A política e a educação em Hannah Arendt: para uma filosofia prospectiva

Enock da Silva Peixoto

Docente na rede estadual do Rio de Janeiro; licenciado em Filosofia pela Universidade Salesiana; licenciado em Pedagogia pela UniRio/Cederj; mestre em Educação pela UniRio

Quem se recusa a assumir a responsabilidade do mundo não deveria ter filhos nem deveria ser permitido participar de sua educação
Hannah Arendt (2000)

Considerações iniciais

Analisaremos a relação entre política e educação presente na filosofia da pensadora alemã Hannah Arendt. Visamos demonstrar que a perspectiva da filósofa está em estreita relação com a sua concepção de educação; o que se busca é uma visão prospectiva da realidade, no sentido de que o mundo é sempre velho e o que nos salva da “inércia” é a novidade e os novos nascimentos que todos os dias emergem.

Hannah Arendt é normalmente considerada uma pensadora política e assim preferia ser reconhecida. Mas, em 1957, foi publicado pela primeira vez um texto seu direcionado para questões educativas, intitulado A crise na educação. No nosso entendimento, para além desse importante texto, é possível encontrar nas suas análises sobre a questão política no mundo ocidental aspectos que podem fundamentar uma concepção educativa e, além disso, tanto a perspectiva de educação como a de política não estão dissociadas do modo como a filósofa pensa a própria Filosofia. Nesse sentido, suas reflexões sobre educação, assim como aquelas sobre política, estão inseridas em uma crítica a determinada visão de mundo que predominou na Modernidade.

Para fundamentar estas reflexões, tomaremos como base principal as obras Entre o passado e o futuro, na qual encontramos o texto sobre educação supracitado, e A condição humana, na qual Arendt apresenta algumas das teses mais importantes do seu pensamento político. Basear-nos-emos na perspectiva de que a concepção política da pensadora em análise não se dissocia das suas preocupações com questões educacionais e há, entre outros aspectos, a importância do ato de poder falar, ouvir e ser ouvido como uma perspectiva filosófico-político-educacional. Ressaltamos que, considerando as pretensões deste artigo, não é possível percorrer todos os enfoques que envolvem a extensa e complexa obra da autora; por isso, a nossa análise se restringirá a aspectos que contribuem para refletir sobre a relação entre política e educação, que tem visão prospectiva do ser humano, ou seja, a possibilidade de criar o novo como aspecto filosófico e vital, fundamental para a existência.

A perspectiva política em A condição humana

Hannah Arendt (2010) analisa as diferenças da ação humana na pólis grega antiga e na esfera do lar. Na vida em sociedade, restrita àqueles que eram considerados cidadãos, a política existia porque a relação entre os homens era possível, não havia comandados e comandantes, a liberdade podia ser efetivada porque ninguém era dominado ou dominador. Isso não ocorria na esfera doméstica, onde prevalecia a rígida relação hierárquica na qual o homem agia como senhor da família e dos escravos e por isso, mesmo com sua posição de superioridade, não exercia a política, pois se tratava de uma relação desigual. A interpretação arendtiana desse contexto social grego ajudou na sua elaboração da ideia de que a política só existe efetivamente se há um espaço no qual a liberdade de ação possa ser exercida.

A pólis diferenciava-se do lar pelo fato de somente conhecer iguais, ao passo que o lar era o centro da mais severa desigualdade. Ser livre significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro e também não comandar. Significava nem governar nem ser governado. Assim, dentro do domínio do lar, a liberdade não existia, pois o chefe do lar, seu governante, só era considerado livre na medida em que tinha o poder de deixar o lar e ingressar no domínio político, no qual todos eram iguais (Arendt, 2010, p. 39).

Onde prevalece o mutismo, ou seja, a impossibilidade de o ser humano se mostrar, no qual é impossível pronunciar palavras (Cf. 2010), de se tornar revelado pelo discurso, não há política. A filósofa valoriza a intensa participação dos indivíduos na esfera pública, espaço no qual mostramos quem somos, o que pensamos, do que discordamos. E se de algum modo essa possibilidade de se revelar é restringida ao ser humano, abre-se espaço para a violência, para o domínio e controle de uns seres humanos sobre os outros.  Uma vez que uma das questões centrais da questão política sempre foi o domínio de uns homens sobre os outros, diante de fenômenos como o poder, a autoridade, a violência e outros elementos, Arendt destaca:

o que está envolvido não é simplesmente uma questão de conversa descuidada. Atrás da aparente confusão está uma firme convicção a cuja luz todas as distinções são, quanto muito, de menor importância: a convicção de que o mais crucial problema político é, e sempre foi, a questão: quem domina quem? (2004, p. 122).

