Histórias em quadrinhos e suas contribuições para o ensino da Matemática no Ensino Médio
Bruno Santos Nascimento
Licenciado em Matemática (UnG), pedagogo (Uninove), especialista (UnG), professor no Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), ETEC Gildo Marçal Bezerra Brandão – São Paulo
Introdução
O presente artigo visa apresentar o trabalho desenvolvido com os alunos do 2º ano do Ensino Médio Regular da Escola Técnica Estadual Gildo Marçal Bezerra Brandão, vinculada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, no bairro de Perus, no município de São Paulo, durante o ano letivo de 2012, com o uso de histórias em quadrinhos nas aulas de Matemática para diversificar e desmistificar o ensino e a aprendizagem da disciplina. A partir de situações vivenciadas pelo docente durante as aulas, com a realização de um projeto em que os alunos criaram histórias em quadrinhos envolvendo conteúdos matemáticos, foram relatadas as etapas do trabalho docente e discente e os resultados alcançados após a conclusão do projeto. A metodologia adotada foi o trabalho de campo, num projeto realizado com os alunos, a pesquisa bibliográfica na busca de informações direcionadas pela inquietação do docente, com abordagem qualitativa de cunho exploratório e descritivo.
Ao longo dos anos, os alunos vêm encontrando cada vez mais dificuldades em relacionar os conteúdos matemáticos com o seu cotidiano. Cabe ao professor procurar meios e/ou novas metodologias para deixar a Matemática mais atrativa e participativa ao aluno.
Ensinar Matemática é desenvolver o raciocínio lógico, estimular o pensamento independente, a criatividade e a capacidade de resolver problemas. Nós, como educadores matemáticos, devemos procurar alternativas para aumentar a motivação para a aprendizagem, desenvolver a autoconfiança, a organização, concentração, atenção, raciocínio lógico-dedutivo e o senso cooperativo, desenvolvendo a socialização e aumentando as interações do indivíduo com outras pessoas (Groenwald; Timm, 2006).
As histórias em quadrinhos (HQs) são alternativas para atrair o aluno para as aulas, pois são
obras ricas em simbologia – podem ser vistas como objeto de lazer, estudo e investigação. A maneira como as palavras, imagens e as formas são trabalhadas apresenta um convite à interação autor-leitor (Rezende, 2009, p. 126).
O presente trabalho foi realizado com 80 alunos das duas turmas de 2º ano do Ensino Médio da ETEC Gildo Marçal Bezerra Brandão, no município de São Paulo, durante o ano de 2012, onde o professor ministrava aulas de Matemática. Perus é um distrito localizado na zona noroeste da cidade de São Paulo. O aniversário do distrito é comemorado em 21 de setembro. O bairro conserva muitas histórias ao longo dos anos. Muitos protestos importantes ocorreram na região, com destaque nas mídias nacional e internacional. O bairro abriga em sua área a maior escola do Estado de São Paulo, uma referência em toda a região.
Perus também abrigou, em seu território, a primeira fábrica de cimento do país, a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, que produzia o mais denso e original cimento, com sua cor bem escura. Porém, depois de muitos protestos populares, a fábrica de cimento fora desativada.
Outro aspecto importante em Perus é a Estada de Ferro Perus-Pirapora, que se encontra desativada, mas existem projetos de sua reativação, tanto que o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) já classificou a região da Estrada de Ferro como Patrimônio Histórico. Várias empresas e empresários contribuem para a reativação da Estrada, como a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que tem um projeto de turismo na região.
O distrito, em constante crescimento, é ainda carente de alguns serviços, mas empresas grandes, multinacionais se instalaram na região, onde fazem a economia do distrito avançar. O distrito é dividido em três: industrial, residencial e comercial. A parte industrial do distrito concentra-se, em sua maioria, às margens da Rodovia Anhanguera. Com a fusão entre os distritos de Perus e Anhanguera, a região de Perus representa uma área de mais de 57,2km². As Rodovias Anhanguera e Bandeirantes, que "cortam" a região, fazem com que parte dos bairros de Perus ficasse longe do centro do bairro e de outras localidades dentro do mesmo distrito, dando a impressão de ser outros bairros.
Por ser um distrito com muitas necessidades, isso também se reflete na educação. A implantação da escola técnica em 2010 foi um grande avanço para a população.
