A escola no combate ao Aedes aegypti: uma ação ecopedagógica e interdisciplinar
Ailza de Freitas Oliveira
Mestra em Linguística e Ensino, professora de Artes Cênicas (PMJP)
Refletindo sobre a Escola e os temas atuais
A escola tem sido espaço para o desenvolvimento das várias temáticas atuais, que é necessário incorporar aos conhecimentos didáticos e metodológicos para que possam ser desenvolvidas no âmbito da sala de aula.
Por força de leis, decretos e necessidades oriundas as unidades escolares e da comunidade circunvizinha, temas transversais são desenvolvidos em forma de projetos, programas e/ou ações, de maneira transversal, interdisciplinar e transdisciplinar, entre outros. Diante do exposto, concordamos que,
não diferente de todos os aspectos pedagógicos que integram o ambiente escolar, sejam eles tecnológicos ou não, passar pelo processo de planejar, aplicar, avaliar e replanejar é vital ao seu sucesso. Assim como também é vital ao sucesso escolar permitir a abertura de perceber e perceber-se simultaneamente exercendo os papeis sociais de aluno e professor (Oliveira, 2012, p. 35).
Nos últimos anos, percebemos uma crescente e, sobretudo, vital necessidade de atuação pedagógica sobre conteúdos que afligem toda a sociedade. Para além de conteúdos programáticos, valores, deveres e direitos, a escola aprende e ensina sobre as necessidades humanas.
Em forma de epidemia, o mundo atual se depara com a catástrofe ocasionada por um mosquito que espalha por onde passa doenças, muitas delas com sequelas. E, em pânico, autoridades, profissionais das áreas da saúde e educação clamam por atitudes preventivas da população. O ex-ministro da Saúde Marcelo Castro, no Portal Brasil, afirma que
a forma mais eficaz de prevenção e combate a esse vetor é não deixar o mosquito nascer. É muito importante que as crianças e adolescentes, junto com os familiares, possam dedicar 15 minutos por semana para eliminar os criadouros do Aedes aegypti. A mobilização da comunidade escolar é fundamental para enfrentar essa situação de forma permanente (Castro, 2016, p. 1).
A escola, como recorte real da sociedade à qual pertence, tem se transformado num espaço de sensibilização para o combate ao Aedes aegypti. Juntos, profissionais das mais variadas áreas planejam atividades coletivas que promovam o combate à epidemia em que estamos inseridos.
Neste trabalho, relataremos uma experiência interdisciplinar realizada numa escola pública da rede municipal no município de João Pessoa, com 166 estudantes do segundo segmento do Ensino Fundamental, nas turmas do 6º ao 9º ano, com faixa etária entre 11 e 17 anos de idade, ministrada nas aulas de Artes Cênicas.
O combate e o controle do Aedes aegypti
Os danos causados pelo mosquito são conhecidos e atingíveis mundialmente. Observando o histórico de doenças, percebemos que “por muito tempo, a dengue e a febre hemorrágica de dengue constituíram problemas restritos aos países do Sudeste Asiático e da Oceania. Somente a partir da década de 1980 a doença disseminou-se pelas Américas” (Braga; Valle, 2007a, p. 1), e sua disseminação tem sido rápida. Infelizmente.
Em leituras sobre a propagação e mutação do mosquito, são muitos os fatores apontados como causa. Alguns deles são temas abordados nas escolas de forma preventiva às doenças causadas pelo mosquito vetor. Observamos na afirmativa a seguir alguns aspectos que contribuem e contribuíram para a epidemia.
A dengue tem se propagado de forma significativa devido a fatores como o aumento das populações urbanas; aumento da reprodução de mosquitos pelo fornecimento irregular de água e práticas tradicionais de armazenagem de água; má coleta de lixo (criando mais criadouros de mosquitos); resistência dos mosquitos aos inseticidas; movimento de seres humanos infectados; disseminação dos mosquitos da dengue; educação sanitária inadequada; recursos financeiros limitados e programas insuficientes de controle aos mosquitos vetores (Kerr et al., 2009, p. 154).
Conforme já afirmamos, programas, projetos e ações de vários âmbitos surgem para ser desenvolvidos na escola, como forma de prevenir e conscientizar sobre o combate. No entanto, o poder de mutação e multiplicação do mosquito tem superado a vontade de combate da população, que pode não ter entendido ainda a gravidade dessa epidemia.
Os próprios órgãos reguladores substituíram a intenção de combater pelo desejo de controlar. Não se busca mais erradicar, mas manter o controle do vetor, pois os casos de doenças se multiplicam assustadoramente, conforme os dados relacionados a seguir.
Na segunda metade do século XX, a partir de 1986, a dengue adquiriu importância epidemiológica, quando irrompeu a epidemia no Estado do Rio de Janeiro e a circulação do sorotipo 1, que logo alcançou a Região Nordeste. Dessa forma, a dengue se tornou endêmica no Brasil, intercalando-se epidemias, geralmente associadas à introdução de novos sorotipos, em áreas anteriormente indenes (Braga; Valle, 2007a, p. 2).