A vida grega estudada por Arendt era dividida em pública e privada. A privada era o lar, o local do trabalho manual e da busca da subsistência. A pública se realizava na ágora, praça pública onde os cidadãos se reuniam para debater temas de interesse comum. Nesse espaço todos eram iguais, não havia necessidade de violência, pois o exercício da liberdade e espontaneidade era possível. O homem é, na esfera pública grega, um “ser distinto e único entre iguais” (Arendt, 2010, p. 223). Neste contexto, a liberdade situa-se no campo político; a necessidade, fenômeno próprio da vida privada, era pré-política. Na vida do lar a preocupação detinha-se nos bens de consumo, mas na esfera pública a formação humana era possível. A força e a violência no espaço restrito do lar eram justificadas, pois eram os meios para vencer a necessidade (Cf. 2010). Para Arendt, a política não é apenas uma questão de organização coletiva das sociedades, é uma questão vital, que faz parte integral da condição humana. Nesse aspecto, a política é também um problema educativo, pois ele se efetiva entre os homens, sendo para estes um modo de se situar na existência de maneira livre, consciente e sem coerção. A relação que a filósofa estabelece entre política e liberdade atesta estas afirmações:

A coisa política entendida nesse sentido grego está, portanto, centrada em torno da liberdade, sendo liberdade entendida negativamente como o não ser dominado e não dominar, e positivamente como um espaço que só pode ser produzido por muitos, onde cada qual se move entre iguais. Sem esses outros que são meus iguais não existe liberdade alguma, e por isso aquele que domina outros e, por conseguinte, é diferente dos outros em princípio é mais feliz e digno de inveja que aqueles a quem ele domina, mas não é mais livre em coisa alguma. Ele também se move num espaço no qual a liberdade não existe em absoluto (Arendt, 2002, p. 48-49).

A filósofa argumenta que não existe uma essência humana no sentido clássico utilizado pela filosofia, mas uma condição humana. Esta se dá pela ação no dos indivíduos no mundo. É na participação no espaço público que a atividade política e a manifestação da condição humana se tornam possíveis. No capítulo denominado vita activa, Arendt distingue estes três momentos da ação do ser humano: o trabalho, a obra e a ação. Elas são “condições básicas sobre as quais a vida foi dada ao homem na Terra” (2010, p. 8). O trabalho está subordinado às necessidades naturais, biológicas; atua para suprir as necessidades vitais impostas pela existência. “A condição humana do trabalho é a própria vida” (Arendt, 2010, p. 8). Segundo Celso Lafer, “trata-se de viga que todos nós carregamos na penosa e “sisífica” labuta de lidar com a necessidade” (1979, p. 29). Como homo faber, o ser humano atua como fabricante de instrumentos, por ele é criado um mundo artificial que difere do mundo natural, como ocorre com o trabalho; a mundanidade é a condição humana da obra, afirma Arendt. A ação é a esfera política em que ocorre a relação entre os homens, este é o lugar específico do espaço público, ela não tem a mediação das coisas ou da matéria. Ela nasce do fato de habitar entre os homens, nasce da condição humana da pluralidade, do fato não do ser humano singular habitar o mundo, mas também do fato de os homens serem integrantes deste no plural. A política surge no entre os homens; portanto, totalmente fora dos homens. “Por conseguinte, não existe nenhuma substância política original. A política surge no intraespaço e se estabelece como relação” (Arendt, 2002, p. 23). Sobre essa ação que emerge e se desenvolve entre os homens, afirma a filósofa:

A ação e o discurso ocorrem entre os homens, uma vez que a eles são dirigidos […]. A maior parte da ação e do discurso diz respeito a esse espaço- entre, que varia de grupo para grupo de pessoas, de sorte que a maior parte das palavras e atos refere-se a alguma realidade objetiva mundana, além de ser um desvelamento do agente que atua e fala […]. O espaço-entre é tão real quanto o mundo das coisas que visivelmente temos em comum (2010, p. 228-229).

A ação, que, como afirmamos, é característica própria da atividade política, remete à condição humana da pluralidade, pluralidade que não anula a importância do indivíduo. A igualdade dos homens na política se deve ao fato de eles pertencerem a uma mesma espécie e à possibilidade de haver entre eles o entendimento mútuo.

A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto da igualdade e da distinção. Se não fossem iguais, os homens não poderiam compreender uns aos outros e aos que vieram antes deles, nem fazer planos para o futuro, nem prever as necessidades daqueles que virão depois deles. Se não fossem distintos, sendo cada ser humano distinto de qualquer outro que é, foi ou será, não precisariam do discurso nem da ação para se fazerem compreender. Sinais e sons seriam suficientes para a comunicação imediata de necessidades e carências idênticas (Arendt, 2010, p. 219-220).

