Sexualidade infantil: uma releitura no cotidiano escolar

Neuza Cristina Gava

Licenciada em Educação para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e pedagoga (ISE La Salle), especialista em Psicomotricidade Educação e Clínica (IBMR), licenciada em Medicina Veterinária (UFRRJ)

Marcelo Bittencourt Jardim

Membro do Comitê Científico Internacional da Revista Odep, da Ulagos (Chile) e do Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação (Censupeg)

Introdução

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica e de campo sobre o comportamento dos alunos e professores de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental. A necessidade de discutir a educação sexual conquistou espaço oficial no banco das escolas brasileiras como um dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, com o nome “Orientação Sexual”. Esse era o primeiro e principal tabu a ser derrubado. Era preciso acabar com o preconceito de que “sobre sexo não se fala”, e para que esta matéria deixasse definitivamente o silêncio e começasse a ser discutida nas salas de aula era preciso esse aval oficial.

A sexualidade é um tema que constrange muito, e mesmo os pais que procuram ser esclarecidos e bem informados sobre o assunto são surpreendidos com as manifestações de seus filhos, ficando sem saber como orientar, agir, o que permitir e o que punir; frente às dificuldades, há os que simplesmente fingem ignorar a sexualidade de seus filhos. Os aspectos referentes a essa pesquisa são: as manifestações sexuais, a importância dos pais e professores nessa fase e a aquisição das identidades sexual e de gênero.

Sexualidade é a necessidade de receber e expressar afeto e contato que todas as pessoas têm e que nos traz sensações prazerosas. Assim, sexualidade não é apenas sexo; é todo e qualquer movimento ou expressão que transmita prazer entre pessoas, e que temos desde antes de nascer e durante toda a vida. De acordo com o nosso crescimento, vamos descobrindo também o prazer provocado pelo contato sexual, pelo estímulo próprio ou com outras pessoas. Essa forma de exprimir a sexualidade vai se juntar às outras maneiras de contato que já vínhamos vivendo, gerando a sexualidade adulta. As primeiras perguntas que surgem no contexto da curiosidade sexual são "Como eu nasci?", "Como nascem os bebês?".

É interessante que os pais iniciem a explicação a partir do conhecimento que a criança já traz, procurando completar ou corrigir as informações. Não se deve reprimir o interesse com comentários do tipo: “Isto não é assunto de criança!”. O mais correto é esclarecer e atender à curiosidade, evitando com isso a aquisição de informações muitas vezes errôneas e distorcidas vindas de fontes nem sempre confiáveis. Grande parte dos pais fica horrorizada ao flagrarem seus filhos tocando os órgãos genitais ou manipulando suas próprias fezes e acaba recorrendo a punições e repressões severas. Tais atitudes são prejudiciais e podem acarretar situações de conflito sexual posteriormente, como nos é mostrado ao estudarmos os estágios psicossexuais de Freud.

O ideal é que os pais compreendam que já é de se esperar tais manifestações sexuais em algumas etapas do desenvolvimento e que elas fazem parte do interesse da criança em descobrir o mundo e seu próprio corpo. A punição e a repressão severas são prejudiciais e devem ser substituídas por conversas francas ou por atitudes que busquem desviar a atenção da criança para outros estímulos e atividades, de forma não venha comprometer o desenvolvimento e a criatividade infantil. As punições são prejudiciais e podem acarretar situações de conflito sexual posteriormente, como é mostrado ao estudar os estágios psicossexuais de Freud e Erikson.

A personalidade nasce, vive e morre com a pessoa; não pode ser considerada uma simples soma de funções vitais, mas uma integração cuja resposta final se expressa pelo comportamento frente a estímulos de variada natureza. A personalidade existe em função de um meio e procura adaptar-se a ele e, como pertence a um ser vivo, sofre processo de desenvolvimento. Por isso, cada indivíduo tem sua história pessoal, e esta com certeza é a unidade básica a ser levada em consideração no estudo da personalidade. Na verdade, os tabus são uma proibição convencional imposta por tradição ou costume a certos atos, modo de vestir, temas, palavras e o preconceito nada mais são que conceitos ou opiniões formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimentos dos fatos. São julgamentos ou opiniões formadas sem levar em conta fatos que os contestem, muitas vezes, ligados a credos e religiões.

