Cabrobó (PE) rumo à desertificação

Vanessa M. da Silva

Bióloga, especialista em Meio Ambiente (UFRJ)

Anderson G.Pinheiro

Biólogo

Editora: Any Bernstein

Professora da Fundação Cecierj

Estudos realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, com base em tendências climáticas, revelam que em 2100 parte do semiárido brasileiro pode se tornar uma região de deserto (Agência Brasil, 2013). De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a desertificação atinge seriamente 66 milhões de hectares do semiárido, áreas que estão bastante alteradas em zonas ocupadas pela Caatinga (MMA, 2009a). Esse bioma exclusivamente brasileiro representa cerca de 844.000 km2, o equivalente a 11% do território nacional, atingindo os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e o norte de Minas Gerais (Drummond et al., 2000; MMA, 2015).

Atualmente são consideradas pelo governo brasileiro quatro áreas de desertificação no semiárido nordestino: o núcleo de desertificação de Cabrobó em Pernambuco é um deles; os demais núcleos envolvem os Estados do Piauí (núcleo Gilbués), Ceará (núcleo Irauçuba) e Rio Grande do Norte (núcleo Seridó).

Figura 1: Núcleos de desertificação da Região Nordeste do Brasil.

Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2011/280/pdf_aberto/terrassecas280.pdf.

A desertificação do sertão pernambucano e o núcleo Cabrobó

De acordo com o Programa de Ação Nacional para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, as áreas susceptíveis à desertificação correspondem a 90,68% da superfície do Estado de Pernambuco, considerando as áreas totais dos 135 municípios envolvidos (Brasil, 2005).  

O clima característico desse núcleo de desertificação é semiárido, com altas temperaturas, chuvas escassas e irregulares, concentradas de 2 a 5 meses no ano. A região também tem características meteorológicas extremas, tais como: as mais altas radiações solares, baixas taxas de umidade relativa, elevada temperatura média anual, elevada evaporação e baixa nebulosidade.

A Figura 2 apresenta o núcleo de Cabrobó, que é constituído também pelas cidades de Belém do São Francisco, Carnaubeira da Penha, Floresta e Itacuruba.

Figura 2: Núcleo de desertificação de Cabrobó.

Fonte: http://especiais.ne10.uol.com.br/vocemais20/imagens/007/SOARES_2012.pdf.

A biodiversidade da Caatinga

A flora da Caatinga apresenta um tipo singular de vegetação xerófila tropical, endêmica desta parte do Nordeste, que tem como principal característica a capacidade de perder as folhas na estação seca (ou sem chuvas). Essa propriedade corresponde a um mecanismo fisiológico de defesa das plantas contra a alta transpiração. As famílias de plantas que mais identificam a paisagem são as Cactaceae, Euphorbiaceae Bromeliaceae e Leguminosae (USP, 2015). Além da flora característica, a Caatinga, possui abundância de mamíferos, abelhas, anfíbios, peixes e répteis, configurando grande riqueza em biodiversidade (MMA, 2015).

Mandacaru

Figura 3: Mandacaru, planta típica da caatinga.

Fonte: http://www.irpaa.org/galeria/1.

A vegetação da Caatinga vem sendo desmatada e substituída por pastos herbáceos ou culturas de ciclo curto. O solo assim exposto favorece o processo de erosão e o cultivo continuado leva à perda da fertilidade (Sampaio et al., 2005).

A agricultura de Cabrobó e a salinização dos solos

Apesar de o solo ser pobre e o relevo acidentado, com chuvas concentradas em poucos meses do ano, a degradação da terra pela agricultura é apontada como uma das principais causas da desertificação.

Sampaio et al. (2003) justificam pela história regional a instalação da população em ilhas no Rio São Francisco e nos poucos bairros mais férteis; a capacidade de suporte da região para a agricultura foi limitada pelas características naturais de aridez dos solos rasos.

A região apresentou crescimento populacional a partir da expansão da pecuária e com o advento da irrigação. No entanto, o uso de águas com teores elevados de sais e o mau manejo dos ciclos de molhamento, sem condições adequadas de drenagem, levaram à salinização do solo (Sampaio et al., 2005).

Do ponto de vista ambiental, os danos relacionados a essas práticas resultaram na exposição do solo e erosão, no empobrecimento da Caatinga e na degradação dos recursos hídricos. As temperaturas elevadas e o solo exposto também dificultam a sobrevivência da biota local.

http://hotsite.diariodonordeste.com.br/diariouploads/uploads/0bf24f543b98dfab1ab80f887b5af442.jpg

Figura 4: Fenômeno de salinização.

Fonte: Fernando Maia. Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/terra-vira-sal-em-fazenda-no-municipio-de-cabrobo-pe-1.251998.

A população residente nessas áreas sofre diretamente com esses danos. A desertificação de Cabrobó traz ameaças para a qualidade de vida da população, já que tal processo gera perda da fertilidade da terra. Diante da perspectiva atual, é necessária a realização de estudos sobre o processo de desertificação no semiárido brasileiro para fornecer subsídios às políticas e aos planos no combate à desertificação.

Figura 5: Desertificação na Caatinga.

Fonte: http://meioambiente.culturamix.com/recursos-naturais/desertificacao-no-brasil-caracteristicas-gerais.

Em Cabrobó, por exemplo, as culturas agrícolas de arroz e cebola são realizadas com sistemas de inundação e irrigação por sulco sem condições adequadas de drenagem, o que conduz à elevação no teor de sais no solo. Esses sais, adicionados via irrigação, junto com aqueles existentes no solo, sem boa drenagem (natural ou artificial) iniciam um processo de acumulação denominado salinização.