Como professor, fui motivado a realizar esse trabalho pelo fato de perceber, após avaliação diagnóstica, que os alunos apresentavam muitos problemas com conceitos matemáticos vistos anteriormente e que a didática inicialmente não estava surtindo os efeitos esperados para alcançar as habilidades e competências dos alunos.
Esse não foi um tema abordado na minha graduação, mas ao longo das aulas, fui notando que os alunos gostavam de ler diversos materiais, em especial os gibis em formato mangá.
O objetivo do trabalho foi valorizar e desenvolver no educando habilidades de ouvir, criar e desenvolver histórias e contos que englobem os conteúdos vistos em sala da aula no componente curricular de Matemática.
Neste trabalho será relatado, de forma sintetizada, o projeto realizado com os educandos e os resultados alcançados.
Histórias em quadrinhos
O trabalho sequencial que é utilizado nas histórias em quadrinhos é muito valorizado em diversos países, em especial na Europa. Na América do Sul, em especial na Argentina, temos diversas produções, com destaque para a consagrada Mafalda – uma menina precoce e questionadora – e seus amigos, personagens que possuem uma incrível carga de crítica político-social.
As histórias em quadrinhos começaram no Brasil no século XIX, adotando um estilo satírico conhecido como cartuns, e que depois se estabeleceria com as populares tiras diárias. Maurício de Sousa é um dos mais famosos cartunistas, com sua Turma da Mônica, em que, além de contar histórias do cotidiano de um grupo de crianças, procura inserir questões relevantes da sociedade, como a inclusão de pessoas com necessidades especiais.
As histórias em quadrinhos têm sido utilizadas como recurso didático em diversos componentes curriculares, pois oferecem uma variedade de possibilidades, ajudando os alunos na compreensão de temas complexos das diversas disciplinas.
Santos (2003, p. 2) afirma que os quadrinhos envolvem, em seu potencial, muitas aplicações, como incentivo à leitura, utilização em livros didáticos, aprendizado de línguas estrangeiras; discussão de temas; dramatização; e educação popular.
É difícil conhecer alguém que não goste de quadrinhos desde a infância, como forma de desenvolver e estimular a leitura, até a idade adulta, como lazer. Os quadrinhos sempre foram uma mídia sedutora para o público infanto-juvenil.
Afonso e Andrade (2011, p. 4) afirmam que
é inegável a necessidade de integrar diferentes linguagens nas aulas em todos os níveis de ensino. A utilização das diferentes linguagens para o ensino de História vem contribuindo para a dinamização do cotidiano da sala de aula, diversificando a prática do ensino da disciplina, permitindo melhor compreensão por parte dos alunos da mensagem que o professor deseja que ele receba.
As histórias em quadrinhos, gibis e tirinhas podem ser utilizadas para introdução de um tema e a discussão sobre temas já estudados, para aprofundar os conhecimentos, para ilustrar uma ideia etc. Desse modo, a metodologia não fica centrada nos livros didáticos como única forma de informação.
Um formato de gibi que tem vários seguidores é o mangá. Mangá é a palavra usada para designar história em quadrinhos feita no estilo japonês. No Japão, o termo designa quaisquer histórias em quadrinhos. Vários mangás dão origem a animes para exibição na televisão, em vídeo ou em cinemas, mas também acontece o processo inverso, em que os animes tornam-se uma edição impressa de história em sequência ou de ilustrações.
Os mangás têm suas raízes no período Nara (século VIII d.C.), com o aparecimento dos primeiros rolos de pinturas japonesas: os emakimono. Eles associavam pinturas e textos, que contavam uma história à medida que eram desenrolados. O primeiro desses emakimono, o Ingá Kyô, é a cópia de uma obra chinesa e separa nitidamente o texto da pintura.
A partir da metade do século XII, surgem os primeiros emakimono com estilo japonês. O Genji Monogatari Emaki é o exemplar de emakimono mais antigo; o mais famoso é o Chojugiga, atribuído ao bonzo Kakuyu Toba e preservado no templo de Kozangi, em Kyoto. Nestes últimos surgem, diversas vezes, textos explicativos após longas cenas de pintura. Os emakimono deram origem aos kamishibai, os teatros de papel ambulante. Essa prevalência da imagem assegurando sozinha a narração é hoje uma das características mais importantes dos mangás.
