A criança, a política e a cultura

Lúcio Alves de Barros 

Doutor em Ciências Humanas e professor da Faculdade de Educação (UEMG)

Tenho percebido que, neste início de governos estaduais, nenhum governante declarou ou defendeu os direitos ou as políticas públicas voltadas às crianças. A questão é preocupante: cuidar dos pequenos é obrigação, dado que as políticas direcionadas à adolescência e à juventude andam como pés de tartaruga ou inexistem, tal como fantasmas em Natal. O fato é que as crianças ainda sofrem, e não é por pouco neste país, de representações coletivas que vão além da ignorância e da falta de políticas públicas razoáveis. Vamos a algumas.

Em primeiro lugar, já passou da hora de o tema “infância” se tornar política de governo. Não é dizer demais que elas merecem um ministério, uma instituição voltada aos seus interesses políticos e vultosos recursos, dado que a infância é parte do que se entende por políticas com demandas infinitas, ou seja, nunca terminam, por sua própria natureza. Esse descaso com a infância, ou seja, com aqueles que têm menos possibilidades de disputar os recursos (sociais, políticos, econômicos e simbólicos) disponíveis na sociedade, é norma. No Brasil, não é preciso escrever muito sobre essa demanda necessária. Os políticos são inúteis; sabem muito bem que as crianças não votam e que a questão não passa muito pelas demandas coletivas, porque a ideia é que “cada um cuide de sua cria”. Vale frisar que esse pensamento não deixa de ser um bom fundamento de descrença em autoridades que sequer deram conta da crise hídrica.

Em segundo lugar, é preciso entender que criança não é um adulto em miniatura. Não merece a visão adultocêntrica que reveste suas relações. Não cumpre à criança vegetar no mundo infernal do trabalho. O ser em nascimento pela vida deve brincar e estudar. Merece, por obviedade, respeito, paz, carinho, cuidado e atenção. Nosso descaso com o dia a dia dos pequenos transformou-se em banalização, e a infância foi desencantada. Dificilmente não vemos adultos maltratando, espancando, utilizando e violentando crianças. Os meios de comunicação pipocam notícias diárias sobre casos de deixar cabelo em pé. O arcabouço jurídico em voga é uma mentira sem fim e dele ainda fazem parte processos de punição e crueldade sem fim.

Por último, o leitor pode afirmar que tudo isso não passa de “obrigação dos pais”. Argumento falacioso e reduzido à miopia daqueles que desconhecem o que anda acontecendo no mundo. Sabemos que os países desenvolvidos – notadamente Japão, França ou Portugal – estão carentes de infância. Por lá parece que resolveram deixá-la de lado, não merecendo sequer vir ao mundo. São sociedades de solteiros ou de casados sem filhos. Um problema sério para uma sociedade: a criança, além de ser um sujeito produtor e reprodutor de cultura, é um precioso meio de socialização de atores que outrora pareciam em descontrole, esquecidos e divididos.

A criança é um sentido para a vida.  Dito de outra forma: crianças são produtoras de relações sociais, relações de esperança, temperança, perseverança e fé. É bem verdade que muitos ignoram, mas não é mais possível esquecer a cultura infantil que remexe nervos e emoções dos adultos e que grita aos quatro cantos do mundo a necessidade de sua existência e reconhecimento.

Publicado em 12 de maio de 2015

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