12A: Localização do sistema do Paraíba do Sul, onde é representada a rota de transposição do curso do rio, ligando a represa de Jaguari até o Sistema Cantareira, no Estado de São Paulo.
Fonte: http://portal.rebia.org.br/arthur-soffiati/9209-transposicao-do-rio-paraiba-do-sul-entrevista-com-arthur-soffiati.
Figura 12B: Sistema Cantareira, com reservatórios em níveis críticos de abastecimento.
Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/02/10/entenda-como-ira-funcionar-a-transposicao-do-paraiba-para-o-cantareira.htm. Acesso em 12 de junho de 2015.

A discussão que se levanta em relação a esse empreendimento diz respeito ao impacto ambiental que a transposição do Rio Paraíba poderá causar se não for precedida de rigorosa avaliação de riscos, complementada com outras ações. O Estado do Rio de Janeiro é contrário ao projeto porque, segundo especialistas, a água da bacia poderá ser insuficiente para abastecer a Região Metropolitana, considerando que o estado carioca é extremamente dependente do Rio Paraíba, possuindo apenas um grande reservatório, o do Funil, ao passo que o Estado de São Paulo possui outros reservatórios de abastecimento de água.

Para alguns técnicos e especialistas ambientais, se a obra de transposição estiver associada a um programa de recuperação da bacia com reflorestamento, desassoreamento e tratamento de esgoto, ela será parte da solução. Caso contrário, não terá viabilidade ou terá pouco impacto e durabilidade, pois a transposição em si não seria capaz de resolver a problemática da água (Gomes, 2015). O governo de São Paulo rebate, argumentando que a transposição funcionaria como uma segurança para o Rio de Janeiro em um possível cenário de crise hídrica no futuro, devido à estiagem.

Conclusões

A desertificação em curso na bacia do Rio Paraíba do Sul pode ser explicada pela conjunção de vários elementos que, conforme visto, vêm se processando no tempo e no espaço. A região foi historicamente explorada e sofreu o impacto dos ciclos do café, da lavoura canavieira e dos movimentos imigratórios, com uma concentração urbana cada vez maior às margens da bacia durante o período de industrialização a partir de meados do século passado. Isso criou uma pressão cada vez maior sobre os recursos naturais, conduzindo aos processos de desmatamento da Floresta Atlântica, ao uso contínuo do solo, levando-o à exaustão, ao impacto sobre a qualidade dos recursos hídricos com o despejo de efluentes domésticos e industriais sobre as águas do Rio Paraíba do Sul, desencadeando processos de bioacumulação, biomagnificação e eutrofização, além de depauperar a paisagem e reduzir a biodiversidade da Mata Atlântica, bioma em cujos domínios se localiza a bacia.

Na Região Sudeste, podemos dimensionar mais claramente os efeitos da desertificação tomando como exemplo a atual crise hídrica que a região atravessa devido à queda nos níveis do Sistema Cantareira, principal reservatório, que abastece grande parte de São Paulo. Em âmbito local, as comunidades ribeirinhas e os trabalhadores rurais são os que mais sofrem os reflexos da degradação da bacia. As primeiras, por estarem expostas diretamente aos riscos de deslizamentos de terras e inundações causados pela destruição da mata ciliar e por serem mais suscetíveis às doenças de veiculação hídrica nos períodos de estiagem, coletando diretamente a água do rio para uso e consumo sem qualquer tratamento, além de consumir água contaminada de poços e cisternas, uma vez que, em muitos locais, não há serviço de abastecimento de água. A ausência de saneamento e esgoto também expõe essas comunidades à depauperação dos recursos naturais devido à desertificação, o que se reflete na qualidade de vida de seus integrantes e no recrudescimento da pobreza e das disparidades sociais, algo observável no Vale do Paraíba, onde há verdadeiros “bolsões de pobreza”.

Já os trabalhadores rurais sofrem o grave problema do esgotamento e erosão do solo, uma vez que a agricultura é incipiente e o manejo do solo é feito sem qualquer preocupação com sua sustentabilidade, observando um modelo de capitalismo que vem ocorrendo desde a economia cafeeira. Isso provoca o êxodo rural, com a migração da mão de obra campesina para os centros urbanos, onde busca trabalho e melhores condições de vida, aumentando a pressão sobre os recursos da bacia, o que agrava o processo de degradação em curso.

Diante desse cenário, iniciativas por parte tanto das instituições públicas como do setor privado e das ONGs vêm sendo tomadas no sentido de reverter e, sobretudo, prevenir esse processo de degradação do solo e dos recursos hídricos que tem comprometido o suprimento de água e a qualidade de vida, sobretudo da população mais carente e que depende do rio para sua subsistência.

Estão em curso várias ações e programas de combate à desertificação, bem como de conservação da bacia hidrográfica do Paraíba do Sul, mas qualquer medida só se torna eficaz quando associada a propostas de Educação Ambiental, que deve ser o ponto de partida para uma mudança de hábitos e comportamentos na relação do homem com a natureza, estabelecendo princípios de sustentabilidade e equidade social, garantindo às gerações futuras o usufruto dos recursos naturais em harmonia com o meio ambiente e a serviço da construção de uma nova sociedade.

Referências

ALENCAR, E. Bacia do Paraíba do Sul precisa ser restaurada em 583 mil hectares para cumprir Código Florestal. O Globo [on-line], 12/11/2014. Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/bacia-do-paraiba-do-sul-precisa-ser-restaurada-em-583-mil-hectares-para-cumprir-codigo-florestal-14537306. Acesso em 14/06/2015.

ARAÚJO, L. E. et al Impactos ambientais em bacias hidrográficas – caso da bacia do Rio Paraíba. Tecno-Lógica, Santa Cruz do Sul, v. 13, nº 2, p. 109-115, jul./dez. 2009. Disponível em http://online.unisc.br/seer/index.php/tecnologica/articl

Publicado em 04 de agosto de 2015

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