As escolas deveriam estar mais preparadas para a inclusão de disciplinas que viessem discutir de forma mais evidente e esclarecedora assuntos que ainda hoje são tabus, como a sexualidade. Essa matéria de fundamental importância deve fazer parte do currículo obrigatório das escolas desde cedo.

Assim sendo,

- Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades;
- Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos;
- Deve-se atribuir a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluir todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais. (...)
O princípio que orienta esta Estrutura é o de que escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras.
A Educação Especial incorpora os mais que comprovados princípios de uma forte pedagogia da qual todas as crianças possam se beneficiar. Ela assume que as diferenças humanas são normais e que, em consonância com a aprendizagem de ser adaptada às necessidades da criança, ao invés de se adaptar a criança às assunções preconcebidas a respeito do ritmo e da natureza do processo de aprendizagem. Uma pedagogia centrada na criança é beneficial a todos os estudantes e, consequentemente, à sociedade como um todo (Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial).

Podemos concluir, assim, que é muito importante que se perceba que a sexualidade não é a mesma nas diferentes fases do desenvolvimento humano e que as crianças são seres sexuados, que possuem interesses sexuais e exprimem em comportamento a própria sexualidade, que assume características próprias a cada período da vida.

Na sexualidade infantil, os acontecimentos ocorrem em determinadas fases que deixaram marcas nos períodos posteriores, por isso é de grande importância o conhecimento desse desenvolvimento para a educação das crianças pelos pais e professores.

Sexualidade e escola: iniciando a conversa

O “EU” se forma e se fortalece na infância e na adolescência. Seria inconcebível ocupar alguém com o “processo da individualização” sem considerar devidamente a fase inicial do desenvolvimento (Jung, 1986).

O tema sexualidade infantil – tabus e preconceitos – sempre me fascinou, uma vez que sempre senti na pele os preconceitos por ser uma pessoa com um espírito de liberdade muito grande. Quando criança, achava que brincadeira era brincadeira, independente de ser para menino ou menina, e sempre acabava ouvindo a célebre frase “isto não é para menina” ou “esses não são modos de uma menina se comportar”, colocando, muitas vezes, questões não respondidas na minha cabeça, que por mais que eu possa tentar me convencer de que foram esquecidas por mim, deixaram profundos rastros em minha vida e se tornaram determinantes para todo o meu desenvolvimento posterior.
Freire (2003, p. 8) esclarece que:

Ensinar e aprender estão sempre lado a lado, de tal maneira que quem ensina aprende, porque reconhece um conhecimento antes aprendido, e porque observando a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para aprender, o professor se ajuda a descobrir incertezas, acertos e equívocos.

Por esse motivo, questiono o porquê de as escolas não orientarem seus alunos, desde cedo, em uma disciplina direcionada à “orientação sexual”, tratando tabus e preconceitos existentes em nossa sociedade, que, muitas vezes, além de criar erotização precoce, causam problemas sérios a nossas crianças no decorrer de seu desenvolvimento.

A necessidade de discutir a educação sexual atingiu educadores e a mídia. A partir daí, conquistou um espaço oficial no banco das escolas brasileiras como um dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, com o nome de “Orientação Sexual”. De fato já não era sem tempo, este era o primeiro e principal tabu a ser derrubado, e era preciso acabar com esse preconceito de que “sobre sexo não se fala”, para que essa matéria deixasse definitivamente o silêncio e começasse a ser falada e discutida agora também na escola com o aval oficial.

