Uma proposta enriquecedora no ensino de ciências: a construção de um aquecedor solar de garrafa PET com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental

Cristiane da Silva Oliveira Espindola

Mestranda em Educação, Gestão de Difusão em Biociências (IBqM/UFRJ), especialista em Biologia Parasitária e professora de Ciências e Biologia na Educação Básica

Introdução

Esta proposta tem como objetivo apresentar uma atividade enriquecedora da prática pedagógica. Tem como cenário o Colégio Estadual Liddy Mignone, localizado em Paty do Alferes, interior do Estado do Rio de Janeiro. Participaram do trabalho 20 alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental durante o terceiro bimestre de 2014. A proposta foi construída com base nas competências e habilidades do Currículo Mínimo, nas atividades e sugestões das orientações pedagógicas e dos roteiros e textos do Curso de Formação Continuada para professores do Estado do Rio de Janeiro. Os alunos construíram um aquecedor de garrafa PET com mediação e intervenção do professor, com o intuito de compreender, na prática, a transformação da energia solar em térmica e o funcionamento de um coletor solar caseiro. A metodologia utilizada foi a pesquisa-ação e, como coleta de dados, depoimentos dos alunos e observação participativa. Tal proposta foi extremamente enriquecedora, com participação efetiva dos alunos, promovendo a contextualização, a pesquisa, despertando a curiosidade e o interesse da turma. Além disso, possibilitou o desenvolvimento do pensamento científico, crítico e reflexivo para situações do cotidiano.

O ensino de Ciências Naturais vem sofrendo consideráveis transformações ao longo de sua História. Em seus primórdios, o ensino de Ciências era pautado na simples memorização de conceitos, tendo o professor como mero transmissor de conhecimentos acumulados pela humanidade. Com os avanços tecnológicos e a modernização da sociedade, o ensino de Ciências adquire uma nova roupagem, com documentos e propostas, a fim de despertar o interesse e a curiosidade dos alunos, o desenvolvimento do pensamento científico e melhorias na qualidade

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), “na educação contemporânea, o ensino de Ciências Naturais é uma das áreas em que se pode construir a relação ser humano/natureza em outros termos, contribuindo para o desenvolvimento de uma consciência social e planetárias”.

Sendo assim, não é mais cabível o ensino de Ciências de forma linear, fragmentada e pautada apenas no livro didático. Uma postura reflexiva, crítica e inovadora vem tomando espaço no ambiente educacional, a fim de promover a formação integral do aluno.

Nesse sentido, algumas propostas têm sugerido a integração das disciplinas científicas, buscando a interdisciplinaridade no ensino de Ciências Naturais (PCN, 1998). O que se propõe é um ensino focado na troca construtiva de ideias e conhecimento, em que aprender de forma lúdica se torna prazeroso (Pavão, 2011). Cabe ao professor fomentar a investigação, a experimentação, o debate – e não apenas transmitir o conteúdo (Pavão, 2003; Schiel, 2005).

Nessa perspectiva, pretende-se democratizar o acesso ao conhecimento científico e tecnológico, despertando o interesse dos alunos pela ciência, tornando-os cada vez mais críticos e ativos na tomada de decisão na sociedade em que vivem (Pavão, 2011).

Com o intuito de nortear a prática pedagógica, de forma clara e objetiva, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro elaborou o Currículo Mínimo de Ciências para a rede de ensino, no ano de 2012. Esse documento está alinhado às Diretrizes e aos Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como às matrizes de referência dos principais exames nacionais e estaduais.

O Currículo Mínimo contempla ações essenciais que visam à melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem, tais como: o ensino interdisciplinar e contextualizado; a oferta de recursos didáticos adequados; a inclusão de alunos com necessidades especiais; o respeito à diversidade em suas manifestações; a utilização de novas mídias no ensino; e a incorporação de projetos e temáticas transversais nos projetos pedagógicos da escola, entre outras (Currículo Mínimo, 2012).

O presente trabalho tem o intuito de apresentar uma estratégia metodológica enriquecedora no Ensino de Ciências, através da investigação e da pesquisa, despertando a curiosidade e o desenvolvimento científico, crítico e reflexivo nos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, além de promover reflexões sobre energia solar como limpa e renovável, como forma alternativa de energia, suas vantagens e desvantagens, conversão de energia solar em térmica e o funcionamento de um aquecedor solar de garrafa PET.

O trabalho foi realizado com 20 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, com faixa etária entre 14 e 15 anos do Colégio Estadual Liddy Mignone em Paty do Alferes.

O tema abordado foi “Fontes e formas de energia”, conteúdo do 3º bimestre do Currículo Mínimo. Além disso, utilizaram-se também atividades e sugestões das Orientações Pedagógicas (OPs), documento vinculado ao Currículo Mínimo.

Primeiramente, investigaram-se as concepções prévias dos alunos sobre energia solar, suas vantagens e desvantagens e sua transformação em outras formas de energia.

