Apontamentos sobre um texto clássico da Educação
Jussara Pimenta
Doutora em Educação (UERJ), docente da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Não é suficiente a democratização do processo de tomada de decisões, é preciso democratizar o conhecimento, isto é, buscar uma adequação pedagógico-didática à clientela majoritária que hoje frequenta a escola pública.
José Carlos Libâneo
O livro Democratização da escola pública – a pedagogia crítico-social dos conteúdos é uma das obras mais conhecidas e utilizadas por docentes nos cursos de Pedagogia; é fruto das cogitações e reflexões do professor José Carlos Libâneo sobre a necessidade de elaborar uma análise crítica a respeito dos modelos educacionais que influenciaram e ainda influenciam não só a prática como também a formação dos profissionais da Educação brasileiros.
O professor Libâneo graduou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1966), onde também obteve o título de mestre em Filosofia da Educação (1984) e, posteriormente, o de doutor em Filosofia e História da Educação (1990). Em 2005 realizou seu pós-doutorado na Universidade de Valladolid, na Espanha. Aposentou-se da Universidade Federal de Goiás (UFG) como professor titular e atualmente é professor titular da Universidade Católica de Goiás, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de pesquisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos, onde coordena o grupo de pesquisa Teorias e Processos Educacionais. Lecionou disciplinas pedagógicas em instituições de ensino superior e colaborou em projetos da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Publicou: Aceleração escolar - estudos sobre educação de adolescentes e adultos; Democratização da escola pública - a pedagogia crítico-social dos conteúdos; Adeus, professor, adeus, professora? – novas exigências educacionais; Profissão docente e Pedagogia e pedagogos, para quê?, além de artigos em revistas especializadas sobre temas de Teoria da Educação, Didática e Organização Escolar.
Democratização da escola pública – a pedagogia crítico-social dos conteúdos é composto de estudos escritos em diferentes ocasiões e com diversas finalidades, inclusive artigos e textos de palestras. Segundo o autor, em alguns momentos houve repetição de ideias, mas que foram mantidas a fim de resguardar o nexo das unidades e por serem apenas desdobramentos de ideias-chave.
“Tendências pedagógicas na prática escolar” é o primeiro texto do livro; foi publicado inicialmente em 1983 na Revista da Ande (n. 6, p. 11-19), versão em que o autor utilizava ainda a expressão "pedagogia dos conteúdos culturais", com base em uma interpretação dos escritos de George Snyders. A versão do livro, publicado dois anos depois, traz a denominação definitiva "pedagogia crítico-social dos conteúdos", como é largamente conhecida nos meios acadêmicos. Entretanto, essas reflexões não se resumem apenas à procura do entendimento das influências dessa fundamentação teórico-filosófica na educação: o autor se propôs a buscar opções pedagógicas suficientes à educação das crianças das classes populares, contribuindo para a valorização da escola pública e para a democratização do conhecimento. Esse trabalho constituiu-se, assim, numa primeira tentativa de sistematização dessas ideias e dos estudos que o autor realizava sobre as tendências pedagógicas. Nesse texto, o autor faz levantamento das tendências pedagógicas que norteiam a prática pedagógica dos educadores brasileiros e uma breve descrição dos pressupostos teóricos e metodológicos de cada uma delas e adverte:
É necessário esclarecer que as tendências não aparecem em sua forma pura, nem sempre são mutuamente exclusivas nem conseguem captar toda a riqueza da prática escolar. São, aliás, as limitações de qualquer tentativa de classificação. De qualquer modo, a classificação e descrição das tendências poderão funcionar como instrumento de análise para o professor avaliar sua prática de sala de aula (p. 4).
Segundo a posição que adotam em relação aos condicionantes sociopolíticos da escola, o autor classifica as tendências pedagógicas em liberais e progressistas. Na educação liberal é defendida a liberdade de ensino, de pensamento e de pesquisa, entre outras. Fazem parte dessa tendência as pedagogias Tradicional, Renovada progressivista, Renovada não-diretiva e Tecnicista. Essas pedagogias possuem em comum uma filosofia do consenso, ou seja, não reconhecem o conflito de classes existente na sociedade e restringem o papel da escola ao estritamente pedagógico.
A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinquenta anos, tem sido marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendências se manifestam concretamente nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se deem conta dessa influência.
Nas pedagogias de tendência progressista há preocupação em buscar, via escola, a formação de indivíduos críticos e participantes da transformação social, apesar de as várias correntes – Libertadora e Crítico-social dos conteúdos – defenderem diferentes papéis para a escola, para os métodos e para o professor, ora polarizando uns, ora negligenciando ou confrontando outros.
O termo "progressista", emprestado de Snyders, é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação. Evidentemente a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais.
Em seguida, o autor apresenta as características básicas de cada tendência a partir das categorias por ele analisadas: papel da escola, conteúdo de ensino, métodos, relacionamento professor-aluno, pressupostos de aprendizagem e manifestação na prática escolar. Há uma apresentação das características da tendência Crítico-social dos conteúdos, com base nas categorias já mencionadas. Vale ressaltar alguns pontos, como sua função, que, segundo o autor, "é dar um passo à frente no papel transformador da escola (...) a partir das condições existentes"; o papel dos conteúdos, que não basta "apenas serem ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social"; a questão dos métodos, que "não partem (...) de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber trazido de fora".
As últimas reflexões do autor giram em torno de algumas críticas e objeções feitas à Pedagogia crítico-social dos conteúdos, pois esta levaria "a posturas antidemocráticas, ao autoritarismo, à centralização no papel do professor e à submissão do aluno". Ele responde a isso como sendo a falta de alguns critérios, como direção, autoridade (e não autoritarismo), o ensino centrado/polarizado, ora no aluno, ora no professor e ora nos métodos, todo o excesso de espontaneísmo que tem marcado nossas práticas escolares. Práticas estas que, no entanto, não ofereceram e não são suficientes para "promover a efetiva libertação do homem da sua condição de dominação"; esta somente se dará por meio de práticas mais consistentes e conteúdos significativos que ajudem o aluno "a ultrapassar suas necessidades e criar outras para ganhar autonomia, para ajudá-lo no esforço de distinguir a verdade do erro, para ajudá-lo a compreender as realidades sociais e sua própria existência".
No seu Memorial (1991), o professor Libâneo tece algumas considerações a respeito desse artigo, que apresenta, segundo ele, algumas lacunas. Salienta que algumas tendências foram submetidas a um grau excessivo de generalização, além de "aparecerem numa forma muito estática, não permitindo ao leitor apreender seu desenvolvimento histórico e sua inter-relação".
Apesar dessas considerações, claro está que não só o texto em questão, mas todo o conjunto constante desse livro, foram representativos nos estudos acadêmicos e influenciaram a prática de gerações de educadores, fornecendo uma visão mais nítida a respeito das implicações pedagógicas, possibilitando "a superação dos rótulos, do senso comum, das mistificações".
Depois de passados 32 anos de sua concepção, podemos asseverar que essas são reflexões atuais e pertinentes e contribuem para elucidar questões que surgem no dia a dia de estudantes, pesquisadores e, principalmente, dos professores das diferentes modalidades de ensino, que podem usufruir da clareza de uma linguagem, simples, concisa e instigante.
Referência
LIBÂNEO, José Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. In: ______. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1992.
Publicado em 24 de março de 2015
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