A sexualidade é um tema que constrange muito, e mesmo os pais que procuram ser esclarecidos e bem informados sobre o assunto são surpreendidos com as manifestações de seus filhos, ficando sem saber como orientar, agir, o que permitir e o que punir; frente às dificuldades, há os que simplesmente fingem ignorar a sexualidade de seus filhos.
Por esse motivo, acho de grande importância que as escolas orientem seus alunos desde cedo, com uma disciplina direcionada para isso e com profissionais especializados quanto aos tabus e preconceitos existentes em nossa sociedade, que frequentemente criam danos, algumas vezes irreversíveis, a nossas crianças no decorrer de seus desenvolvimentos.

O objetivo principal é contribuir para que os alunos possam, desde cedo, desenvolver e exercer sua sexualidade sem traumas, com prazer e responsabilidade.
Esse exercício está associado ao da cidadania, na medida em que se propõe a trabalhar o respeito por si e pelo outro e busca garantir direitos básicos a todos, como à informação e ao conhecimento, que são fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades; para que eles possam compreender a busca de prazer como dimensão saudável da sexualidade humana e possam conhecer o próprio corpo, valorizar e cuidar de sua saúde como uma condição necessária; para que cresçam reconhecendo como determinações culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra a discriminação associadas a elas; para que possam também de forma consciente diferenciar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e desejos dos outros e possam entender que
o consentimento mútuo é necessário para usufruir com prazer uma relação a dois.

As crianças e adolescentes estão descobrindo a sexualidade e os limites do próprio corpo cada vez mais cedo; por esse motivo, a pesquisa foi feita com observações no Ciep Governador Jorge Roberto Silveira, com crianças do Ensino Fundamental, em que se pode fazer uma avaliação quanto ao que pensam nossas crianças quanto às diferenças e direitos entre meninos e meninas.

A abordagem inicial com as crianças foi feita com o filme O menino do vestido cor de rosa, em que um menino acorda um dia transformado em menina. Usando um vestido rosa, vai à escola, onde vive uma situação confusa e inusitada que revela questões de gênero na fase da vida em que aflora a sexualidade, dando assim chance de observar o comportamento dos estudantes em relação ao assunto abordado pelo filme e em seguida promover um debate.

Essa pesquisa foi feita também por meio de entrevistas com diretores, coordenadores, professores regentes, professores especialistas, equipe médica e com investigação na biblioteca da escola. Foi observado ainda como é o silêncio ou o discurso sobre esse tema no currículo escolar, quem discute, quando, como e que tipo de material é utilizado ou produzido. Como o tema entra nas escolas? Via alunos, pais, professores, literatura ou pela comunidade?

Foi observado também o comportamento dos alunos no ambiente escolar, levando em conta os desenhos, pichações, falas e gestos deles, para que se possa saber se ocorre preconceito entre eles, qual o circuito desse preconceito e como ele é abordado.

Respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade, desde que seja garantida a dignidade do ser humano;
Reconhecer como determinações culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra discriminações a eles associadas;
Reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir o prazer numa relação a dois;
Desenvolver consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade (PCN, volume 10).

Podemos observar que o comportamento sexual hoje é diferente do passado; segundo vários autores, a transformação dos padrões de relacionamento sexual ocorrerá se essa educação for uma prática de autonomia entendida como desenvolvimento de atitudes e valores próprios e da consciência de que cada um pode e deve fazer escolhas pessoais e responder por elas.

As escolas devem estar mais preparadas para a inclusão de disciplinas que venham a discutir de forma mais evidente e esclarecedora assuntos que ainda hoje são tabus, como a sexualidade. Devem ainda informar e discutir os diferentes conceitos a respeito dos tabus, preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade, sempre procurando manter isenção, senão total, com o maior distanciamento pessoal por parte dos professores.

Essa matéria de fundamental importância deve fazer parte do currículo obrigatório das escolas desde cedo.

Sexualidade: aspectos conceituais

Parece que, por muito tempo, teríamos suportado um regime vitoriano e a ele nos sujeitaríamos ainda hoje. A pudicícia imperial no brasão de nossa sexualidade contida, muda, hipócrita (Foucault).

