Misturar é preciso
Mariana Cruz
Dois finais de semana antes da Feira de Ciências da escola onde trabalho, nós, professores, tivemos um sábado letivo que aproveitamos para discutir vários assuntos pedagógicos, problemas relacionados ao dia a dia da escola e, claro, sobre a dita Feira.
Normalmente, nesta Feira, por ser de cunho "científico", os professores orientadores das turmas são das áreas de exatas e biológicas (não entendo porque a área das humanas fica de fora, mas, enfim, é o costume). A despeito dessa segregação, algumas turmas convidaram professores da área de humanas para serem seus orientadores. O caso acabou gerando um pequeno debate na reunião: se era válido ou não. Depois de argumentos e contra-argumentos, chegamos à conclusão de que a Feira de Ciências podia ser aberta a todos os professores.
Pensando bem, o mesmo deveria ser aplicado à Feira de Literatura, por exemplo, uma vez que esta fica a cargo dos professores de Literatura, Português e Língua Estrangeira. Penso que a Feira Literária também poderia se estender a outras áreas (afinal, até a Academia Brasileira de Letras elege como imortais não apenas os autores do mundo literato, mas também os que produziram importantes obras em outras áreas).
Voltando à reunião, percebemos que a questão da interdisciplinaridade poderia ser aprofundada, sair do plano do discurso e vir a ser realmente posta em prática (pois em toda reunião sempre se fala desse tema, porém nunca ocorre uma mudança efetiva). Sugeriu-se então que no próximo evento fosse feito um trabalho em dupla ou em grupo com professores de áreas distintas (não mais o que se faz habitualmente, ao reunir professores de disciplinas distintas, mas da mesma área). A proposta era radicalizar isso, ou seja, tirar o professor da sua "zona de conforto" (para gastar essa expressão que vem sendo usada à exaustão ultimamente). A ideia foi bem aceita pelo grupo e, finda a reunião, dois professores falaram sobre uma experiência similar que tiveram em outras escolas e que foram muito bem-sucedidas. O professor de Química disse que teve que propor uma atividade junto com a professora de Português e, de início, achou que não ia dar certo. Depois de muito quebrarem a cabeça, pensaram em trabalhar com a música Rosa de Hiroshima, de Vinícius de Moraes e Gerson Conrad. Ele orientou os alunos em uma pesquisa sobre a bomba atômica, sua composição química, os danos que ela pode causar e os efeitos da radioatividade nos seres vivos, e a professora de Português fez um estudo sobre a letra da composição, os versos e as metáforas.
Já a caminho de casa imaginei quais poderiam ser os temas trabalhados por disciplinas aparentemente tão distintas. Em História e Física, por exemplo, poderiam ser estudadas as teorias que foram proibidas de serem expostas em determinada época por desmentir alguns dogmas da Igreja. Qual o conteúdo de tais teorias (o heliocentrismo, por exemplo)? Por que elas representavam uma ameaça ao pensamento vigente?
Em seguida imaginei o que poderia ser trabalhado em Geografia e Filosofia. Um tema bastante atual, como os conflitos religiosos no Oriente Médio, talvez. Poderiam ser estudadas questões relativas à intolerância, à alteridade, ao pensamento das religiões, às fugas de grupos humanos para outros países, enfim, as mudanças ocorridas no campo da Geografia Política.
Em Sociologia e Biologia poderiam ser estudadas as diferentes etnias, os grupos humanos, as características de cada raça, seus costumes, culturas, hábitos. E como seria como trabalhar Artes e Matemática? Que tal fazer um trabalho com as figuras musicais e o tempo de duração delas? Cada uma delas dura a metade do tempo da figura anterior. Assim, poderiam ser investigadas quantas mínimas cabem numa semibreve, quantas semínimas cabem em uma mínima e assim por diante.
E, por fim, Educação Física e Inglês. Este trabalho já seria entregue de bandeja, bastaria fazer um estudos das modalidades esportivas cujos nomes vêm do inglês (como handebol, futebol, voleibol, basquetebol) e conhecer sua grafia original e o significado delas, bem como descobrir o significado das palavras inglesas que são utilizadas em tais modalidades, como matchpoint, tiebreak, set, corner, gol (do inglês goal).
Fiz tais associações em poucos minutos, enquanto dirigia. Imagino o que não poderia sair de uma reunião mais elaborada sobre o tema. Ideias muito melhores e mais bem estruturadas que poderiam servir de estímulo aos professores para saírem um pouco da rotina, do seu feudo de saber, aprender junto com os alunos a matéria de outras disciplinas. Claro que pode acontecer de alguns trabalhos não terem o entrosamento esperado, mas faz parte dos riscos que nós, professores, corremos ao tentar dar uma aula que saia do padrão, tentar atrair o interesse e despertar a criatividade dos meninos. É bom para eles e para nós.
Afinal, é da fusão dos diferentes saberes, das raças, das culturas que grandes descobertas foram feitas. Misturar é preciso.
Publicado em 13 de outubro de 2015
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