Carnaval: folia do cérebro
Claudia Nunes
Novamente dezenas máscaras, fantasias e sujeitos excitados. Há uma alegria, uma animação e uma energia diferentes nos rostos e nos movimentos. É o Carnaval! De novo uma manifestação cultural que estimula a sociedade, os quadris e as sinapses à exposição de seus imaginários e desejos. Então uma pergunta: o que acontece com as estruturas cerebrais e psíquicas nesse tempo momesco, diante de um enredo social tão excitatório? É importante observar e pensar sobre esse desequilíbrio hormonal porque não só os foliões, mas um grande carnavalesco está afetado: o cérebro e sua plasticidade natural.
Mar, povo, células, moléculas, tudo mexido! Os atabaques e surdos atraem as correntes sanguíneas e estimulam fortemente o sistema límbico. Há uma eletrificação generalizada na genética e milhares de corpos estão em expectativa e coloridos vagando pela cidade, porque a festa da carne traz uma ampla liberdade de ação das funções cerebrais e suas diferentes pulsões. Semanas antes, os preparativos já tornam as sinapses hiperativas. Mesmo aqueles que não enfrentam ‘momo’ pelas ruas da cidade e viajam para outras folias paradisíacas, ou aqueles entram em resguardo domiciliar para revitalizar seus dias seguintes, todos estão diferentes, animados e risonhos. Impulsos nervosos estão sem seus alinhavos naturais e o arlequim-DNA está desengonçado... É o sentido de/da festa!
Casas, hotéis e pousadas parecem óvulos sendo atacados por espermatozoides em busca de transformação e irreverência muscular e respiratória. Mesmo no silêncio, o sentido da audição está alerta aos batuques do coração e aos blocos ao longe. O corpo é reação e impulso. Os celulares e os CDs tocam mais do que o normal e vibram faringes e laringes aos seus limites. As pessoas anseiam por liberdade de sentir, agir, ou mesmo de se esconder, com a desculpa (e o estímulo) de que “mente e corpo precisam” de outras mutações mais lineares e equilibradas nesse momento: é festa de novo!
Vamos pensar: depois do Natal, o Carnaval é a outra festa da comunhão, dos encontros e das grandes aventuras que ficarão guardadas para sempre na memória. Há uma única certeza: o Carnaval e a idade são únicos. Lembranças de longa duração são assumidas como energéticos para o ano vindouro. Dopamina na veia! Adrenalina no sangue! O cérebro produz forte fluxo elétrico sem enredo prévio. Os órgãos bombeiam alegorias e adereços celulares para dar vitalidade às infovias circulantes no corpo. No desfile molecular: muita ansiedade, sensibilidade e apreensão na harmonia e na evolução. São dias sem prisões, obediências e limites temporais. O tempo é de ir, não de chegar ou voltar. O tempo é de desfilar!
Ainda assim, nos blocos e na vida, compromissos e responsabilidades sociais enormes. Ambos estão represados em cada dendrito sináptico, causando forte pressão no hipotálamo. Nesse caso, a rainha da bateria, a glândula hipófise (ou pituitária) – ‘mestra’ do organismo desfilante –, desencadeia diferentes jogos emocionais em torno de grandes alegorias ligadas às necessidades básicas do samba-enredo da sobrevivência corporal, cujos destaques são a sede, a fome ou o sexo. Os pré-foliões estão sujeitos às variadas doenças psicossomáticas (respiratórias, gastrintestinais, de pele e circulatórias), ao aumento dos níveis hormonais, além de alterações da pressão arterial e ritmo cardíaco. Se não entrar e sair, de forma previsível, dos recuos psíquicos e da avenida encefálica, essa bateria de eventos atravessará sua harmonia e o corpo entrará em pane.
Todavia, no Carnaval o corpo se defende se liberando (ou se libertando), se expondo e se encontrando com o bailado complexo de seu mestre-sala e porta-bandeira: tálamo e amídala cerebral. No Carnaval, há despressurização das veias e desconexão (além da ascensão) de um braço da tríade freudiana: o inconsciente. Esse ‘braço’ ganha quase fisicidade, tanta é a recompensa que o cérebro processa nos dias de folia.
Em parceria, a respiração fertiliza os sentidos e reposiciona os desejos diante da comissão de frente mais tradicional possível: as intermináveis regras sociais. Há um surrealismo na remodelação do cérebro diante do momento carnavalesco porque não há ajustes prévios, mas elevados níveis de açúcar. Como rebate o presidente dessa escola cerebral, o cérebro reptiliano (primitivo) “é o sangue nas veias que falará mais alto”; logo, a plasticidade da massa encefálica se apresentará como sua moenda purificadora. Mas cuidado, o sangue também pode ser um grande elemento tóxico cujos julgadores (anticorpos) não deixarão de tentar atacar e eliminar.
Os hábitos, aturdidos, saem da concentração diária das repressões, negações e de diferentes formas de respeito, porque de repente têm tarefas múltiplas na rua, no bloco, no desfile, quanto ao prazer e à alegria de viver: pular, cantar, beijar, rir e amar em tempo integral. Culto ao corpo? Não! Culto à emoção revigorante de corpo e mente com novas composições mascaradas e multicelulares. E, de novo, mais recompensa para o cérebro que canta com a Portela (1995): “É carnaval, ôôô/o Rio abre as portas da folia/é tempo de cantar/mostrar ao mundo a nossa alegria...”.