Genitalidade é a qualidade ou a propriedade, geneticamente determinada, que cada indivíduo possui em relação à capacidade, potencial ou efetiva, de geração, determinando também uma série de características anatomofisiológicas específicas. Assim, na espécie humana, cada indivíduo tem, naturalmente, uma genitalidade específica masculina ou feminina.

A genitalidade é a parte central da sexualidade. A sexualidade é o total. A genitalidade é a figura que se destaca do fundo. Embora a sexualidade se expresse de muitas maneiras, é através da genitalidade que ela se expressa de forma mais evidente (D´Alessandro, 2005).

Podemos observar que o comportamento sexual hoje é diferente do do passado; segundo vários autores estudados, a transformação dos padrões de relacionamento sexual ocorrerá se essa educação for uma prática de autonomia entendida como desenvolvimento de atitudes e valores próprios e da consciência de que cada um pode e deve fazer escolhas pessoais e responderem por elas.

Curiosidade e a descoberta da sexualidade

Um número significativo de pais pede orientação sobre como agir com seus filhos quando se percebem diante das primeiras manifestações sexuais ou quando são pegos de surpresa com questionamentos sobre sexualidade. Muitos ficam sem saber como agir diante daquelas “célebres” perguntas sobre sexo.

Podemos pensar que esse desconforto dos pais ocorre na maioria das vezes porque eles próprios possuem inúmeras dificuldades para se expressar quando o assunto é sexualidade, o que pode ser compreendido pelo fato de terem apreendido valores e regras morais e sociais que, muitas vezes, refletem tabus e preconceitos frente ao sexo.
Além disso, muitos também não tiveram oportunidade de terem esclarecido adequadamente suas dúvidas sobre sexualidade na fase de desenvolvimento, portanto não sabem o que responder e qual a melhor informação a ser dada. Porém, nunca é tarde para procurar informação e conhecimento.

Para respeitar a idade e a capacidade de compreensão da criança, o ideal é que, numa linguagem simples, objetiva e clara, os pais falem exatamente o que acontece e como acontece, procurando responder somente àquilo que a criança perguntou e não antecipando informações desnecessárias no momento.

A repressão e a punição podem trazer um “afastamento” da criança de seus órgãos genitais, por achar que tais idéias são “sujas, nojentas, feias e proibidas”, e essas crenças podem durar por toda vida e, influenciar e até comprometer a qualidade de vida sexual futura.

Etapas da sexualidade

Como já dizia Freud, “Personalidade é um tema complexo”, e conceituá-la de modo compreensível é uma tarefa muito difícil inclusive para estudiosos do assunto; portanto, devemos considerar que não existem duas pessoas idênticas, embora muitas possam ter traços comuns.

Baseado nessa complexidade que é estudar o desenvolvimento da personalidade, surgiram diferentes teorias, das quais vamos citar Freud e Erikson.

Os cinco estágios psicossexuais de Freud

Estágio Idade Zona erógena Tarefa desenvolvimental maior (fonte potencial de conflito) Algumas características adultas das crianças que ficaram “fixadas” neste estágio
Oral 0 a 1 Boca, lábios e língua Amamentação Comportamento oral, como fumar e comer demais; passividade e credulidade.
Anal 2 a 3 Ânus Treinamento esfincteriano Organização, parcimônia, obstinação, ou o oposto (extrema desorganização, por exemplo).
Fálica 4 a 5 Genitais Complexo de Édipo; identificação com o progenitor do mesmo sexo Vaidade, despreocupação e o oposto.
Latência 6 a 12 Nenhuma área específica; energia sexual adormecida Desenvolvimento dos mecanismos de defesa do ego Normalmente não ocorre fixação neste estágio.
Genital 13 a 18 e idade adulta  Genitais Intimidade sexual madura Os adultos que conseguiram integrar satisfatoriamente os estágios anteriores saem deste estágio com um interesse mais sincero pelos outros, satisfações realísticas, sexualidade madura.

