A produção de histórias em quadrinhos como estratégia para o ensino do tema transgênicos na modalidade EJA
Alexandre Sebastião Lobato Ramos
Professor de Biologia (Seeduc-RJ), especialista no ensino de ciências (IFRJ)
Introdução
Este trabalho foi realizado como avaliação de uma turma do quarto módulo do Ensino Médio (EM) na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Estadual Estado de Israel, pertencente à IV Coordenadoria da Região Metropolitana da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc/RJ).
A proposta consistiu na utilização de histórias em quadrinhos (HQs) como ferramenta didática facilitadora do processo de ensino e aprendizagem do tema “Transgênicos”, considerando que as HQs são um dos gêneros de leitura mais lidos do mundo e que seu uso em sala de aula está legitimado, na Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (nº 9.394/96). A lei sugere a abordagem dos conteúdos a partir de “formas mais contemporâneas de linguagem” (Brasil, 1996), e o Programa Nacional Biblioteca na Escola (1997) passou a distribuir HQs para as escolas (Vergueiro; Rama, 2004) e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997).
Num panorama em que as disciplinas de Ciências em geral são vistas pelos alunos como enfadonhas e/ou amedrontadoras, em virtude do ensino livresco e conteudístico (Roças; Dos Anjos, 2006; Valadares, 2001), é papel do professor oportunizar atividades que alterem a rotina da aula, criando ambientes mais dinâmicos, atraentes 4e divertidos; as HQs, com sua linguagem cativante e atual, possuem esta vocação, propiciando ludicidade ao acesso à informação científica.
Descrição metodológica
Inicialmente, sondamos o conhecimento que os alunos já traziam sobre o tema; para isso, aplicamos um questionário antes da produção dos quadrinhos. Ao fim do trabalho, aplicamos o questionário novamente, por entender que assim poderíamos detectar mudanças no modo de pensar dos alunos sobre o conteúdo (Lakatos; Marconi, 1983).
Depois, convidamos os alunos a escolher o formato a ser utilizado na produção das HQs utilizando o recorte e colagem de ilustrações encontradas em jornais e revistas para a definição dos personagens; argumentos e diálogos deveriam ser inéditos, com o que os alunos concordaram e propuseram utilizar os personagens da Turma da Mônica.
Numa segunda etapa, realizamos uma aula em que apresentamos aos alunos o que era uma HQ, sua história e seus diversos formatos; e os conteúdos do tema. Também orientamos os alunos a pesquisar o assunto na internet, em jornais e programas de TV. A turma se dividiu em cinco grupos para a produção das HQs, e todos os alunos colaboraram em alguma etapa da atividade.
As HQs foram expostas em sala de aula por ocasião de um evento na agenda da Seeduc-RJ (Projeto de Leitura Escolar). Por iniciativa dos alunos, foi montada uma pequena feira com produtos orgânicos e transgênicos.
Ao final do projeto, entrevistamos novamente os alunos e comparamos os dados das duas entrevistas para avaliação da HQ como mediadora do conteúdo “Transgênicos”. Os resultados obtidos foram representados através de gráficos para facilitar a comparação (Mucchilelli, 1978).
Resultados e discussões
Gráfico 1 - Você sabe o que significa que um alimento é “transgênico”?
Poucos alunos sabiam o que significa a denominação “transgênico” (Gráfico 1) dada a alguns produtos. Após a atividade, quase todos afirmaram reconhecer essa informação, um evidente sinal do potencial das HQs como ferramenta pedagógica para trabalhar conteúdos em salas de aula.
Gráfico 2 - Você sabe como identificar um alimento ou produto que contenha substâncias geneticamente modificadas?
No Gráfico 2, antes da atividade, temos uma indicação do desconhecimento quase total, por parte dos alunos, da forma de identificação utilizada para os produtos fabricados com insumos transgênicos. Essa foi uma das discussões com maior participação da turma, que se mostrou impressionada por não perceber a sinalização gráfica ou a informação nutricional dos produtos transgênicos.
Também foi intensamente debatida a proposta que contém novas formas de identificação para estes produtos,[1] que tramita no Congresso brasileiro, o que evidencia o poder de mobilização de ideias e de estímulo à cidadania que esse gênero textual, como ferramenta pedagógica, possui (Caruso, 2005).
Gráfico 3 – Você compraria ou já comprou um alimento transgênico?
Hesitantes ao responder esta pergunta do questionário, provavelmente por não saber, até aquele momento, como identificar um produto transgênico, após a atividade quase todos os alunos responderam já ter comprado ou que comprariam um produto transgênico. Os alunos demonstraram espanto com a quantidade de produtos que fazem parte da dieta comum de suas famílias que são produzidos com insumos transgênicos. Esse estranhamento motivou-os a apresentar uma feira com produtos orgânicos e transgênicos.