Na concepção política arendtiana, o plural não deve anular o singular nem o singular anular o plural. A política no seu sentido verdadeiro deve ser um espaço no qual a pluralidade garante a possibilidade de que o que é específico e próprio de cada pessoa possa se manifestar no mundo. A filósofa critica a concepção moderna de igualdade, segundo ela “baseada no conformismo inerente à sociedade, e que só é possível porque o comportamento substituiu a ação como principal forma de relação humana” (Arendt, 2010, p. 50). A ação que era excluída na Antiguidade na esfera restrita do lar passou a ser substituída pela obtenção de comportamentos baseados em regras e normas direcionadas aos membros da sociedade, inibindo assim a ação espontânea (Arendt, 2010, p. 49). Tal atitude, continua a pensadora alemã (2010, p. 50), difere completamente na noção de igualdade na Grécia Antiga. Lá, pertencer aos “iguais” significava estar entre os pares, mas o espírito da pólis era fortemente agonístico e cada homem era chamado a se mostrar como o melhor de todos, “por meio de feitos e façanhas singulares” (Arendt, 2010, p. 50). A distinção entre os pares era incentivada, o domínio público primava a individualidade; nesse espaço, os homens “podiam mostrar quem eles realmente eram e o quanto eram insubstituíveis” (Arendt, 2010, p. 50). Na sociedade de massa característica da modernidade, a singularidade foi suprimida pela igualdade conformista. Nesse processo, adentrou também a perspectiva econômica na qual predomina a preocupação com o valor de troca dos produtos. Prevalece na cultura moderna o homo faber, os produtos passam a ter valor em si mesmos, obtendo significância social superior aos homens. A esfera pública é suprimida, esmagada, aniquilada pela esfera da fabricação de bens. A sociedade predominou e dominou a esfera pública.

O domínio público do homo faber é o mercado de trocas, no qual ele pode exibir os produtos de sua mão e receber a estima que merece [...]. O fato é que o homo faber, construtor do mundo e produtor de coisas, só encontra sua relação apropriada com as outras pessoas trocando produtos com elas, uma vez que é sempre no isolamento que ele os produz (2010, p. 200).

A possibilidade de agir ficou restrita às ações econômico-mercadológicas, contexto que integra as modernas perspectivas sobre a educação. Esta também se tornou um negócio no qual a ação, a possibilidade de falar e ouvir fica de algum modo subserviente às exigências do mercado. Para Arendt, “agir, em seu sentido mais geral, significa tomar iniciativa, iniciar (como indica a palavra grega archein, “começar” e, finalmente, “governar”), imprimir movimento a alguma coisa – que é o significado original do termo latino agere” (Arendt, 2010, p. 221). Mas as novas exigências da vida moderna trouxeram uma restrição na qual o trabalho produtivo ganhou uma conotação de totalidade, minimizando a força da verdadeira política, que se caracterizava pela ação humana livre. Sobre esses aspectos minimizadores do agir dos indivíduos na vida moderna, dominada pela predominância do interesse econômico, André Macedo Duarte escreve:

A tese arendtiana é de que, a partir do século XIX, cada vez mais o político e seus traços constitutivos fundamentais se viram sobredeterminados por interesses socioeconômicos privados e pelo saber técnico que transforma o político em tecnocrata. O que resulta desse processo é a perda do espaço da liberdade para a necessidade, a perda da ação livre e espontânea para o comportamento repetitivo e previsível do trabalhador, a perda do espaço público e comunitário para os lobbies e grupos de pressão ocultos, a substituição da pluralidade de ideias políticas pelo pensamento único, o enfraquecimento da capacidade de consentir e dissentir em vista da obrigação de obedecer, enfim, o ofuscamento da novidade e da criatividade pelo eterno retorno do mesmo (Duarte, 2004, p. 46).

A esperança que Arendt aponta frente a essa troca do homem pelo produto, da ação pelo fazer, é a natalidade. O nascimento de novos seres humanos traz a possibilidade do novo. As próximas gerações poderão mudar a história ao terem a chance de estabelecer formas de existir originais. A ação é o que caracteriza a condição humana e, apesar de toda desesperança que o mundo muitas vezes nos proporciona, há a esperança de novas vidas trazerem inovações mais sensatas para dar significado à nossa estadia no mundo. Essa situação natural e milagrosa evita ou pelo menos traz expectativas positivas diante dos determinismos impostos aos comportamentos. A filósofa judia afirma que “o que se opõe a toda predeterminação e conhecimento do futuro é o fato de que o mundo se renova diariamente pelo nascimento e é constantemente arrastado para o imprevisivelmente novo pela espontaneidade de cada nova chegada” (Arendt, 2009, p. 183). É nesse contexto de novos nascimentos proporcionarem promessas diversas para o porvir que vamos relacionar à perspectiva política presente em A condição humana que privilegia a pluralidade humana à concepção de educação presente no texto A crise da educação.

A crise da educação: a natalidade como possibilidade de criação do novo

No texto já citado de 1957, Hannah Arendt aborda a crise moderna na educação. Escreve que a crise assola todo o mundo, atingindo os diversos domínios da vida, mas destaca que na América a crise periódica na educação tornou-se um grande problema e incorre-se no equívoco de tratar tais situações relacionadas à educação como locais, desconexas com questões mais amplas que assolam o século, como aquelas decorrentes da Segunda Grande Guerra (Arendt, 2000, p. 221-222). Compreende-se aqui que a crise é fruto de um contexto social mais amplo que extrapola a esfera específica da educação formal. A filósofa está incluindo os problemas educativos em circunstâncias mais amplas, influenciadas por questões históricas, mas também como reflexo de uma determinada visão de mundo característica da modernidade ocidental. Mas a filósofa aponta a crise como algo útil para proporcionar a reflexão.