Fonte: BEE, Helen. A criança em desenvolvimento.

Os oito estágios psicossociais de Erikson

Idade aproximada Qualidade do ego a ser desenvolvida Algumas tarefas e atividades do estágio
0 a 1 Confiança básica versus desconfiança Confiança na mãe ou no principal cuidador e na própria capacidade de fazer as coisas acontecerem. Um elemento essencial é um apego inicial seguro.
2 a 3 Autonomia versus vergonha, dúvida Caminhar, agarrar e outras habilidades físicas levam à livre escolha; ocorre o treinamento esfincteriano; a criança aprende o controle, mas pode desenvolver a vergonha se não for manejada adequadamente.
4 a 5 Iniciativa versus culpa Organiza atividades em torno de algum objetivo; torna-se mais assertiva e agressiva. O conflito edípico com o progenitor do mesmo sexo pode levar à culpa.
6 a 12 Atividade (diligência) versus inferioridade Absorve todas as habilidades e normas básicas da cultura, incluindo habilidades na escola e uso de instrumentos.
13 a 18 Identidade versus confusão Adapta o senso de self a mudanças físicas da puberdade, fazer a escolha profissional, adquirir uma identidade sexual adulta; buscar novos valores.
19 a 25 Intimidade versus isolamento Estabelece um ou mais relacionamentos íntimos que vão além do amor adolescente; casar e formar grupos familiares.
26 a 40 Criatividade (generatividade) versus estagnação Gera e cria filhos; centra-se na realização ou criatividade profissional e treina a próxima geração.
41 e + Integridade de ego versus desespero Integra estágios anteriores e chegar a um acordo com a identidade básica. Aceita o self.

Fonte: BEE, Helen. A criança em desenvolvimento.

Levando em consideração as duas tabelas, podemos ver que o organismo e o meio exercem ação recíproca, uma vez que um influencia o outro; essa troca traz mudanças ao individuo. É, portanto, de suma importância a interferência que a sociedade traz ao desenvolvimento de uma criança, uma vez que é na interação desta com o mundo, tanto físico como social, que as características e peculiaridades desse mesmo mundo vão sendo conhecidas.

Devemos levar em consideração também a importância que o fator humano presente no ambiente exerce em nossas crianças, pois é através do contato com outras pessoas, adultos e crianças, que, desde os primeiros passos, o bebê vai construindo suas características e sua visão de mundo.

Escola e a sexualidade

O trabalho de orientação sexual deve compreender também uma complementação à educação dada pela família, sendo, portanto, de bom-tom que a escola comunique aos familiares quanto à inclusão dessa matéria no currículo escolar.

O sexo é parte da vida das pessoas, e é por essa razão que a escola e a família devem ajudar a construir nos pequenos uma visão sem tabus nem preconceitos. O constrangimento dos pais em tratar do assunto aumenta a falta de informação das crianças e dos jovens e faz cada vez mais com que a escola se torne o principal espaço de educação sexual.

A sexualidade como tema transversal

O debate do tema sexualidade é inserido na escola inicialmente pelas diretrizes curriculares dos Parâmetros Curriculares Nacionais, muito embora o itinerário da discussão da sexualidade, na escola continue seguindo por caminhos ora silenciados ora de forma deturpada, pela falta de preparação na orientação e especialização na formação do corpo docente.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados sob a coordenação do MEC para ajudar o professor a ampliar o seu horizonte e o de seus alunos; são de grande utilidade para uma maioria de estagiários e professores. Os PCN servem de orientação geral de trabalho, o básico a ser ensinado e aprendido em cada etapa, e podem assim ajudar no planejamento escolar, nas reuniões com os pais e na própria organização de atividades, para que elas possam ser aproveitadas pelo maior número possível de disciplinas. Porém, só irão funcionar se forem adaptados à realidade das escolas e aos seus alunos. O que se espera é que essas adaptações sirvam para as práticas em sala de aula.

