A transposição do Rio São Francisco

Aline Domingueti Vallim Fonseca

Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas (UFRJ)

Angélica Cristina Ribeiro Pinto

Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas (UFRJ)

Editora: Profª Dra. Any Bernstein

Professora da Fundação Cecierj

 

Este grande projeto de engenharia aprovado pelo Governo Federal em 2006 com o objetivo de atender 12 milhões de nordestinos teve seu primeiro trecho inaugurado em agosto de 2015: um segmento do eixo norte que vai a Cabrobó foi concluído pelo Exército Brasileiro. Outros trechos parecem estar abandonados, e a região que outrora foi fértil pode desertificar se o rio sucumbir ao estresse a que está sendo submetido. O projeto está arriscado a “despir um santo para vestir outro”?

Este artigo, escrito pelas professoras Angélica e Aline durante o curso “O Homem e a Natureza”, provoca a pesquisa sobre a revitalização, o saneamento do rio e os motivos que fizeram com que as obras fossem interrompidas nos outros trechos.

Foto 1: A desertificação do semiárido leva a uma série de problemas: migrantes, construção de açudes inadequados que não são soluções e levam, inclusive, à doenças de veiculação hídrica. Existem métodos baratos para combater a desertificação que são alternativas menos arriscadas do que a transposição de rios – obras onerosas que, se não concluídas, podem secar o rio além de levar à desertificação da região.
Fonte: Diário do Nordeste (Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/).

A desertificação

A desertificação é o produto de processos de degradação ambiental resultantes de fatores e ou vetores diversos. Esses processos geralmente ocorrem devido ao desequilíbrio causado pelo uso indiscriminado, sem manejos adequados, que modificam as características ambientais naturais, em que a oferta e demanda de recursos naturais não se tornam justas e, assim, salinizam, empobrecem, encharcam e/ou diminuem recursos hídricos. Pelo conjunto desses fatores há a degradação dos solos. Esse nome se deve à característica de áreas que se assemelham a desertos.
De acordo com a linha estabelecida pela Agenda 21, várias regiões do Brasil, principalmente as semiáridas, precisam de ações contra processos de desertificação. Os principais vetores desse processo são variações climáticas e ações antrópicas que reduzem a qualidade de vida.

Para saber mais sobre o processo de desertificação, assista ao vídeo A desertificação no semiárido brasileiro.

Foto 2: Nascente do Rio São Francisco.
Fonte: Henriktour/Google

O Rio São Francisco

O Rio São Francisco representa uma das maiores bacias do mundo, devido ao seu volume de água, fundamental para o desenvolvimento econômico do semiárido nordestino. Sua nascente (Foto 2) se localiza no Estado de Minas Gerais. Com seus 168 afluentes, o “Velho Chico” é o quarto maior rio da América do Sul e o maior do interior do Brasil, abrangendo os territórios dos seguintes estados: Bahia, Minas Gerais, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, além de parte de Goiás e do Distrito Federal.

A área coberta pela Bacia do Rio São Francisco corresponde a cerca de 8% do território nacional, onde hoje se localizam 504 municípios, com população da ordem de 14 milhões de habitantes.

O rio tem aproximadamente 2.700km de extensão de grande diversidade ambiental nos diversos fragmentos de biomas como Floresta Atlântica, caatinga, costeiros, cerrados, e insulares. No seu curso, diversos trechos apresentam corredeiras e cachoeiras, como a de Paulo Afonso, que está na Foto 3.

Foto 3: Cachoeira de Paulo Afonso, no Rio São Francisco
Fonte: Britannica Escola Online. Web, 2015. Antonio Gusmão-TYBA/Agência Fotográfica.

A história do projeto de transposição do Rio São Francisco

Historicamente conhecida, a seca da região Nordeste teve início com o desmatamento indiscriminado e criminoso, apresentando grandes núcleos de desertificação.

O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco é um projeto antigo, que vem sendo imaginado desde a época do Império (século XIX) por D. Pedro II, visando irrigar essa região. Entre os anos de 2003 e 2006 foi desenvolvido o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Norte Setentrional, que captaria águas entre as barragens de Sobradinho (BA) e Itaparica (BA). Em 2006, parlamentares das bancadas federais do Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Paraíba, organizaram um movimento de apoio ao Governo Federal pela execução do projeto. As negociações, desde então, caracterizaram-se por avanços e recuos, sendo atualmente coordenada pelo Ministério da Integração Nacional, com o apoio de vários ministérios e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, este último incluindo a participação da sociedade civil.