Posteriormente, foram utilizados vídeos do Youtube sobre energia solar a fim de dinamizar a aula e despertar o interesse dos alunos. Na aula seguinte, os alunos foram convidados a se organizar em grupos para ler textos relacionados à energia solar previamente selecionados pelo professor. Após a leitura, cada grupo apresentou suas considerações, num grande debate. Surgiu então a ideia da construção de um aquecedor solar de garrafa PET para demonstrar a transformação de energia solar em térmica. Para isso, os alunos utilizaram a sala de informática para realizar a pesquisa na internet.

Mesmo com a construção de um protótipo pequeno, com 30 garrafas PET, foi possível promover uma discussão enriquecedora sobre o tema, com participação efetiva da turma. Pôde-se constatar que os alunos ficaram motivados e interessados. Esse trabalho incentivou a pesquisa e a descoberta e promoveu reflexão e debate sobre questões atuais, envolvendo fontes e formas de energia, principalmente a energia solar. Constatou-se também, por investigação prévia, que os alunos tinham uma concepção equivocada sobre o funcionamento de um aquecedor solar; mesmo depois da pesquisa, muitos ainda tiveram certa dificuldade de entender o processo. Após a construção do aquecedor solar de garrafa PET, os alunos puderam compreender melhor o processo de transformação de energia solar em térmica e o funcionamento de um aquecedor solar para tal finalidade. Além disso, entenderam alguns conceitos relacionados à Física, como pressão, gravidade e densidade.

Essas assertivas foram constatadas pelos depoimentos e por entrevistas com os alunos. “Eu nunca tinha visto um aquecedor solar. É uma forma de economizar energia elétrica” (aluno A); “A ideia foi muito interessante, foi um trabalho coletivo, um ajudando o outro; aprendi que a água quente é mais leve e sobe o cano com mais facilidade; a água quente não se mistura com a fria porque é mais leve” (aluno B); “É mais econômico, pois utiliza a energia do Sol e não precisa gastar energia elétrica” (aluno C); “É uma forma de ajudar o meio ambiente: a energia solar se transforma em energia térmica” (aluno D).

Todo esse processo, iniciando com as concepções prévias, pesquisa e construção do protótipo, levou aproximadamente dois meses para ser concluído. Em cada aula, reservávamos alguns minutos para confeccionar alguma parte do trabalho. O aquecedor foi produzido e montado em sala de aula; ao final, fez-se uma exposição dele no pátio da escola, onde os alunos observaram, explicaram e discutiram o seu funcionamento.

Enfim, essa estratégia metodológica alcançou resultados satisfatórios, promovendo a integração e a interação dos alunos, a construção do conhecimento, contribuindo de forma positiva para o ensino e aprendizagem. No entanto, apesar de o desenvolvimento da atividade enriquecedora ter sido fundamental, o mais gratificante foi perceber que ela contribuiu satisfatoriamente para a tomada de decisão e reflexão, de modo que os alunos possam interferir conscientemente na sociedade em que vivem.

O ensino de Ciências Naturais tem sido alvo de muitas discussões no contexto atual. Além do conhecimento científico, “é essencial considerar o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, relacionado a suas experiências, sua idade, sua identidade cultural e social, e os diferentes significados e valores que as Ciências Naturais podem ter para eles, para que a aprendizagem seja significativa” (PCN, 1998).

Para Ausubel, aprendizagem significativa é um processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo (Moreira; Masini, 2001, p. 17).

Nessa perspectiva, é fundamental levar em conta o contexto social e cultural, trabalhar temas e conteúdos que sejam flexíveis, estimulando a curiosidade e o interesse dos alunos, levando em consideração os diferentes níveis ou ciclos e adequação à ordenação da sequência do assunto (Moreira; Masini, 2001, p. 48).

No entanto, não se pode prescindir do conhecimento científico, levando o aluno a construir explicações por meio da observação, da experimentação, do levantamento de hipóteses e sistematizando as ações.

No entanto, alguns entraves, como o nível de formação e as condições de trabalho dos professores, podem dificultar o trabalho prático proposto no currículo (Gimeno, 2000). Nesse sentido, o professor precisa vencer esses obstáculos, buscando estratégias viáveis para realizar as atividades práticas e investigativas.

É extremamente importante que o aluno do 4º ciclo de escolaridade já tenha contato com a aprendizagem científica, investigativa, reflexiva e crítica. Para tanto, é mister que o professor promova o desenvolvimento científico no aluno por meio de uma prática emancipatória, com atividades experimentais, lúdicas e motivadoras.

Uma estratégia viável é apresentar uma proposta de intervenção realizada junto aos alunos visando à compreensão de fenômenos e transformações que ocorrem na natureza.

Atualmente, as fontes alternativas de energia são assuntos discutidos em âmbito mundial, devido à escassez de água, à poluição e à degradação ambiental que vêm afetando a vida no planeta.

Amadeu e Neto (2008) apontam a necessidade da

utilização de formas alternativas de produção de energia e alertam que uma das alternativas energéticas ainda em desenvolvimento é o aproveitamento da energia solar, que pode ser convertida em elétrica ou até mesmo usada diretamente no aquecimento da água, sem poluir e sem causar danos ao meio ambiente.