Queremos insistir que, embora restringindo à figura do professor, não nos escapa que o problema da competência pedagógica tem sua raiz na questão política da educação, o descaso com que nossos governantes vêm encarando a escola pública brasileira.
A escola concebida da forma em que está traz em si fatores que propiciam o seu fracasso. Faltam recursos materiais e humanos para fornecer um ensino de qualidade; há quem pense ainda nos dias de hoje, que o magistério é algo que se improvise.

Desde há muito Freud já se preocupava com o que chamamos de descaso para com a sexualidade infantil; em seu livro Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, ele chama a atenção para a errônea opinião popular de que “a pulsão sexual está ausente na infância e só desperta no período da vida designado de puberdade” (Freud, 2002, p. 51).

Ele fala das primeiras experiências afetivas do bebê e deixa claro que a criança e, por que não dizer, o próprio bebê são seres sexuados que têm noção das mais diferentes formas dessa sexualidade, que é o resultado de uma série de vivências intimas que irão moldar e influenciar o desenvolvimento do adulto.

Freud deixa bem claro que das primeiras experiências afetivas do bebê, da satisfação de suas necessidades e da maneira como ele é tocado e aconchegado pelos seus pais ou pela pessoa responsável pelos seus cuidados dependerá sua capacidade de se envolver de forma afetiva e sexual no futuro.

A sexualidade engloba não só o aspecto físico, que compreende as mudanças corporais desencadeadas pelos hormônios, como os aspectos psicológicos, que envolvem emoções e vivências referentes ao amor, prazer e angústia, e o aspecto social, onde estão englobados os códigos e atitudes que a sociedade nos impõe quanto às formas de expressão da sexualidade.

Sabemos que é muito mais comum uma menina procurar uma boneca do que brincar de mocinho, mas isso não impede que um garoto possa ter contato com bonecas, até porque se isso for feito de forma bem orientada será de grande importância no desenvolvimento respeitoso e afetuoso com o futuro filho.

Infelizmente e com muita frequência, nós nos esquecemos dos meninos. Eles se tornaram pais, e é nessa idade que se desenvolve a sensação de responsabilidade pela paternidade. Esta frequentemente não é encorajada, havendo no entanto ênfase na masculinidade e na virilidade, em detrimento do prazer de uma paternidade responsável (Gauderer, 1996, p. 115).

Geralmente as meninas brincam de boneca, mais muitos meninos também gostam, muitas vezes fazendo o papel de pai, tio, médico ou até mesmo de jardineiro. Toda criança tem interesse em brincar de casinha, e as bonecas ajudam a imitar o ambiente doméstico.

Busca-se hoje, na criação de meninos e meninas, uma educação mais igualitária em casa e na escola, com as brincadeiras e jogos que meninos e meninas brincam ou que deixam de brincar por preconceito ou pura discriminação, um questionamento sobre o comportamento esperado de meninos e meninas, como não poder chorar, para os meninos, ou tomar iniciativa, para as meninas, uma nova forma de relacionamento entre meninos e meninas e dupla jornada de trabalho da mulher como atualmente.

Como observadora no Ciep, pude fazer uma avaliação quanto ao que pensam nossas crianças no que diz respeito às diferenças e direitos entre meninos e meninas, pois, de acordo com suas atitudes, observei que nos dias de hoje as meninas já se impõem diante dos meninos, mesmo nas brincadeiras que antes só diziam respeito a eles, como se preparando para a vida real do seu futuro, inclusive no que diz respeito ao mercado de trabalho. Não observei no comportamento dos alunos no ambiente escolar, levando em conta seus desenhos, pichações, falas e gestos, atitudes relevantes que fizessem lembrar preconceitos entre eles, algo que realmente acredito ser preocupante quanto a certos princípios básicos de nossa sociedade, uma vez que determinadas coisas são encaradas como normais.