Referimo-nos à oportunidade, fornecida pela própria crise – a qual tem sempre como efeito fazer cair às máscaras e destruir os pressupostos – de explorar e investigar tudo aquilo que ficou descoberto na essência do problema, essência que, na educação, é a natalidade, o fato de os seres humanos nascerem no mundo (Arendt, 2000, p. 223).

O fato de os pressupostos desaparecerem, continua a filósofa, significa que as respostas ficaram obsoletas e é preciso buscar outras sem que recorramos a ideias feitas e aos preconceitos. A natalidade, o fato de novas pessoas surgirem constantemente, propicia ao mundo a expectativa da novidade. É nesse sentido que a crise que assola a educação pode ser vista como uma oportunidade prospectiva, trazendo a chance construir-se um futuro diferente. Além disso, é uma chance de olhar para o passado e analisar as fontes dos problemas geradores da crise. Arendt continua afirmando que numa crise não há como separar as circunstâncias gerais que envolvem o problema de questões particulares, como aqueles relativos à educação.

Desde a Antiguidade, diz ela (2000, p. 225), o papel da educação em todas as formas de utopia política mostra que pode parecer natural começar um mundo com os novos por natureza e nascimento. Mas na política há incompreensão: ao invés de um indivíduo se juntar aos demais tentando persuadi-los, opta pela ditadura fundada na superioridade do adulto, tentando produzir o novo como se este já existisse. O que se propõe com essa atitude é coagir sem usar a força. A novidade que o mundo adulto pode propor aos novos é sempre velha a eles próprios; cada geração cresce no interior de um mundo já de antemão envelhecido (Arendt, 2000, p. 225). Os novos são esperança, mas existe uma estratégia adulta bastante nociva, que é a coação, a ponto de fazer as gerações que emergem na vida adentrarem no mundo antigo como se este fosse novo. Isso emperra uma efetiva abertura para o que é diverso no mundo. É imposta aos novatos uma ditadura velada, uma mentira de renovação, mas o que subjaz a essa atitude é um apego pelo mundo próprio do adulto a ponto de não se admitir que o florescimento de coisas realmente originais possa brotar.

Esse trajeto histórico da relação adulta com a emergência do novo, que afetava a educação norte-americana, ponto de partida de onde a filósofa faz a sua crítica, gera o perigo de incorrer na perniciosa ideia de que os novos são responsáveis pela criação de um futuro diferente e melhor, sem que se recoloque sobre os velhos a sua própria carga de responsabilidade pelo presente e pelo bem-estar dos menores. A educação americana, diz Arendt (2000), sofreu influência significativa das pedagogias modernas, o que gerou uma enorme transformação na relação ensino-aprendizagem. Ocorreu como consequência disso um enfraquecimento de um tipo de razão fundada no senso comum, por meio do qual, pelos nossos sentidos, nos adaptamos a uma realidade comum. Esse desaparecimento do senso comum é sinal crítico da crise. Havia uma luta na educação americana em nivelar a relação adulto-criança e professor-aluno, e isso gerou divergência em desfavor dos alunos, que acabaram submetidos à autoridade dos mais velhos.

Desse modo, o que faz com que a crise da educação seja tão especialmente aguda entre nós é o temperamento político do país, o qual luta por si próprio, por igualar ou apagar tanto quanto possível a diferença entre novos e velhos, entre dotados e não dotados, enfim, entre crianças e adultos, em particular entre alunos e professores. É óbvio que esse nivelamento só pode ser efetivamente alcançado à custa da autoridade do professor e em detrimento dos estudantes mais dotados (Arendt, 2000, p. 5).

Mas a filósofa termina o texto citado sustentando que esses fatores gerais, esse “temperamento político do país” não justificam a crise nem justificam a precipitação sobre ela. Arendt (2000) continua o texto afirmando que essas medidas catastróficas podem ser explicadas por três ideias-base que são muito familiares. A primeira é que existe um mundo infantil, uma sociedade própria da criança, e na medida do possível a sua autonomia e governo próprios devem ser respeitados. Nesse processo o adulto se limita a assistir, é o grupo das crianças que determinará o que é certo ou errado. O adulto fica desamparado frente à criança individual e privado do contato com ela. Integra essa ideia, ainda, a criança tomada em grupo. Nesse contexto, a criança se encontra em uma situação ainda pior que a anterior, pois a autoridade de um grupo, mesmo de crianças, é mais tirânica. Mas, ao ser liberta da autoridade dos adultos, a criança foi submetida a uma tirania ainda pior, a da maioria. Elas ficam assim banidas do mundo adulto ou entregues a si mesmas ou à tirania de um grupo e, devido à superioridade numérica desse grupo, elas não podem se revoltar. A consequência nas atitudes pueris pode ser o conformismo, a delinquência ou ambos.

