Liberdade para as mãos
Mariana Cruz
Resolvi que não entra mais em casa, pelo menos por ora, o tablet que minha filha ganhou do avô. Nas vezes que ela trouxe para brincar, ficar dois, três dias, ela se fundiu com aquele aparelho que mais parecia um irmão siamês. E eu ainda fiquei com a fama de mãe chata, mandando-a de dez em dez minutos largar o troço para almoçar, escovar os dentes, fazer os deveres, ler um livro, desenhar, enfim, ver que existe vida ao redor.
Cansada de vê-la fazer ouvidos moucos, resolvi dar um basta e confisquei o hipnotizante objeto. Uma vez devolvido o tablet para a casa do avô, a paz voltou a reinar em nosso lar doce lar. Ela ficou de bem com as bonecas, voltou a desenhar, ler... Claro que, vez ou outra pega, joga no celular e no laptop, mas com a justa parcimônia.
No verão passado viajei uns dias para a praia com uma amiga e seu filho de 8 anos. O garoto mora em Minas e é apaixonado pelo mar, então aproveitou todos os momentos da viagem como se não houvesse amanhã. A mãe, impressionada, confessou que só mesmo o mar para fazê-lo ficar três dias sem jogar o tal do Minecraft, um joguinho eletrônico que é uma verdadeira febre entre os meninos. Caso parecido aconteceu dia desses quando, ao adentrar o belo jardim da casa de um amigo e deparar-me com seus dois cachorros brincalhões, fiz a suposição quase peremptória de que o filho dele devia amar brincar naquele lugar. Ele, com cara de conformado, disse que o menino chega em casa e vai direto para o computador para jogar o game citado e nem pisa do lado de fora.
Tais exemplos apenas servem para endossar o que tenho escutado com cada vez mais frequência dos pais sobre as dificuldades em fazer os pequenos desgrudarem dos joguinhos eletrônicos. Muitos responsáveis têm, inclusive, condicionado o uso deles ao cumprimento de tarefas: só deixam os filhos jogarem se comerem salada, se tirarem boas notas, se guardarem os sapatos etc.
Mas, pensando bem, quem somos nós para servir de exemplo? É cada vez mais comum ver adultos grudados nos celulares, tirando selfies, conectados às redes sociais, falando com centenas de pessoas nos grupos do WhatsApp, tentado encontrar a alma gêmea no Tinder ou até mesmo falando com alguém. Estamos, assim como as crianças, dependentes de nossos aparelhos, que acionamos por qualquer razão: para enviar posts e vídeos engraçadinhos, fazer comentários irrelevantes (ou mesmo relevantes) sobre qualquer coisa, enviar fotos para os amigos próximos (e conhecidos distantes) e fotografar a comida que acabou de chegar à mesa.
Muitas dessas coisas poderiam se esgotar com duas horas semanais no balcão de um boteco, olho no olho, com os amigos. Mas, ao que parece, perdemos o controle e tais trivialidades tornaram-se onipresentes em nossas vidas, full time. Se antes apontava-se a compulsão das crianças por joguinhos eletrônicos como uma fase, algo passageiro, agora parece não ser mais assim, já que os mais grandinhos também têm apresentado comportamento dependente em relação a tais aparelhinhos. Só muda o conteúdo. Para os pequenos, games; para os grandes, redes sociais. Assim, antes de repreender as crianças sobre o uso que fazem dos aparelhos eletrônicos, façamos uma autoanálise; é provável que reconheçamos não estarmos muito distante deles.
Talvez valha a pena deixarmos um pouco de lado tais aparelhinhos algumas horas por dia. Assim, teremos as mãos livres para entrelaçá-las com a dos nossos pequenos e sair por aí.
Publicado em 28 de abril de 2015
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.