Breve estudo sobre Lev Vygotsky e o sociointeracionismo

Priscila Romero

Pedagoga, orientadora educacional e especialista em Educação Especial e Inclusiva

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Vygotsky entende o homem e seu desenvolvimento numa perspectiva sociocultural, ou seja, percebe que o homem se constitui na interação com o meio em que está inserido (RESENDE, 2009). Por isso, sua teoria ganhou o nome de socioconstrutivismo, sendo também denominada sociointeracionismo.

É importante afirmar que essa interação entre homem e meio é considerada uma relação dialética, já que o indivíduo não só internaliza as formas culturais como também intervém e as transforma (RESENDE, 2009). Sua obra tem como temas centrais o desenvolvimento humano e a aprendizagem – dois processos indissociáveis que se constituem reciprocamente (RESENDE, 2009).

Linguagem e pensamento

Vygotsky afirma que o desenvolvimento da linguagem implica o desenvolvimento do pensamento, pois pelas palavras o pensamento ganha existência (MIRANDA; SENRA, 2012). “A linguagem age decisivamente na estrutura do pensamento e é ferramenta básica para a construção de conhecimentos”. Intervém no desenvolvimento intelectual da criança desde seu nascimento (STADLER et al). “A linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento” (FOSSILE, 2010).

Percebemos, portanto, que dar voz às crianças é de fundamental importância para que elas exercitem o pensamento. Nós, educadores, não devemos cerceá-las. Devemos ouvi-las e agir como mediadores, auxiliando também em sua construção intelectual.

Vygotsky afirma que a linguagem possui duas funções básicas: intercâmbio social e pensamento generalizante. A função de intercâmbio social é bem visível nos bebês, uma vez que conseguem, por meio de gestos, expressões e sons, demonstrar seus sentimentos, desejos e necessidades. A função de pensamento generalizante pode ser exemplificada quando falamos, por exemplo, a palavra boi. Independentemente de ter visto de perto algum boi ou de comer ou não sua carne, nosso pensamento classifica tal palavra na categoria animais e nos remete à sua imagem.

Dentre as manifestações da linguagem encontramos também a fala privada – é a fala consigo mesmo. Vygotsky a considera uma ligação entre linguagem e pensamento, já que, conforme a fala privada se desenvolve, a criança torna-se capaz de orientar e dominar ações (MIRANDA; SENRA, 2012).

Estes são os pilares básicos do pensamento de Vygotsky:

  1. “As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral”. O cérebro é um sistema aberto, pois é mutável. Suas estruturas são moldadas ao longo da história do homem e de seu desenvolvimento individual;
  2. O funcionamento psicológico tem com base as relações sociais, dentro de um contexto histórico;
  3.  A cultura é parte essencial do processo de construção da natureza humana;
  4. A relação homem-mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos. Entre o homem e o mundo existem elementos mediadores – ferramentas auxiliares da atividade humana (STADLER et al).

Para Vygotsky, as funções psicológicas superiores (ações e pensamentos inteligentes que só encontramos no homem, como pensar, refletir, organizar, categorizar, generalizar...) são construídas ao longo da história social do homem (STADLER et al).

Mediação

O contato que o indivíduo tem com o meio e com seus iguais é mediado por um conhecimento e/ou experiência assimilado anteriormente, uma vez que o indivíduo não tem contato direto com os objetos, e sim mediado. Por isso, ele tem a sua teoria como socioconstrutivista, pois percebe que interação é mediada por várias relações, diferentemente do construtivismo, em que o sujeito age diretamente com o objeto (MAGALHÃES, 2007).

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A mediação, conceito central de sua obra, é a intervenção de um elemento intermediário em uma relação. Para Vygotsky, existem dois elementos mediadores: os instrumentos e os signos. Ambos oferecem suporte para a ação do homem no mundo (STADLER et al). Instrumento é todo objeto (externo) criado pelo homem com a intenção de facilitar seu trabalho e sua sobrevivência, enquanto os signos são instrumentos psicológicos (internos), que auxiliam o homem diretamente nos processos internos. Quando o homem cria uma lista para ir ao mercado, está criando signos, ou seja, instrumentos psicológicos que o auxiliarão, mais tarde, na realização da ação (compras no mercado) (STADLER et al).

As representações da realidade e a linguagem são sistemas simbólicos que fazem a mediação do homem com o mundo. É o próprio grupo cultural quem fornece as representações e o sistema simbólico, pois, ao interagir com o outro, o indivíduo vai interiorizando as formas culturalmente construídas, as mesmas que possibilitam as relações sociais (STADLER et al).