O empenho para a aprovação desse projeto é justificado pela sobrevivência dos habitantes dessa região sofrida pela a fome e sede e pelos transtornos originados pela escassez de água, especialmente quando presente em ínfima quantidade e péssima qualidade.

O benefício esperado é que a transposição do Rio São Francisco atenderia cerca de 12 milhões de habitantes de cidades da região semiárida dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O objetivo seria atender grandes áreas urbanas e indústrias, perímetros de irrigação e usos difusos.

De acordo com o Ministério da Integração Nacional, após vários recessos que ocasionaram atrasos justificados por adaptações e ordens burocráticas, a obra apresenta-se em fase de testes, com previsão de conclusão estipulada pelos técnicos para 2017.

Figura 1: Os itens do projeto de transposição

Entendendo o projeto

Para um entendimento simplista, o projeto abarca um sistema de dois canais, dividido em dois eixos de transposição: Eixo Norte (Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, com 400km de extensão) e Eixo Leste (parte do sertão e regiões do agreste pernambucano e da Paraíba, com 220km de extensão).

No total, o projeto abrange perto de 700km de extensão, fazendo a conexão das águas do Rio São Francisco com as bacias hidrográficas menores e açudes, sendo redistribuídas por adutoras por meio da construção de estações de bombeamento de água aos municípios conforme suas necessidades.

Positivamente, a transposição do Rio São Francisco impulsionará o Nordeste a um novo patamar de desenvolvimento.

A água transposta permitiria que alguns açudes multiplicassem a sua vazão regularizada, e somente na estiagem crítica ocorreria a transposição nos limites máximos. Desse modo, o aumento da oferta de recursos hídricos para o abastecimento de domicílios e para as atividades agropecuárias.

Contra a implantação do projeto, há a necessidade de entendimento da situação em que se encontra a bacia do Rio São Francisco. É importante relacionar as ações de desenvolvimento realizadas pelo homem, as que ocorrem durante a realização do projeto e as possíveis consequências.

Para saber mais sobre o projeto de transposição do Rio São Francisco assista ao vídeo.

A transposição do Rio São Francisco e a desertificação

As constantes degradações dessa bacia hidrográfica, como a diminuição da mata ciliar, da vegetação do cerrado e da caatinga para a produção de carvão, contribuem para a alteração das condições hidrológicas do rio. Desse modo, matas nativas da região já são alvo de siderúrgicas que promovem a remoção de biomassa, causando importantes danos ao ambiente.

Durante a realização do projeto, estima-se que estejam sendo transportados para o leito do Rio São Francisco, aproximadamente 18 milhões de toneladas de solos, que formam bancos de areia.

Além disso, há a intensificação de desmatamento de vegetação nativa no processo de escavação para a construção de canais, túneis, estradas de acesso (Foto 4).

Foto 4: Durante as obras da transposição do Rio São Francisco
Fonte: http://somosnoticia.com.br/cidades/amarante/transptransp-do-rio-sao-francisco-23380.html.

Com a expansão dos recursos hídricos, haverá concomitantemente deslocamento das fronteiras agrícolas irrigadas, sendo este outro fator que causa impactos de desertificação significativos: desmatamentos, exaustão de nascentes, erosão, assoreamentos de leitos etc. (Barbosa, 2014). Além disso, as obras de transposição irão gerar a degradação de 430 hectares de terra, prejudicando diretamente a flora e a fauna presente nas áreas.

Outro aspecto que provoca prejuízo é a construção dos canais que afetam a migração das espécies, resultando em consequências negativas à biodiversidade; estudos apontam interferências desertificadoras já existentes naturalmente no fluvial São Francisco (Foto 5).

Atualmente, em consequência desses fatores, os processos de desertificação e a seca continuam sendo apontados como os principais problemas dessa região.

Foto 5: Processo de desertificação no leito do Fio São Francisco em Cabrobó-PE.
Fonte: http://opovocomanoticia.blogspot.com.br/2014/04/processo-de-desertificacao-dificulta.html

E agora?