Figura 1: Exemplo de arte no estilo mangá
Projeto
O trabalho foi realizado com os alunos do 2º ano da ETEC Gildo Marçal Bezerra Brandão, no bairro de Perus, município de São Paulo, em 2012. O objetivo do trabalho foi valorizar e desenvolver no educando habilidades de ouvir, criar e desenvolver histórias e contos que englobem os conteúdos vistos em sala da aula no componente curricular de Matemática.
Foi proposto aos alunos que se dividissem em grupos de cinco alunos, que ficaram responsáveis pela criação de uma história que envolvesse conteúdos matemáticos, da série atual ou de séries anteriores. Quando houve a separação, o professor solicitou que os grupos fossem formados em torno dos alunos que soubessem desenhar, para que estes ficassem responsáveis pela ilustração dos gibis.
Ao longo de um bimestre, os alunos tiveram uma aula por semana para se reunir e elaborar os trabalhos. O professor esteve presente em todos os momentos como um mediador, auxiliando nos conceitos matemáticos e realizando as correções necessárias.
A avaliação dos trabalhos foi realizada de forma contínua, visto que o professor acompanhou todo o processo. Outro método utilizado para realizar a avaliação foi com fichas de trabalhos, onde os alunos puderam relatar como o trabalho estava sendo realizado fora das aulas.
Figura 2: Modelo de relatório-avaliação
Ao final do projeto, foram entregues dezesseis gibis, oito de cada turma, com os seguintes títulos:
- Milito;
- Incógnita sombria (mangá);
- Troll;
- As cinco amigas: comendo e aprendendo;
- Máfia décimo 14!;
- As fadas e o elfo sem retas;
- Os mistérios da fração;
- O X da questão com Lázaro Ramos;
- A Matemática do desconhecido;
- Matemática constante;
- Aprendendo a Matemática;
- PornoMan vai à escola: subtraindo a adição;
- Muleke-Piranha em: aplicando a Matemática;
- Filippo Potter e o enigma de Pitágoras;
- Mônica: a menina que calculava;
- O menino que fracionava.
No gibi Mônica: A menina que calculava, o grupo criou a história de Yslan, que encontra Mônica na rua e pede ajuda para terminar a lição de casa sobre progressão aritmética (PA).
Figura 3: Capa do gibi Mônica: A menina que calculava.
Mônica explica para ele que progressão aritmética é uma sequência que segue um padrão em que cada número da sequência é definido como termo. Posteriormente ela deu um exemplo de sequência: 5, 8, 11, 14... determinando que o primeiro termo a1 é 5, a2 é 8, a3 é 11 e a4 é 14. Yslan ficou com dúvida sobre como encontrar o quinto elemento, a5. Mônica esclareceu que para encontrar o termo seguinte seria necessário somar a razão (diferença entre o segundo e primeiro termo) ao quarto termo. Desde modo, a5 é 17. Depois ela esclareceu que, com a fórmula an = a1+ (n – 1).r poderiam ser encontrados quaisquer números de uma PA e passou um exemplo para esclarecer.
Depois Yslan apresentou uma dúvida sobre progressões aritméticas finitas e infinitas. Mônica esclareceu que as PAs finitas são aquelas de que conhecemos o início e o fim; das PAs infinitas não sabemos o último valor.
No final da história, Yslan volta para casa para terminar a sua tarefa.
Vale ressaltar que, ao longo dos trabalhos, foi observado que algumas produções refletiam muito a própria realidade dos alunos, como o título PornoMan vai à escola: subtraindo a adição.
Figura 4: Capa do gibi PornoMan vai à escola: subtraindo a adição.
A produção conta a história de um jovem com três identidades: aluno, super-herói e garoto de programa. O aluno tem dificuldades na escola, mas precisa ajudar em casa e salvar o mundo. Fica evidente que o aluno tem que se sentir um super-herói para dar conta de tudo o que lhe é cobrado.
O personagem foi interpretado por um aluno do grupo e passou a ser trabalhado em outros componentes curriculares; também esteve em um canal do Youtube durante o tempo de permanência dos alunos na escola.
Foi observado também, o grande envolvimento dos alunos com leituras infantojuvenis, visto que, em alguns casos, eles criaram histórias com paródias de títulos já existentes.
Figura 5: Capa do gibi Filippo Potter e o enigma de Pitágoras, em referência ao livro Harry Potter e o Enigma do Príncipe, de J. K. Rowling
Outro fato que não passou despercebido foi a escolha de um trabalho em estilo mangá, um dos fatores geradores deste trabalho.
