Um mundo da conectividade
Claudia Nunes
A questão da conectividade não é mais novidade pra ninguém. Segundo Spyer (2007), atualmente devemos nos perguntar: a internet é um destino ou um desafio? Então para começar, vamos pensar: o cérebro foi preparado para isso? Ou melhor: fomos preparados para tantas mudanças que nós mesmos construímos? Hoje estamos todos com todos em tempo real: isso é um problema ou uma solução?
A rede tornou-se o todo (nossa realidade) e o todo está revestido de pontos em que podemos nos qualificar e nos quantificar (aprender) junto a e com os outros de acordo com os interesses, sonhos e desejos. Pensa-se em grupo. Estamos todos juntos e misturados, tendo de sobreviver dia a dia. É uma sobrevivência junto às diferenças de atitude, de linguagem e de sensibilidade; e, mesmo assim, seguimos criando redes sociais bem interessantes: nada poderia ser melhor. Todavia, sempre um alerta: devemos nos conectar com moderação.
Nossa principal tecnologia, o cérebro, precisa das distrações, dos devaneios, dos tipos de relaxamento e/ou de pontuais mudanças de foco; precisa aprender a curtir, compartilhar e colaborar; precisa tanto de hábitos quanto de mudança de hábitos para se manter saudável. Uma lembrança: nada permanece em nossa memória se não for praticado; se não tiver funcionalidade; se não entrar na vibe do uso contínuo (rotina). Entretanto, é preciso mudar ou, ao menos, estimular mudanças de maneira que se projetem comportamentos mais antenados, criativos ou safos no cotidiano. Sem isso, o cérebro cansa, falha e aí ocorrem os estranhamentos, os esquecimentos, as mudanças de comportamento e as tristezas inexplicáveis.
A velocidade das tecnologias artificiais vem sensibilizando o cérebro a plasticidades neuronais cada vez mais rápidas e menos diferentes; e são os diferentes ou as diferenças que saúdam a formação contínua da memória de longa duração e qualificam nosso poder de resiliência. Quando observamos nossos jovens, por exemplo, vemos uma geração touch em busca de outros toques e times que solucionem a própria vida e suas futuras decisões com rapidez. Eles são a geração “tudo ao mesmo tempo agora”.
Seu desenvolvimento tem normalidade apenas no quesito faixa etária. As questões cognitivas, emocionais e físicas estão em ebulição e em convergência acelerada, alterando sua formação neurobiológica e física e, em alguns casos, proporcionando saltos maturacionais surpreendentes, frutos da vivência de experiências emocionais e sociais que intensificam as ações do sistema límbico (emoções) e antecipam as ações do córtex pré-frontal (pensamento, raciocínio): estamos no âmbito da impulsividade e da reatividade.
O cérebro é fiel escudeiro, como afirma a professora Marta Relvas, e por isso reflete no corpo e na mente quando necessita de novas performances ou quando é usado exageradamente. Daí eu percebi o seguinte: o problema não é a conectividade, e sim a intensidade da conectividade. Nós perdemos a noção do tempo, imersos em outra dimensão (mundo virtual). Nós oferecemos ao cérebro o prazer necessário à criação das necessidades, da euforia, da liberdade e, basicamente, do escapismo social. Nas nuvens, os jovens estão sem amarras, conectados, funcionais e se comunicando aleatoriamente e de maneira assíncrona. Para cada aplicativo descoberto e acessado, mais curiosidade, criatividade, prazer e aprendizagem. Então, se devemos pensar em um problema, estamos diante da real negação do mundo em favor do prazer de viver e agir noutro mundo em que ON e OFF são escolhas muito pessoais e simples. Poder nas mãos? Não! Poder nos dedos!
Diante da vida conectada e nas nuvens, intensifica-se o uso do sistema de recompensa (área tegmentar ventral e núcleo accubems). Há mudanças no sistema nervoso; alterações nas formas de seleção e adaptação das informações; mais dopamina e serotonina no corpo. Estes últimos, chamados de ‘neurotransmissores’, são responsáveis pela comunicação entre neurônios e geram satisfação, bem-estar e prazer em cascata, às vezes incontrolável. E se temos reforço positivo repetidas vezes, somos impelidos a buscá-las em grande quantidade.