A iniciativa dos alunos, criando acréscimos à dinâmica da atividade, pode ser vista como evidência do papel da HQ como elemento que estimula a criatividade, abre novas frentes de discussão sobre os conteúdos e suas aplicações.
Gráfico 4 – Para você, um alimento transgênico pode ser saudável?
Antes da atividade, apenas dois alunos responderam que alimentos transgênicos poderiam ser saudáveis (Gráfico 4); posteriormente, esse número passou para quatro alunos. Não há estudos definitivos sobre benefícios ou prejuízos causados pelo uso de transgênicos em nossa alimentação (Nodari; Guerra, 2001), contudo tais produtos são muitas vezes apresentados como “vilões”, o que pode explicar esse resultado.
Foi bastante discutida entre os alunos a existência de pesquisas que “defendiam” os transgênicos e outras que os criticavam. A visão dos alunos era de uma ciência “dona da verdade”, que cientistas e pesquisadores são “autoridades inquestionáveis” e que na ciência, como “detentora do conhecimento”, não deveria haver divergências ou contradições.
Nesse ponto, foi importante a atuação mediadora do professor para ajudá-los a entender que a ciência e a tecnologia não são neutras, que atendem às demandas sociais, políticas e econômicas do seu tempo e que, estas sim, estão por trás do seu desenvolvimento (Navas, 2008; Favila; Adaime, 2013; Marandino et al., 2007). Essa situação evidencia a importância de uma educação científica na escola que não privilegie apenas os conteúdos, mas também crie momentos onde se discuta a ciência e suas relações com a sociedade.
Nesse contexto, o número maior de alunos com uma nova opinião sobre os transgênicos, após a atividade, indica que as HQs podem ajudar na formação de opiniões que se contraponham ao que outros canais de informação sugerem (Rama; Vergueiro, 2004) e podem “propiciar debates em torno de juízo de valores que são aceitos ou não pela sociedade” (Luyten, 2011, p.23).
Gráfico 5: Onde você ouviu pela primeira vez a palavra "transgênico"?
Todos os alunos que, antes da atividade, conheciam a expressão “transgênicos”, obtiveram esse contato pela TV. O restante do grupo tomou conhecimento do tema e do seu significado com esta atividade na escola.
Esse resultado sugere que a TV e a escola são canais efetivos para a informação científica. Nenhum dos alunos tomou conhecimento desse assunto pela internet, o que pode significar que a internet ainda não é presente como ferramenta de ensino para a escola e para os alunos (Thobias, 2000; Souza, 1997).
Os quadrinhos se mostraram eficientes como ferramenta pedagógica aplicada ao aprendizado do conteúdo “Transgênicos”; mais do que isso, esse gênero textual estimulou o debate e a crítica, atitudes fundamentais para o exercício da cidadania.
Referências
BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27.834- 27.841.
CARUSO, F.; MIRIAM, C.; SILVEIRA, M. C. O. Ensino não formal no campo das ciências através dos quadrinhos. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 57, nº 4, p. 33-35, 2005. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v57n4/a19v57n4.pdf. Acesso em: 24 nov., 2015.
FAVILA, M. A.; ADAIME, M. Uma análise da contextualização na perspectiva CTSA sob a ótica do professor de Química. Revista do Centro do Ciências Naturais e Exatas - UFSM, Santa Maria, v. 13, nº 13, out.-dez, p. 2865 – 2873, 2013.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia científica. São Paulo, Atlas, 1983.
LUYTEN, S. M. B. História em quadrinhos, um recurso para a aprendizagem. Salto para o futuro, introdução. Ano XXI, boletim 1, 2011. p. 5-9.
MARANDINO, M.; NAVAS, A. M.; CONTIER, D. Controvérsia científica, comunicação pública da ciência e museus no bojo do movimento CTSA. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007. Não paginado.
MUCCHIELLI, R. O questionário na pesquisa psicossocial. São Paulo, Martins Fontes, 1978.
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RAMA, A.; VERGUEIRO, W. Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. 4ª ed. São Paulo, Contexto, 2004.
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SOUZA, A. R. A internet e o ensino de ciências: Situação atual. Ciência e Educação, Bauru, v. 04, nº 01, p. 54-64, 1997.
THOBIAS, M. A. L. S. A internet e o ensino de ciências. Dissertação (mestrado), Ensino de Ciências, Universidade Estadual Paulista – UNESP, 2000. 126 f.
VALADARES, E. Novas estratégias de divulgação científica e de revitalização do ensino de ciências nas escolas. Física na escola, v. 2, nº 2, 10-13, 2001.
[1] Projeto de Lei da Câmara, nº 34/2015. Autoria: deputado Luís Carlos Heinze. Altera a Lei nº 11.105/2005. Altera a Lei de Biossegurança para liberar os produtores de alimentos de informar ao consumidor sobre a presença de componentes transgênicos quando esta se der em porcentagem inferior a 1% da composição total do produto alimentício. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120996.
Publicado em 13 de setembro de 2016
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