Os problemas de salinidade observados na agricultura irrigada não são exclusivos desse município. Segundo Sales (2006), ao mesmo tempo que a atividade agrícola irrigada faz surgir áreas salinizadas, a pecuária extensiva tem levado ao sobrepastoreio, constituindo-se causas fundamentais da degradação. Esses fatores, aliados a altas temperaturas, que produzem o aumento da evapotranspiração, podem acelerar o processo de desertificação (Soares, 2012).

A transposiçâo do Rio São Francisco para combate à desertificaçâo

A realização de estudos sobre o processo de desertificação no semiárido brasileiro forneceram subsídios às políticas e os planos no combate à desertificação.

O projeto de transposição do Rio São Francisco se utiliza da região como eixo, gerando redução da água e salinização do solo pela mudança do curso natural do rio para o projeto hidrelétrico nacional (Fraga, 2011). De acordo com o Ministério da Integração Social, o projeto visa garantir a segurança hídrica para municípios nordestinos (Ministério da Integração Nacional, 2015).

O Brasil tem um grande desafio a enfrentar diante do cenário de desertificação e de mudanças climáticas que podem ter efeito sinérgico e influenciar os processos já existentes, colaborando com a degradação do solo (Fraga, 2011).

Conforme organiza Sampaio et al. (2003), a desertificação acontece em quatro fases:

  • degradação do solo;
  • redução da capacidade produtiva da agropecuária;
  • redução da renda; e
  • deterioração das condições sociais da população.

Sendo assim, as consequências para o Brasil são desagradáveis e demandam ações articuladas.

A produção e a manutenção de programas de sensibilização e orientação da população para prevenir a degradação de novas áreas são relevantes e podem oferecer um horizonte mais seguro. O incentivo e a orientação na implantação de culturas agrícolas e métodos de irrigação que minimizem a salinização, aliados a projetos para recuperação do solo, podem garantir a produção de Cabrobó. O manejo do solo e das bacias hidrográficas, em conjunto com práticas agrícolas adequadas, pode ser uma estratégia para o combate à desertificação.

Por conseguinte, para que todas essas etapas aconteçam, um fator é fundamental: a difusão do conhecimento científico aliado à mobilização social. Atividades de sensibilização, divulgação da problemática da desertificação e discussões envolvendo a comunidade local podem transformar a região num modelo de sucesso em meio a tantos cenários negativos do Nordeste brasileiro.

Referências

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca PAN-Brasil. Brasília, 2005.

FRAGA, ISABELA. Terras secas. Revista Ciência Hoje, nº 28, p. 22-29, 2011. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2011/280/pdf_aberto/terrassecas280.pdf. Acesso em: 2 jun. 2015.

BRASIL. Ministério Do Meio Ambiente. Atlas das áreas suscetíveis à desertificação do Brasil. Bioma Caatinga. 2015. Disponível em: http://www.mma.gov.br/biomas/caatinga. Acesso em 12 jun. 2015.

BRASIL. Ministério da Integração Nacional. O projeto São Francisco. Disponível em: http://www.integracao.gov.br/o-que-e-o-projeto. Acesso em 10 jun. 2015.

RIBEIRO, E. P. et al. Impactos da agricultura no núcleo de desertificação de Cabrobó em Pernambuco. 2015. In: Anais do IV Simpósio de Mudanças Climáticas e Desertificação no Semiárido Brasileiro. Experiências e oportunidades para o desenvolvimento. Disponível em: http://www.ivsmud.com.br/files/anais/163_2.pdf.

SÁ, I. B.; ANGELOTTI, F. Degradação ambiental e desertificação no semiárido brasileiro. in: ANGELOTTI, F.; SÁ, I. B.; MENEZES, E. A.; PELLEGRINO, G. Q. Mudanças climáticas e desertificação no Semiárido brasileiro. Petrolina: Embrapa Semiárido; Campinas: Embrapa Informática Agropecuária, 2009.

SALES, M. C. L. O panorama da desertificação no Brasil. In: MOREIRA, E. (org.). Agricultura familiar e desertificação. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2006.

SAMPAIO, E. V. S. B.; SAMPAIO, Y.; VITAL, T.; ARAÚJO, S. B.; SAMPAIO, G. R. Desertificação no Brasil: conceitos, núcleos e tecnologias de recuperação e convivência. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2003.

SAMPAIO, Everardo; ARAÚJO, Maria do Socorro; SAMPAIO, Yoni. Propensão à desertificação no semiárido brasileiro. Revista de Geografia, v. 22, nº 2, 2005.

SOARES, D. B. 2012. Degradação ambiental no semiárido pernambucano: contribuição ao estudo da desertificação. Recife: UFPE, 2012. Disponível em: http://especiais.ne10.uol.com.br/vocemais20/imagens/007/SOARES_2012.pdf. Acesso em 25 maio 2015.

USP. Ecologia do bioma caatinga. 2015. Disponível em: http://ecologia.ib.usp.br/index.php/8-noticias/10-caatingas. Acesso em 12 jun. 2015.

Relato de experiência

A experiência de realizar o trabalho com colegas desconhecidos, mas interessados no mesmo tema, foi muito positiva. Qualquer trabalho ganha mais qualidade em conjunto com pessoas comprometidas e dedicadas. O tema, pouco conhecido, nos fez debruçar sobre essa realidade e ampliar a visão da grandeza do assunto.

Publicado em 10 de novembro de 2015

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