Estudos recentes que estão em andamento fazem a associação da microcefalia em bebês aos casos de zika vírus em gestantes; com isso, a população aparentemente acordou para a necessidade de agir. O medo, em sintonia com a visibilidade dos números de óbitos e sequelas, tem motivado equipes ao trabalho intenso de combate ao mosquito.
Não cabe à população apenas o controle, mas a difícil meta, agora, de controlar o problema, pois o Aedes aegypti é um vetor dessas várias doenças, e não deixá-lo se multiplicar tem se transformado em questão de prevenção à saúde pública e manutenção da vida. Como pontuam os autores,
Sabemos do desafio para o controle de uma doença que apresenta características distintas em relação aos aspectos biológicos, ecológicos, como a reprodução do vetor que, em sua maioria, é desencadeada e atrelada às atividades e as condições sociais da espécie humana, tornando-se complexos e ainda não completamente conhecidos os fatores determinantes do ressurgimento da dengue, caracterizado como um problema de saúde pública (Araùjo et al., 2016, p. 10).
Não obstante tal combate ao vetor tenha entrado em pauta escolar de forma mais enfática nos últimos anos, em leituras sobre o histórico dos programas nacionais de controle do Aedes aegypti e das políticas nacionais implementadas, percebemos que, apesar da não eficiência, há muito se vêm realizando ações institucionais. Conforme afirmam os autores a seguir,
o combate ao Aedes aegypti foi institucionalizado no Brasil de forma sistematizada a partir do século XX. Diversas epidemias de febre amarela urbana ocorriam no País, levando à morte milhares de pessoas. Uma primeira campanha pública contra a FAU, iniciada por Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro (1902-1907), instituiu as brigadas sanitárias, cuja função era detectar casos de febre amarela e eliminar os focos de Aedes aegypti. Entre 1928 e 1929, ocorreu uma epidemia que, iniciada na cidade do Rio de Janeiro, disseminou-se para outros municípios do Estado, com registro de 738 casos e 478 óbitos (Braga; Valle, 2007a, p. 3).
Hoje, o número de doenças atribuídas ao vetor vem crescendo, assim como suas mutações e os casos confirmados com registros de implicações em diversos lugares do mundo.
Ao longo dos anos, o Brasil conseguiu eliminar o vetor por alguns períodos; há registros de que por duas vezes, em 1955 e 1973, o vetor foi comprovadamente eliminado (Braga; Valle, 2007a, p. 4), no entanto houve o retorno; em 2001 “a Funasa abandonou oficialmente a meta de erradicar Aedes aegypti do país e passou a trabalhar com o objetivo de controlar o vetor”, e em 2002 foi implantado o Programa Nacional de Controle da Dengue.
Em 2003, conforme descrevem Braga e Valle (2007b, p. 5), foi criada a Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, que abriga as pesquisas e ações de controle ao vetor.
Apesar dos esforços e estudos científicos direcionados ao controle, a população vem assistindo ao aumento de casos. Percebemos que, diante da ineficácia de alguns setores, várias esferas sociais têm se associado na luta contra o vetor. Diante disso, compete também às escolas, por intermédio de seu corpo docente, protagonizar ações de conscientização ao combate. Um exemplo de tal prática é o que vamos relatar neste artigo.
A interdisciplinaridade em prol da educação significativa
Muito se fala e pratica interdisciplinaridade no âmbito escolar. Ao pesquisarmos, vários são os relatos exitosos resultantes de um trabalho pedagógico realizado em equipe. Para Carvalho et al. (2016, p. 85), “o educador deve buscar, para além de sua área de conhecimento, relacionar o conhecimento de seu domínio com o de outras áreas da vida”. Assim, trabalha com maior amplitude.
Atribuir significados ao que se ensina e aprende no âmbito escolar perpassa no ideal traçado abaixo:
A escola pública deve ser um espaço para as diferentes etnias e gêneros se afirmarem e se integrarem com os saberes do senso comum historicamente construídos, relacionando-os com a ciência, interdisciplinando assim os conteúdos no processo de ensino e aprendizagem (Mendonça, 2015, p. 147).
Partindo do prévio conhecimento dos estudantes, ampliamos saberes técnicos sobre os males causados pelo vetor e, assim, pudemos realizar ações preventivas e de combate com significados relevantes à comunidade escolar.
A pertinência da Ecopedagogia no âmbito escolar
Para Gadotti (2000), a Ecopedagogia abrange, além da educação sustentável, a ampliação do nosso ponto de vista para uma ecoformação, praticando uma cultura de sustentabilidade com novas atitudes, crendo que a terra necessita de um caminhar significativo de nossa parte. O autor afirma que
a Ecopedagogia não é uma pedagogia a mais, ao lado de outras pedagogias. Ela só tem sentido como projeto alternativo global em que a preocupação não está apenas na preservação da natureza (Ecologia Natural) ou no impacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais (Ecologia Social), mas num novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista ecológico (Ecologia Integral), que implica uma mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais. Ela está ligada, portanto, a um projeto utópico: mudar as relações humanas, sociais e ambientais que temos hoje. Aqui está o sentido profundo da Ecopedagogia, ou de uma Pedagogia da Terra, como a chamamos (Gadotti, 2000, p. 7).