A segunda ideia-base a se considerar frente à crise da educação tem a ver com o ensino. A Pedagogia, por influência da Psicologia moderna e das doutrinas pragmáticas, se tornou uma ciência do ensino em geral, a ponto de se desligar da matéria a ensinar. O professor é aquele que é capaz de ensinar qualquer coisa, e não um assunto particular. Arendt diz que o professor, nos últimos decênios, tem sua formação negligenciada, o que retira dele a sua autoridade como docente, e os alunos ficam entregues aos seus próprios meios. Deixa de existir o professor não autoritário que conta com a autoridade de sua própria competência. Esse pernicioso papel presente na crise da educação é fruto de uma moderna teoria da aprendizagem.

Dessa teoria emerge a terceira ideia-base, ideia sustentada durante séculos na Modernidade e que encontrou no pragmatismo a sua sustentação. “Esse pressuposto básico é o de que só é possível conhecer e compreender aquilo que nós mesmos fizemos” (Arendt, 2000, p. 232). O importante não é que o professor domine uma disciplina, mas que esteja em constante aprendizado. Essa visão teve sucesso ao conduzir os discentes para questões utilitárias, mas impediu as crianças de adquirir saberes que dependem de um programa de estudos. A valorização do aprendizado está centrada sobretudo em questões práticas.

Outra distinção feita nesse contexto da crise educacional é entre trabalho e jogo, considerando-se que este último é fundamental para a aprendizagem por envolver características peculiares da criança. Arendt aponta como exemplo o ensino das línguas que mostra essa ligação entre substituir o aprender pelo fazer e o trabalho pelo jogo. A criança deve aprender fazendo, não pelo estudo gramatical ou sintático.

Para Arendt, qualquer que seja a ligação entre fazer e saber, isto é, quanto à validade da fórmula pragmática, sua aplicação à educação tende a tornar a infância um absoluto, como observado na primeira ideia-base. Sob o pretexto de respeitar o mundo infantil, a criança fica excluída do mundo adulto. Isso é uma artificialidade que quebra a relação natural entre crianças e adultos, que consiste em aprender e ensinar, entre outras coisas, além de contrariar o fato de a criança estar em plena evolução.

Na América se reconhece o caráter destrutivo desses três pressupostos e do esforço em reformar a educação. Mas o que estava a se fazer, diz a filósofa, era a restauração e o ensino conduzido novamente à autoridade, diminuindo o espaço para o jogo por causa do trabalho sério, dando-se menos importância às atividades extracurriculares e até mesmo ao currículo dos professores, pois estes deveriam aprender alguma coisa antes de ensinar.
Arendt termina essa parte do texto destacando duas questões: primeiro, ela pergunta pelas razões por que durante décadas foi possível falar em contradição com o senso comum e o que se pode aprender com a crise no sentido de refletir sobre o papel da educação em todas as civilizações, do fato de a existência de crianças provocar o questionamento em todas as sociedades.

Seguimos praticamente de modo integral as análises da filósofa frente aos três pontos que ela destaca como medidas que fundamentam e justificam essas medidas educacionais catastróficas mediante a crise da educação. A primeira, que destaca a valorização da autonomia do mundo infantil, no qual se comete a aberração de delegar para a própria criança, um ser em formação, a responsabilidade da condução e governo de suas vidas. A segunda ideia-base está associada a questões pedagógicas, quando ocorre na educação moderna a desvalorização do ensino específico em nome de um conhecimento geral; segundo a filósofa, essa atitude retira a autoridade docente, pois a formação do professor foi prejudicada e enfraquecida pela falta de um domínio mais efetivo sobre sua área de atividade. A generalização engoliu o conhecimento particular. O terceiro pressuposto é fundamentado na praticidade do ensino, só tento efetivo valor aquilo que é prático, útil, objetivo. O aprendizado é minimizado frente ao fazer. A filósofa, nesse ponto, está se posicionando sistematicamente à influência da concepção pragmática de educação presente em seu tempo.

Na sequência do texto, a filósofa analisou a crise da concepção pública e privada da vida, o desprezo à autoridade e à tradição, que remetem a uma crise política e esta reverbera nas questões próprias, relacionadas ao mundo pedagógico. A pensadora alemã (2000) afirma que a crise na educação suscita problemas graves, mesmo se não fosse reflexo de uma crise mais geral, pois a educação é uma das atividades mais elementares da vida humana e se renova constantemente com o nascimento de novas pessoas. A criança se apresenta ao educador como alguém novo em um mundo estranho e está também em constante mutação. É um novo ser humano a caminho do devir (Cf. Arendt, 2000).Este é um problema que se impõe aos educadores de todos os tempos e certamente extrapola a crítica que Arendt fez naquele período da vida americana, que é o fato de novos seres virem ao mundo frequentemente e de estarem em perene transformação no corpo, na vida social, na vida psicológica e em outros aspectos. É natural na criança estar em devir.