A escola conta com uma coordenadora psicopedagógica que acompanha o cotidiano dos alunos, buscando pelo diálogo e a observação constante promover uma convivência saudável e respeitosa entre todos, visando à construção de um ambiente socioeducativo integrado e harmonioso.

A escola conta com serviços alimentar, médico e dentário voltados para a saúde e a melhor qualidade de vida dos alunos.

A escola deve pensar que o espaço da sala de aula é essencialmente um espaço de integração, para que os alunos possam construir de forma sistemática valores e conhecimentos significativos para a sua vida pessoal e para a vida em sociedade. Para que isso ocorra, deve ser feito um trabalho desde o inicio dos anos iniciais de forma a se respeitar o professor e ter solidariedade com os companheiros de turma, funcionários, pessoas mais velhas, respeito com o meio ambiente, conscientização dos acontecimentos diários ocorridos em nossa sociedade pelo noticiário etc.

O tema sexualidade infantil, pelo que pude observar, não aparece declaradamente no cotidiano da escola, a não ser nas pequenas observações que já estamos acostumados a ouvir, quanto às tradições de comportamento diferenciado entre ambos os sexos.

Pude observar em conversas com diretores, coordenadores e professores, um silêncio sem discurso sobre esse tema no currículo escolar, não por omissão ou preconceito, mas por se sentirem despreparados em como trabalhar com as crianças e como discutir o assunto sem entrar em confronto com a família, pois o tema entra na escola quase sempre via situações ocorridas no dia a dia da comunidade, causando grande preocupação nos docentes.

Quando tal fato ocorre, a coordenadora pedagógica convida pessoas especializadas, como a professora Kátia Valladares, para ministrar palestra sobre diversos assuntos relacionados com a orientação sexual.

Dessa forma, vemos que a sexualidade, assim como o sexo em si, foi e sempre será uma questão social, sem deixar de ser também uma questão individual, enquanto não houver mobilizações solidárias preocupadas em revolucionar e reformar os padrões sexuais vigentes.

Não podemos negar que o tema sexualidade tem valor pedagógico inestimável e que precisamos lutar para que sejam exterminados de nossa sociedade a desigualdade sexual, a violência sexual, o preconceito sexual e principalmente o autoritarismo sexual –, que é quem comanda tudo de forma disfarçada.

É de grande importância que não se confunda uma luta contra o autoritarismo sexual (ou seja, uma luta a favor de uma liberdade que consiste no exercício de uma sexualidade liberada da culpa no plano pessoal e libertada também da opressão no plano social de forma consciente e orientada), com libertinagem, que é a perda dos valores éticos, como a que vem ocorrendo em nossa sociedade atual.

Considerações finais

Durante muito tempo, falar de sexualidade foi considerado tabu. Com nossas crianças, principalmente, esse assunto era proibido, como se fosse uma coisa feia e impura, de forma que elas chegavam à adolescência e muitas vezes à fase adulta ignorando fatos importantes e vitais para o desenvolvimento de uma vida saudável e sem traumas.

“Se são as cegonhas que levam os bebês para as pessoas, quem é que traz os bebês das cegonhas?” (Valladares, 2005).

Nossos professores ainda estão muito despreparados para trabalhar assuntos como orientação sexual, pois trazem dentro de si o preconceito sobre o assunto, talvez por terem sofrido repressões quando criança.

Estão menos preparados ainda para conviver com as divergências comportamentais que podem ocorrer dentro e fora de suas salas de aula e ainda mais para ensinar seus alunos a lidar com o assunto.

Não devemos nem podemos desconsiderar a vivacidade de nossas crianças nos dias de hoje; por isso temos que nos reciclar a todo momento. Ou devemos, como disse a professora Kátia Valladares (2005), concluir que viver em sociedade pressupõe abrir mão dos desejos (instintos) individuais e aceitar alguns preceitos (não todos), instituídos socialmente, como as normas e leis.

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Publicado em 05 de janeiro de 2016

Como citar este artigo (ABNT)

. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/16/1/sexualidade-infantil-uma-releitura-no-cotidiano-escolar

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