Foto 6: Desertificação
Fonte: Shutterstock

Torna-se necessário repensar posicionamento sobre o abastecimento do semiárido nordestino, em que a prioridade seja atender às necessidades das populações das regiões da seca: ações estruturadoras e revitalizadoras no rio como reflorestamentos, monitoramentos de vazões e erosões, possibilidades de transposição de outras bacias, conservação de áreas representativas, manutenção e criação de novas unidades de conservação, incentivo às pesquisas científicas etc.

É indispensável uma releitura dos meios utilizados na construção do projeto de transposição no sentido de olhar o meio ambiente e evitar, assim, demasiada agressão e subsequentes problemas aos recursos naturais.
Programas de Educação Ambiental devem ser abrangentes, alcançando a totalidade das áreas da região, envolvendo potenciais parcerias.

O projeto de transposição pode trazer a esperança hídrica ao semiárido nordestino, porém deve ser considerado que é uma região acometida pela seca, em que o fenômeno deverá naturalmente continuar existindo!

Polêmica: “Despir um santo para vestir outro?”

A transposição do S. Francisco é uma solução ou o estresse hídrico, sem a devida revitalização do rio, vai levar à escassez de água na região?
Discuta os vídeos: https://youtu.be/oJ5GSSbRhVM e https://youtu.be/SF3OLq3gewc.

Referências

ALVES, José Jackson Amâncio; NASCIMENTO, Sebastiana Santos. Transposição do rio São Francisco: (des)caminhos para o semi-árido do Nordeste brasileiro. 2009 – Disponível em:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/viewFile/7707/4449, Acesso: 23/05/2015.

AZEVEDO, Márcia Regina da Silva. A representação popular na Câmara dos Deputados e o pacto federativo no Brasil: Estudo de Caso: Transposição do Rio São Francisco. 2008. Disponível em: file:///C:/Users/Aline%20Projeto%20Final/Downloads/Marcia%20Regina%20da%20Silva%20Azevedo.pdf.  Acesso: 19/05/2015.

BARBOSA, Francisca Aline Pereira. Ecossistemas e impactos ambientais nos espaços urbanos e rurais - degradação ambiental a partir da transposição do Rio São Francisco no eixo leste na cidade de Monteiro (PB), Guarabira (PB). 2014. Disponível em: http://dspace.bc.uepb.edu.br:8080/jspui/bitstream/123456789/3237/1/PDF%20-%20Francisca%20Aline%20Pereira%20Barbosa.pdf > Acesso: 25/05/2015.

BARBOSA, Virgínia. Transposição do Rio São Francisco. Pesquisa Escolar. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2011. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/Transposicãodoriosãofrancisco. Acesso: 6/05/2015.

BRITANNICA ESCOLA Online Web. Enciclopédia Escolar Britannica, 2015. Verbete: Rio São Francisco. 2015.
Disponível em: http://escola.britannica.com.br/article/483545/rio-Sao-Francisco. Acesso em: 05/05/2015.

CASTRO, César Nunes de. Transposição do Rio São Francisco: análise de oportunidade do projeto. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 2011. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1418/1/TD_1577.pdf.Acesso em: 06/05/2015.
CASTRO, César Nunes de. Transposição do Rio São Francisco. Boletim Regional, Urbano e Ambiental, nº 2, jul. 2009. Disponível em: <http://observatoriosaofrancisco.blogspot.com/2009/09/transposicao-do-rio-sao-francisco.html>. Acesso: 03/05/2015.

COMITÊ da Bacia hidrográfica do rio São Francisco. Disponível em: http://cbhsaofrancisco.org.br/a-bacia/.Acesso: 04/05/2015.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. http://www.mma.gov.br/perguntasfrequentes?catid=19.
PROGRAMA de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca – PAN-Brasil. 2005. Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/sedr_desertif/_arquivos/pan_brasil_portugues.pdf.

Mais notícias:
A transposição do Rio São Francisco e suas consequências, 2013. Disponível em: http://jornalmaisnoticias.com.br/a-transposicao-do-rio-sao-francisco-e-suas-consequencias/.

Publicado em 15 de setembro de 2015

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