A energia produzida pelo Sol, inesgotável e limpa, é hoje uma das alternativas energéticas mais promissoras para enfrentar os desafios energéticos em escala mundial. O Sol é a principal fonte de energia, responsável pela origem de praticamente todas as demais fontes (Cresesb, 1999).

Ensinar Ciências via práticas motivadoras significa inovar, incentivar, interagir e dinamizar a aula, deixando de ser apenas uma mera transmissão de conteúdo.

Para Cachapuz (1989), cabe ao professor, quando repensar sua prática, pesquisar metodologias que se adaptem à realidade do aluno e a partir daí desenvolver atividades que possam estimular a compreensão de conceitos, despertar a curiosidade e a criatividade do aluno, tornando-o capaz de fazer uso do conhecimento para entender o mundo e resolver problemas do cotidiano.

Não se pode mais conceber um ensino de Ciências apenas na transmissão de mero conteúdo, linear e fragmentado, focado somente no livro didático. É preciso ir além, investir efetivamente em práticas pedagógicas inovadoras e motivadoras.

Ao propor a construção de um pequeno aquecedor solar de garrafas PET como prática motivadora, é oferecida a oportunidade de realizar uma atividade na qual seu aluno observa um fenômeno, desperta a curiosidade e possibilita o desenvolvimento do pensamento científico. Além disso, promove a reflexão e a tomada de soluções como cidadão responsável e crítico sobre as questões ambientais e sociais.

Nesse sentido, dá ao aluno a oportunidade de realizar atividades interativas e colaborativas, tornando-os atores protagonistas de seus próprios projetos. A Educação em Ciências Naturais caminha nesse sentido, promovendo e desenvolvendo o pensamento científico, tendo o professor como mediador, colaborador e problematizador do ensino e aprendizagem e não mais aquele que transmite o conhecimento para um aluno receptor e passivo.

Ao participar dessa proposta, os alunos mencionaram que foi muito mais fácil entender o processo de transformação da energia solar em térmica e o funcionamento do coletor solar, pois realmente não aconteceu apenas com leitura dos textos sugeridos pelo professor e por pesquisa feita pelos alunos.

De fato, a atividade prática contribui potencialmente para a compreensão de um assunto, além de possibilitar a participação efetiva do aluno e o desenvolvimento do pensamento científico, crítico e reflexivo.

Referências

ALANO, J. A. Manual sobre a construção e instalação do aquecedor solar com descartáveis.Tubarão. Disponível em: http://josealcinoalano.vilabol.uol.com.br/manual.htm. Acesso em set. 2014.

ALMEIDA, A. L. et al. Roteiro de Ação 5: construindo um coletor solar. Curso de Formação Continuada de Biologia (ou Ciências). 9º ano – 3º bimestre, 2014.

ALMEIDA, A. L. et al. Texto base 5: pequeno panorama das aplicações da energia solar. Curso de Formação Continuada de Biologia (ou Ciências). 9º ano – 3º bimestre, 2014.

AMADEU, D. I.; NETO, M. H. M. Aquecedores solares produzidos com materiais recicláveis como motivador de reflexões sobre fontes de energia e aquecimento global em uma Feira de Ciências. Disponível em: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_dalva_ines_amadeu.pdf. Acesso em fev. 2015.

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CACHAPUTZ, A. et al. A necessária renovação do ensino de ciências. São Paulo: Cortez, 2005.

DWORAKOWSKI, L. A. Q. et al. O aquecedor solar na sala de aula. Experiências em Ensino de Ciências, v. 5(2), p. 147-162. Universidade Federal do Pampa/Unipampa, 2010.

FERREIRA, R. R.; FLHO, P. C. S. Energia Solar FV – Geração de energia limpa. Disponível em: http://connepi.ifal.edu.br/ocs/index.php/connepi/CONNEPI2010/paper/viewFile/1828/1058. Acesso em set. 2014.

MOREIRA, M.A.; MASINI, E. F. S. Aprendizagem significativa. A teoria de David Ausubel. São Paulo. Centauro, 2001.

PAVÃO, A. C. Ensinar ciências fazendo ciência. In: PAVÃO, Antonio Carlos e FREITAS, Denise (orgs.). Quanta ciência há no ensino de ciências. São Carlos: EdUFSCar, 2011.

RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Educação. Currículo Mínimo: Ciências e Biologia. 2012.

ZANCUL, M. C. S. O ensino de ciências e a experimentação: algumas reflexões. In: PAVÃO, Antonio Carlos e FREITAS, Denise (orgs.). Quanta ciência há no ensino de ciências. São Carlos: EdUFSCar, 2011.

WILSEK, M. A. G.; TOSIN, J. A. P. Ensinar e aprender Ciências no Ensino Fundamental com atividades investigativas através da resolução de problemas. Curitiba, 2009. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1686-8.pdf. Acesso em fev. 2015.

Publicado em 27 de junho de 2016

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