Em busca de mais prazer, a conectividade ou a permanência em conexão (imersão) constrói dependências: nossos jovens já nascem dependentes de uma tecnologia artificial, hipertextual e planetária. E toda dependência sugere perda da capacidade de equilibrar responsabilidade com fantasias: muito difícil ser adulto assim... Aliás, não há equilíbrio nem controle. É a representação do momento em que, para manter-se conectado, provoca-se uma desconexão de pensamento e raciocínio (córtex pré-frontal): o que se deseja é a continuidade do prazer.
Como tudo é prazeroso, por que parar? Eis o problema, por exemplo, quando falamos de jovens nativos digitais, do uso do celular e sua crescente análise como extensão do corpo humano e transformação em necessidade básica. O celular tornou o nosso prazer maior algo febril e real: o prazer da comunicação. Naturalizamos a permanência do celular ligado em todos os nossos contextos de vida porque naturalizada está a permanente vontade (e prazer) de comunicar todos com todos, hoje, a qualquer hora e em qualquer lugar.
Nesse sentido, a questão da conectividade de todos com todos é real, mas demanda mudanças nas próprias conexões; tem tempo limitado ou limite de tempo; atravessa nossa necessidade absurda de comunicação; ofereceu-se à construção de um mundo nas nuvens, algo parecido com o “país das maravilhas” cuja alice somos nós mesmos e nossa complexidade triádica: física, cognitiva e emocional precisa ser repensada quanto à sua instantaneidade, já que as redes sociais, além da comunicação, prescindem de reflexão, tempo, silêncios e até ignorâncias (no sentido de ignorar, descartar); e investe, por exemplo, na disponibilidade de tempo de estar com de todos com todos em tempos diferentes, além da afinidade de interesses, principalmente quando o olhar precisa pinçar a atenção do jovem-aprendente.
Nossos jovens e nós somos um corpo com vários hologramas corporais na palma das mãos e na ponta dos dedos. Em favor de “mais prazer”, nós ultrapassamos o sentido da cooperação, de acordo com Spyer (2007), de natureza estática, e nos firmamos no sentido da colaboração, “um processo dinâmico cuja meta é chegar a um resultado novo a partir de competências diferenciadas dos indivíduos ou grupos envolvidos” (2007, p. 23): e tudo, sempre, por/com prazer voraz. E o jovem correndo na frente do seu prejuízo.
Essa conectividade reorganizou a neuroplasticidade e, principalmente, a neuroquímica da neuroplasticidade. Nós e os jovens estamos preenchendo nossa necessidade de interação e de estar com. Nós e os jovens estamos amenizando nosso sentimento de solidão/complementação emocional, mental e física. Telefones caseiros, celulares, notebooks e internet: construímos um mundo artificial, humanizamo-lo e ampliamos nosso poder de estar com. Mas a que preço?
Com o cérebro em conectividade intensiva, duas ações estão em andamento, porém ainda não definimos se para o bem ou para o mal: seleção e adaptação. Esqueçamos os mundos ideais; sempre conviveremos em meio à multiplicidade de mundos reais, ainda que apenas possíveis: aqueles observados de acordo com nossas imersões iniciais (primeira infância), e estas orquestrando a fundação de nossas crenças, formas de agir, certezas, éticas, escrúpulos e emoções; e elas ainda dialogando como ratificadoras ou retificadoras das crenças, formas de agir, certezas, éticas, escrúpulos e emoções alheias.
Navegar na realidade não pode incorrer no medo das tormentas: estas fortalecem as formas de agir, sentir e pensar; dão consistência à bainha de mielina, à memória e à rota das informações; e apontam para outras dimensões de só-ser e de ser-com tão exigidos pela vida em sociedade.
Hoje é muito difícil ter uma definição limite entre o mundo on-line e off-line; por isso, atenção ao julgar os mais jovens: guardadas as devidas proporções de tempo e tecnologias, eles são nós ontem; eles são eles hoje; e, de alguma maneira, precisamos ser nós mesmos para um futuro melhor. Como diz um personagem do filme Caminhos da Floresta,
— Cuidado com o que deseja... Cuidado com as crianças... Cuidado com a imaginação das crianças... Seu cérebro pode acreditar, gostar e depender disso para sempre.
Publicado em 27 de junho de 2016
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