Como adequar, então, uma educação que já é inerentemente velha para indivíduos novos e ávidos por novidade? Como adequar a tradição àqueles que florescem constantemente? Estas são questões sem resposta, mas que após várias décadas após a década de 50-60 do século passado, continuam sendo um problema educativo e filosófico, uma vez que subjaz a questão o clássico esforço de adequar uma realidade em devir com concepções ‘estáticas’ dos fenômenos.

Arendt (2000) diz que parece óbvio que a educação moderna destrói o desenvolvimento da criança ao tentar criar um mundo próprio para ela. É estranho, segundo ela, que esse procedimento tenha emergido na educação moderna que visou servir à criança, contra os métodos do passado, por estes não considerarem a necessidade das crianças. Como foi possível, pergunta ela, que a criança fosse exposta ao que mais caracteriza o mundo adulto que é a esfera pública, uma vez que a proposta era libertá-las dos padrões do mundo adulto e não fosse mais considerado um pequeno adulto (Arendt, 2000)? A filósofa questiona o fato de a educação ter se tornado um perigo para a criança dentro do contexto no qual pretendia defendê-la e abrir espaço para a sua liberdade. Notamos que essa característica está inserida num um contexto de pensamento, de uma visão sobre o mundo característico da Modernidade, que prima pela autonomia do sujeito; tal postura se estendeu até o mundo infantil, mas, do ponto de vista da filósofa em questão, trouxe consequências nefastas para a formação infanto-juvenil quando deixou a criança à sua própria sorte e o adulto se eximiu do seu compromisso com o mundo.

Arendt (2000) afirma que normalmente a criança entra no mundo pela escola, embora esse não seja o próprio mundo. A escola, mesmo que não plenamente, representa o mundo para a criança, e, nesse contexto, os adultos são responsáveis pela infância. É aí que é apresentada a ideia de autoridade, atrelada a uma responsabilidade pelo mundo. A filósofa está indicando a perigosa perda da autoridade em nome da liberdade; ter autoridade não é sustentar uma postura totalitária. Para Arendt, essa ambiguidade da atual perda da autoridade não pode existir na educação. As crianças não devem recusar a autoridade docente como se estivessem oprimidas pelos adultos. Dizer que os adultos abandonaram a autoridade significa que eles se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo no qual colocaram as crianças.

A responsabilidade pelo mundo que a educação exige remete a uma postura conservadora. Mas isso só vale na esfera da educação, na relação entre adultos e crianças. Na esfera política, a aceitação do mundo tal como é só serve para manter o status quo,oque só pode levar à destruição. O mundo que muda sempre corre o risco de se tornar tão mortal quanto os humanos. Para evitar a sua mortalidade, é preciso sempre restabelecê-lo de novo. A dificuldade é educar para que isto ocorra. A esperança que a filósofa indica é a novidade que cada geração traz. Destruiremos isso, se nós, os velhos, tentarmos controlar o novo e decidir como ele deverá ser. A educação deve ser conservadora exatamente para preservar o novo e o revolucionário em cada criança. Ela deve proteger a novidade e introduzi-la em um mundo velho que, por mais revolucionário que seja, está sempre prestes a ser destruído tendo em vista a geração seguinte (Arendt, 2000).

Aqui vale ressaltar a distinção que a filósofa faz na concepção de autoridade nas esferas pública e privada. No contexto da realidade pré-política, da família, a autoridade é necessária, e um erro moderno foi tê-la transformado em esfera pública. Mas no mundo específico da ação, no mundo da política, a autoridade não é necessária, pois, retomando a sua interpretação sobre a política grega, nesse contexto todos devem ser iguais. Entretanto, é necessário compreender que a educação infantil se encontra nessa esfera pré-política e, por isso, a relação de autoridade urge, pelas mesmas razões já citadas, que remetam a formação de pessoas ainda em devir. Mas essa autoridade não pode ser confundida com tirania, com desrespeito à liberdade do outro, da confusão entre legitimidade do poder e violência. Tal postura inadequada se tornou efetiva a partir do erro histórico no mundo ocidental de associar o autoritarismo presente na política com a concepção de autoridade que deve prevalecer na esfera da vida privada. Parece ser coerente afirmar que Arendt aponta que a esfera pré-política deve ser um espaço que integra o indivíduo novo dentro de um mundo já velho, mas que não deve absorver o novo para si a ponto de impedir que ele tenha espaço para renovações, para inovações, para a criação de mundos efetivamente diferentes. A educação é, nesse contexto, o espaço privilegiado no qual se apresenta um mundo já posto com as suas marcas já estabelecidas pelo tempo, pela história, pela cultura, mas que tem a chance, a cada nascimento, a cada geração, de abrir-se a novas possibilidades. Esse parece ser ainda um desafio atual. Como equacionar esta relação tensional entre o velho e a novidade?