Dito isto, pensar em Ecopedagogia é pensar num ser humano integral, colaborativo para a evolução planetária com responsabilidade e sensibilidade vitais ao bom funcionamento.
Figura 1 - Jogo da memória com ilustração de combate ao vetor, confeccionado pela turma do 7º ano. Foto da autora.
Após a teoria que fundamentou nossas ações pedagógicas, atuamos com a utilização de materiais reciclados na fabricação de jogos didático-pedagógicos que visaram ao reforço da prevenção no combate ao vetor.
Figura 2 – Jogo da trilha com questões de combate ao vetor, confeccionado pela turma do 9º ano. Foto da autora.
Confeccionamos em equipe 26 jogos de quatro tipos diferentes: jogo da memória, jogo de damas, quebra-cabeça e trilha, além da escrita dramatúrgica de sete textos que foram encenados com teatro de bonecos e da criação de oito paródias elaboradas e apresentadas sobre o tema.
Figura 3 - Jogo de dama com imagens de combate ao vetor, confeccionado pela turma do 7º ano. Foto da autora.
Construímos também um painel coletivo com ilustrações de placas publicitárias com frases de combate ao vetor; apresentamos as peças e paródias, expomos o painel e utilizamos os jogos no evento de culminância do projeto.
Refletindo sobre nossos resultados
Como desejo pedagógico inicial tivemos a prevenção e o combate ao vetor. No entanto, como resultados atingidos, tivemos uma prática envolvente e significativa em que, por intermédio da brincadeira, da participação em equipe, da fundamentação ampliada nas diversas disciplinas curriculares e da colaboração da equipe pedagógica, percebemos que nossa prática superou nossas expectativas.
Figura 4 – Jogo da memória com imagens de combate ao vetor, confeccionado pela turma do 7º ano. Foto da autora.
Em função do direito de imagem, optamos por inserir fotografias apenas dos jogos, sem a prática de nossas utilizações; no entanto, no evento de culminância, presenciamos mais do que a exposição de objetos confeccionados para compor quantitativamente as notas escolares. Vislumbramos estudantes e funcionários envolvidos no brincar e aprender.
Referências
ARAÚJO, Isabel Cristina Nunes de; ARAÚJO-JORGE, Tania Cremonini de; MEIRELLES, Rosane Moreira Silva de. Prevenção à dengue na escola: concepções de alunos do ensino médio e considerações sobre as vias de informação. Disponível em <http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/venpec/conteudo/artigos/1/pdf/p227.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2016.
BRAGA, Aparecida Ima; VALLE. Denise. Epidemiologia e Serviços de Saúde - Aedes Aegypti: histórico de controle no Brasil. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742007000200006>. Acesso em: 08 mar. 2016.
______. Epidemiologia e Serviços de Saúde - Aedes Aegypti: vigilância, monitoramento da resistência e alternativas de controle no Brasil. Disponível em: <http://dx.doi.org/10. 5123/S1679-49742007000400007>. Acesso em: 08 mar. 2016.
BRASIL. Portal Brasil. Saúde na Escola mobiliza 18 milhões de alunos contra o Aedes. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/saude/2016/03/saude-na-escola-mobiliza-18milhoes -no-combate-ao-aedes>. Acesso em: 08 mar. 2016.
CARVALHO, Bernardina Silva de; COSTA, Francisco Xavier Pereira da; COSTA, Rosilene Silva Santos da. Conversando sobre metodologia do ensino. In: CANANÉA, Fernando Abath (Org.). Educação - olhares diversos. João Pessoa: Imprell, 2016.
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra - ideias para um debate. I Fórum Internacional sobre Ecopedagogia. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Universidade do Porto, Portugal, 24 a 26 de março de 2000. Disponível em <file:///C:/Users/cliente/Downloads/Ped._da_Terra_-_ideias_centrais_-_Moacir_Gadotti .pdf>. Acesso em: 17 maio 2016.
KERR, Warwick Estevan et al. Todos contra a dengue. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/revextensao/article/view/20421/10883>. Acesso em: 08 mar. 2016.
MENDONÇA, Karla Jeniffer Rodrigues de. Reflexões sobre a escola pública popular e suas múltiplas culturas. In: CANANÉA, Fernando Abath (Org.). Percursos educacionais ação-reflexão-ação. João Pessoa: Imprell, 2015.
OLIVEIRA, Ailza de Freitas. A linguagem artística frente à fragmentação da identidade e da comunicação humana. In: CANANÉA, Fernando Abath (Org.). Educação dialogada. João Pessoa: Imprell, 2012.
Publicado em 05 de julho de 2016
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