Figura 6: Capa do gibi Incógnita Sombria, que faz referência ao mangá
Os alunos também utilizaram artifícios de tecnologia para a criação dos gibis. Com auxílio de alguns programas, alguns grupos criaram os seus trabalhos de forma digital.
Figura 7: Capa do gibi As cinco amigas: comendo e aprendendo, feito em programa próprio
As correções e os comentários aos trabalhos foram feitos em uma ficha à parte para cada grupo, para que os trabalhos não fossem “poluídos” visualmente. Após as devidas correções e a atribuição das menções, foi organizada uma pequena exposição na sala de aula ambiente, para que os demais alunos da escola pudessem conhecer o trabalho desenvolvido e pudessem compartilhar esse novo conhecimento.
Em outro semestre letivo, foi proposto aos alunos que realizassem gibis que fossem doados a ONGs locais.
Considerações finais
Segundo Fiorentini e Miorim (1990), “as dificuldades encontradas por alunos e professores no processo de ensino-aprendizagem da Matemática são muitas e conhecidas. Por um lado, o aluno não consegue entender a Matemática que a escola lhe ensina”; por outro, professores despreparados têm dificuldade em repensar a prática pedagógica.
Os autores afirmam que prova disso é “a participação cada vez mais crescente de professores nos encontros, conferências ou cursos. É nesses eventos que percebemos o grande interesse dos professores pelos materiais didáticos e pelos jogos” (Fiorentini; Miorim, 1990).
Dois aspectos devem ser levados em consideração ao trabalhar com esse tipo de projeto: o lúdico e os conhecimentos prévios que os alunos apresentam.
Segundo Groenwald e Timm (2006), “o lúdico é uma necessidade permanente de qualquer pessoa em qualquer idade”. Desse modo, é de grande valia o seu uso em qualquer fase da aprendizagem.
Muitos professores têm medo de dialogar com os alunos sobre o que já trazem de bagagem de vida, seus conhecimentos, pois acreditam ser os donos do saber.
Segundo Gadotti (1999, p. 2), para pôr em prática o diálogo com os alunos o educador não deve colocar-se na posição de detentor do saber, e sim como aquele que não sabe tudo e está disposto a aprender, reconhecendo que mesmo um analfabeto é portador do conhecimento mais importante: o da vida. Esses conhecimentos prévios, se bem utilizados, podem levar o aluno a gostar das aulas e do que está sendo estudado.
Segundo Paulo Freire (1996, p. 96),
o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é, assim, um desafio e não uma cantiga de ninar. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.
Com este projeto, pode-se perceber uma maior participação por parte dos alunos e o professor precisou se preparar melhor para os temas apresentados pelos alunos.
O projeto ajudou a despertar em outros docentes o interesse em trabalhar com essa metodologia. A professora de Português solicitou trabalhar com as correções ortográficas das próximas produções. Os professores de Física e Química também utilizaram essa metodologia para trabalhar alguns conceitos.
Apesar de ser um processo trabalhoso para o professor no processo de mediação, o uso de histórias em quadrinhos nas aulas proporcionou ao professor reinventar sua didática e progressivamente atrair a atenção dos alunos, que geralmente são desmotivados a aprender Matemática.
Referências
AFONSO, E. A.; ANDRADE, J. P. S. O uso das histórias em quadrinhos como recurso didático-pedagógico para o ensino de história e literatura. Disponível em: http://www.coped-nm.com.br/terceiro/images/anais/alfabetizacao_letramento/pdf/edna_joao_paulo.pdf. Acesso em 22 nov. 2015.
FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no ensino da Matemática. 1990. Disponível em http://www.drb-assessoria.com.br/1UmareflexaosobreousodemateriaisconcretosejogosnoEnsinodaMatematica.pdf. Acesso em 22 nov. 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GADOTTI, M. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1999.
GROENWALD, C. L. O.; TIMM, U. T. Utilizando curiosidades e jogos matemáticos em sala de aula. Canoas: Ed. Ulbra, 2006. Disponível em http://www.somatematica.com.br/artigos/a1/. Acesso em 22 nov. 2015.
Rezende, L. A. Leitura e formação de leitores: vivências teórico-práticas. Londrina: EdUEL, 2009.
SANTOS, R. E. A história em quadrinhos na sala de aula. In: XVI Congresso Brasileiro de Comunicação, 2003, Belo Horizonte. XXVI Congresso Brasileiro de Comunicação, 2003.
Publicado em 19 de julho de 2016
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