A última parte do ensaio se refere à dificuldade de manter o mínimo de conservação na modernidade, algo necessário para a educação. Aponta que a crise de autoridade está ligada à crise da tradição, com a nossa atitude frente ao passado. Essa relação (Cf. Arendt, 2000) é tensa para o educador, pois é ele que deve estabelecer essa conexão entre o velho e o novo, e sua profissão, por isso, exige respeito pelo passado. A filósofa analisa a perda da valorização do passado, da tradição como uma característica da modernidade. O docente é aquele que tem a responsabilidade de estabelecer esta conexão entre o velho e o novo – o que é sempre um desafio frente a uma sociedade em que, já na década de 50-60, período no qual a filósofa estabelece suas análises, a avidez por novidade, por prospecção era efervescente. Nos tempos atuais essa crítica se tornou ainda mais pertinente, pois a tradição vem perdendo cada vez mais força por causa da necessidade frenética de inovação, de uma excitação quase incontrolável nos vários campos da vida.

Arendt cita que na Roma Antiga e depois no cristianismo existia uma relação harmônica com o passado, e a educação consistia em manter a tradição. A autoridade docente se fundava no passado. Nesse ethos em que a educação tem função política, era fácil fazer o que se deve em educação; educar é “permitir alguém ser digno dos seus antepassados”, definição de Porfíbio citada por Arendt (Cf. 2000).

Hoje, diz a filósofa, não nos encontramos mais nessa realidade; no mundo moderno a educação não pode fazer economia nem da autoridade nem da tradição, e a questão é que a educação deve se efetivar em um mundo que deixou de ser estruturado pela autoridade e unido pela tradição. A filósofa diz que ao adulto não é mais possível educar; nós, os velhos, temos uma perspectiva sobre o mundo já formada. O passado já marcou em nosso ser situações que não podem mais ser buriladas. A criança, pelo contrário, está aberta ao mundo, é um receptáculo do saber que pode ser modelado, e como não é possível ensinar o futuro, uma vez que este não existe, educar é apresentar a tradição, o passado, mas parece que não é correto considerar que seja uma transmissão fria dos conteúdos, conhecimento, informações da tradição, mas estes devem ser uma ponte para que os novos possam elaborar e criar paradigmas existenciais inéditos. Um mundo seu em que necessariamente, quando chegarem as novas gerações, os filhos dos nossos filhos, elas já estarão inseridas em um mundo velho, e a necessidade e a possibilidade de prospecção se tornarão necessárias novamente. Parece que a filósofa quer indicar a importância de sabermos equilibrar uma educação em um mundo que é sempre obsoleto, de modo que não matemos nos novos a sua capacidade de recriação da vida.

Arendt (2000) afirma que não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar. Educação sem ensino pode se tornar vazia. Mas é possível ensinar sem educar, e isso pode ocorrer até o fim de nossos dias. Detalhes que, para a filósofa, devem chamar a atenção de especialistas e pedagogos. O que diz respeito a todos nós, continua a pensadora alemã, não pode ser entregue à Pedagogia como ciência especializada. É a relação entre adultos e crianças em geral e, mais ainda, com o fato de que é porque todos chegarmos ao mundo pela natalidade que o mundo se renova sempre. Educação e ensino, para a filósofa, devem caminhar juntos, embora possa haver ensino sem educação. O ensino está associado ao que se deve saber, aquilo que é necessário aprender para que se possa situar no mundo, e é nesse sentido que a tradição se torna significativa. Educar implica necessariamente a responsabilidade e o respeito pelo outro, pelo educando, e deve estar associada ao ensino para que não se torne, conforme Arendt, “retórica emocional e moral” (2000, p. 247). O belíssimo trecho que termina o ensaio atesta essas afirmações:

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos as nossas crianças o bastante para não expulsá-las do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (2000, p. 14).

Como educar em um mundo que sempre se renova? Os valores da tradição, nesse processo, são fundamentais na perspectiva arendtiana. Como afirmamos, não para serem simplesmente repetidos, mas para serem renovados, ressignificados. Embora Arendt tenha escrito esse texto em outro tempo, diferente do nosso, e tomando como base os problemas relacionados à educação americana, entendo que é possível extrair de suas críticas muitos aspectos que se refletem ainda na educação dos nossos dias. É comum a escola ainda ser um espaço de reprodução do conhecimento, no qual o aluno tem poucas chances de expressar a si mesmo ou de construir coisas novas, pois, para o próprio docente, por causa das várias exigências burocráticas que precisa cumprir, além de longas jornadas de trabalho, dentro e fora das escolas, muitas vezes fica difícil abrir esse espaço de criação, embora muitos de nós não queiramos que assim ocorra. Além disso, existe a prevalência de uma visão de mundo pragmática, criticada por Arendt, que ainda assola as escolas e faz com que a maioria delas seja apenas reflexo de um mundo que valoriza sobretudo a relação mercadológica, minimizando o espaço prospectivo que é inerente à própria vida e aos novos nascimentos que se apresentam cotidianamente ao mundo.