Zonas de desenvolvimento

Vygotsky, em sua teoria socioconstrutivista, afirma que sempre que há um tipo de troca (relação) existe aprendizagem. O homem não é um ser passivo, visto que é um ser que, ao criar cultura, cria a si mesmo (STADLER et al).

Como afirmar, então, que uma criança só adquire conhecimento quando passa a frequentar a escola? O pensamento de Vygotsky é contrário: fora da escola, a criança desenvolve seu potencial, sim, com todas as trocas estabelecidas, também quanto ao desenvolvimento da língua escrita. Porém Vygotsky não diminui a importância do ambiente escolar, pois quando a criança se familiariza com o mundo escolar ocorre algo fundamentalmente novo em seu desenvolvimento: a criança sai da sua zona de desenvolvimento real e passa, com auxílio do professor ou outro mediador, para a zona de desenvolvimento potencial – caracterizando a zona de desenvolvimento proximal (MAGALHÃES, 2007).

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A zona de desenvolvimento real refere-se à etapa em que a criança soluciona os problemas de forma independente, sem ajuda; a zona de desenvolvimento potencial refere-se à etapa em que a criança está pronta para compreensão de problemas mais complexos, mas ainda necessitando da ajuda de um mediador (STADLER et al).

A zona de desenvolvimento proximal é uma metáfora criada para explicar como ocorre a aprendizagem. É a distância entre o nível real e nível potencial da criança (MAGALHÃES, 2007).

Escrita

A escrita é um produto cultural, construído historicamente, que vai além do domínio da grafia. “É um sistema de representação simbólica da realidade, a qual medeia a relação dos homens com o mundo” (RESENDE, 2009).

Luria, pesquisador e colega de Vygotsky, afirma que a criança antes de adquirir a idade escolar já é capaz de assimilar técnicas que preparam o caminho para a sistematização da escrita e que a memória é a precursora da escrita. Enquanto isso, Vygotsky critica a forma como as escolas realizam o processo da escrita, uma vez que utilizam um ato puramente mecânico, exigindo que as crianças desenhem as letras e construam palavras sem ensinar a linguagem escrita (RESENDE, 2009). Sendo assim, ignoram-se os aspectos psíquicos da criança. “Aprender a escrever é construir nova inserção cultural, é aprender uma forma de interagir com o meio no qual está inserido” (RESENDE, 2009).

Além disso, Vygotsky afirma que, para escrever, as crianças devem entender a linguagem falada; sua incursão na escrita ocorrerá quando elas perceberem que podem também desenhar o que se fala (RESENDE, 2009).

Ambiente e educador

O ambiente de ensino deve ser estimulador e favorável. O educador deve ser paciente e afetuoso com o aprendiz, além de buscar conhecer seus alunos, o meio em que vivem, as relações que estabelecem nesse meio e compreender o que seus pupilos já sabem, já adquiriram. É de extrema importância que o educador alfabetize letrando, ou seja, “ensinando a ler e a escrever no contexto das práticas sociais”. Dessa forma, a aprendizagem poderá ser significativa e satisfatória, completando o ciclo de desenvolvimento do aluno (RESENDE, 2009).

Vygotsky é contra uma “pedagogia diretiva e autoritária”, pois para ele a intervenção no desenvolvimento da criança tem maior preocupação com o meio cultural e as relações entre os indivíduos. Vygotsky, em sua teoria socioconstrutivista, é a favor da reelaboração e reconstrução do conhecimento (RESENDE, 2009).

Dessa forma percebemos o valor da Educação e da escola como um todo.

Referências

FOSSILE, Dieysa K. Construtivismo versus sociointeracionismo: uma introdução às teorias cognitivas. Revista Alpha, Patos de Minas, UNIPAM. 2010. Disponível em: http://alpha.unipam.edu.br/documents/18125/23730/construtivismo_versus_socio_interacionsimo.pdf.

MAGALHÃES, Mônica M. G. A perspectiva da Linguística: linguagem, língua e fala. Rio de Janeiro, 2007.

MIRANDA, Josete Barbosa; SENRA, Luciana Xavier. Aquisição e desenvolvimento da linguagem: contribuições de Piaget, Vygotsky e Maturana. 2012.

RESENDE, Muriel L. M. Vygotsky: um olhar sociointeracionista do desenvolvimento da língua escrita. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=1195. Publicado em: 25/11/2009.

SMOLKA, Ana Luiza B. Concepção de linguagem como instrumento: um questionamento sobre práticas discursivas e educação formal. 1995. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X1995000200003.

STADLER, Gesane; ROMANOWSKI, Joana P.; LAZARIN, Luciane; ENS, Romilda T.; VASCONCELLOS, Sílvia. Proposta pedagógica interacionista.  Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2004/anaisEvento/Documentos/CI/TC-CI0087.pdf.

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Publicado em 28 de abril de 2015

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