Sem roteiros e sem mapas, o neocórtex e o hipocampo são ajustados às novas experiências e informações dirigidas às amídalas cerebrais e ligadas aos sentidos. Prazer nos poros! Anatomicamente não há mudanças, mas fisiologicamente o corpo treme, quase desfalecendo. Sinapses sempre tão silenciosas agora têm vibrações em todo o corpo. Nada de Apolo, hola para Dionísio, o deus das encrencas e dos prazeres irreverentes revividos apenas da quarta-feira de cinzas em diante ou no insistente refrão da Ilha (2015): “lá vem ela toda prosa, gostosa, fiu-fiu/a beleza está no seu interior, nos olhos de quem vê, no verdadeiro amor”.
Sem mais nem menos, o cérebro está em ginástica forte e estratégica porque o que se busca é o prazer, o alívio, a agradabilidade, a felicidade e a vida. Culto à descompensação! Uma ala de neurotransmissores liderada pela dopamina, serotonina e adrenalina dá o tom dessa forte plasticidade cerebral. Todas, em rede, dão complexidade às funções de órgãos como rins, fígado, coração e pâncreas. É um jorro de emoções/afetividades em toda parte das cidades-corpo. Cérebro repaginado! E nele um hipocampo completamente liberal e estimulante. E nele o reflexo de um sistema nervoso realmente nervoso... e feliz!
É o Carnaval! Os indivíduos se desmascaram da pele social e se realizam com as máscaras e as fantasias da nova vitalidade (sua realidade), o que aumenta as especializações dos hemisférios criando ligações indissociáveis no corpo caloso, na bainha de mielina e na memória: enfim a memória pode ser tocada e ajustada sem culpas. Os indivíduos aproveitam e aprimoram, como afirma Relvas, suas “ferramentas decisórias, na construção do conhecimento”, voltadas para realização de sinapses prazerosas que aliviem tensões e tesões no/do dia a dia, de maneira saudável e quase segura. Ave, Baco! No ambiente de momo, atingido está o núcleo acumbente, no córtex frontal, com uma carga de dopamina intensa. É o abre-alas das seduções reais e imaginárias. Resultado? Sambódromo infestado com a invasão surpreendente de hiperativos cheios de emoções conscientes e pulsões nem tanto.
Essa malhação cerebral e corporal estimula mais conexões nervosas com um tempero que condimente e sustente os próximos 360 dias do ano. O cérebro, a memória e os sentidos ganham química para lembrar e agir diante de informações e situações semelhantes que ocorrerão durante os dias do ano. A plasticidade cerebral aliada ao exercício físico (desfilar, acompanhar blocos, beijar na boca, amar, dirigir pela cidade etc.) mantém o hipocampo (região do cérebro responsável pelas memórias novas), altamente seduzido e eletrizado, e inaugura movimentos mais flexíveis e versáteis às funções dos hemisférios cerebrais (fala e linguagem) e das funções motoras e sensitivas. São movimentos mais abertos e dispostos a viver o show da vida e a ocupar todo o organismo, do esqueleto à pele. Mais do que 82 minutos de desfile, são quatro dias de intensa folia encefálica cujo sistema nervoso procura encarar todos os seus jurados de frente e com muito prazer.
É o Carnaval! O cérebro está instável, o que, diante da aprendizagem e do desenvolvimento do conhecimento, gera respostas mais instintivas e estonteantes. Respirações aceleradas e moléculas de oxigênio alterando batimentos cardíacos e as habilidades cerebrais. Junto aos instintos, a vontade de experimentar em quatro ou cinco dias, sem depurações, somente o tálamo, sede do sistema límbico, responsável pelas emoções que são distribuídas em jorros pelo corpo. Estas ganham cor nas amídalas cerebrais e atingem o cérebro, refletindo muita euforia, entusiasmo e/ou felicidade, apesar de tudo. Não é hora do córtex pré-frontal e seus raciocínios. Com uma fantasia ou uma máscara, a atenção/razão está distraída, dando vazão ao fluxo dos triglicerídeos, das baterias e do prazer mais livre.
Mas a composição cerebral tem uma carga genética prevenida e preventiva. Esta promove ajustes alertando para uma série de sensores moleculares que ficam se reorganizando a todo momento para que o encéfalo se mantenha em estado de aparente estabilidade. Antes da Unidos da Tijuca, este é o grande segredo humano! Em ação, quesitos como conjunto, evolução, alegorias e adereços genéticos. Antes da Portela, esta é a nossa redenção para a sobrevida! Por conseguinte, dentro do corpo, genes saltadores e salteadores, compondo e recompondo a dinâmica dos pensamentos, da memória e da pulsação coronariana.
Mesmo no Carnaval, cérebro e corpo não enlouquecem nem entram em curto-circuito psíquico. Mesmo no Carnaval, mais do que fantasias, imaginários e volúpias, está em cena o genoma cerebral e seu trabalho de suporte de um nível extraordinário de mutações somáticas. E diante disso não há preconceitos; então, como afirmou o Império Serrano (1996),
Senhor, despertai a consciência
É preciso ter igualdade
O ser humano tem que ter dignidade
Morte em vida, triste sina
Pra gente, chega de viver a severina
Junte um sorriso meu, um abraço teu
Vamos temperar
Uma porção de fé, sei que vai dar pé
Não vai desandar
Amasse o que é ruim, e a massa enfim
Vai se libertar
Sirva um prato cheio de amor
Pro Brasil se alimentar
Eu me embalei, pra te embalar
No balancê, balancear
Vem na folia (vem, vem, vem) (bis)
Chegou a hora de mudar
O meu Império vem cobrar democracia.
Especial: Carnaval
Publicado em 10 de março de 2015
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.