Considerações finais

Vimos que, para Arendt, a política só se efetiva realmente quando pode ocorrer entre os homens, quando existe a real chance de os indivíduos agirem entre iguais, sem que mecanismos de domínio prevaleçam nas relações humanas. Mediante tal interpretação, a filósofa acentua a possibilidade de agir, de falar, de ouvir e ser ouvido, de expressar a própria singularidade no meio da pluralidade como condição humana necessária para a existência na Terra de forma livre e autônoma. O homem político é aquele que participa, que debate, que discute, que quer ter o direito de aparecer, de que suas ideias sejam mostradas para o mundo. Mas a modernidade, como indica a filósofa, abafou essa potencialidade humana ao restringir a ação humana à esfera do fazer. O mundo prático, no qual a produção e valorização daquilo que é útil predomina, abafou o poder do diálogo entre os homens. O discurso passou a ser dominado pela prerrogativa da economia, reduzindo assim o espaço e a força da ação propriamente política.

A educação, uma das construções humanas que se situa nesse contexto, passou a ser também um produto. Ela deve formar as pessoas para que possam se adequar ao mundo. Esta última frase teria sentido se a palavra mundo, dentro da Modernidade, não estivesse restrita à realidade econômica. Aspectos relativos a outras dimensões da existência humana – como a estética, a emocional, a fisiológica, a valorização do tempo livre e outras – são todos diminuídos frente ao predomínio mercadológico. O espaço para a prospecção, para ir além, para ser mais, para criar coisas novas fica restringido. Arendt põe a natalidade como uma chance para o futuro, mas é comum nós, adultos, criarmos modelos educativos que existem para sustentar um determinado sistema já vigente, e quando os novos chegam ao mundo, ensinamo-los a repetir tais modelos. Parece que a filósofa está propondo uma concepção de educação que aponta para uma filosofia prospectiva, que não prescinde do velho, pois também nós nascemos em uma realidade já envelhecida, e isso também é parte da condição humana da qual não é possível fugir, mas a busca deve ser de possibilitar a abertura para o novo, para a elaboração de coisas diversas em vários aspectos da existência. O novo não pode ser ditado pelo mercado, como se o aparecimento de cada produto tecnológico que chega a nós todos os dias, representasse alguma novidade. Isso é um equívoco, pois no dia seguinte o que era hoje novo já será obsoleto. Outro aspecto essencial é: tais produtos não foram criados por nós, a novidade tecnológica, em geral, vem de fora, de outras mentes, de outros corpos, e não da nossa própria capacidade própria de inovar.

Nesse contexto, a crítica de Arendt se direciona para um modelo de ensino que ajuda a repetir, assim como ocorre no contexto geral da sociedade. É pequeno o empenho para ensinar a criar, pois quando chegamos ao mundo somos chamados a olhar para trás e não para a frente. Olhar para trás é importante, pois dá uma base segura sobre as boas coisas que nossos antepassados e contemporâneos foram e são capazes de construir e que merecem a nossa reverência e inclinação para aprender com eles, mas é necessário ultrapassar a contemplação do passado para seguir adiante, para projetar aquilo que há de vir, visando sempre uma existência mais justa entre os humanos.

Essa atitude prospectiva deve mover as existências, mesmo sabendo que quando o futuro chegar ele já estará envelhecido e exigindo outras novidades. Isso se dá porque a própria existência é marcada pelo devir, pela inovação, e é um desafio para os educadores, alunos, pais, entidades políticas e civis pensar em uma escola e uma perspectiva sobre o mundo no qual a novidade exige de nós a recriação constante. É mais fácil e cômodo nos adequarmos a um mundo já estabelecido, no qual teremos apenas o trabalho de manter o status quo, do que nos abrirmos para um mundo em mutação; como sugere a provocação constante que cada criança, cada novo nascimento exige da nossa reflexão, sobretudo quando não nos acomodamos e nos sentimos responsáveis pelo mundo. A concepção de Arendt sobre a educação e sobre a política nos põe diante de uma filosofia prospectiva porque o que move a existência é o porvir, é a incerteza e a beleza que o nascimento nos traz, o fato de sermos seres para a vida, chamados a reestabelecer continuamente o seu sentido.

Referências

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2000.

______. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

______. Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 2004.

______. A promessa da política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.

______. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Revisão técnica e apresentação de Adriano Correia. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

DUARTE, André Macedo. Modernidade, biopolítica e violência: a crítica arendtiana ao presente. In: DUARTE, André Macedo; LOPREATO, Christina; MAGALHÃES, Marion Brepohl. A banalização da violência: a atualidade do pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2004, p. 35-54.

LAFER, C. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

Publicado em 07 de junho de 2016

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