O reconhecimento técnico dos profissionais não docentes: sua implementação nos sistemas de ensino
Antonio Gomes da Costa Neto
Doutorando em Ciências Sociais (UnB)
Introdução
O reconhecimento profissional do saber formal e informal dos funcionários da escola, desde o advento da Lei nº 12.014/09, quando houve por bem disciplinar as categorias de profissionais da Educação, ou seja, que alterou a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – tem sido recorrente nas discussões dos sistemas de ensino.
Esse fato tem relação com a Emenda Constitucional nº 53/06, que por sua vez discorreu sobre a necessidade do estabelecimento de um piso nacional dos profissionais da educação escolar pública, fato que se consumou tão somente em relação ao magistério.
No tocante aos profissionais da Educação não docentes, o piso nacional ainda é uma incógnita; a manifestação das entidades de classe é incipiente, ou mesmo qualquer questionamento perante o Poder Judiciário de ausência dessa regulamentação, o que denota a ausência de reconhecimento dos demais profissionais.
As atividades relacionadas aos não docentes, além daquelas integrantes dentro das unidades de ensino, de igual forma são aquelas praticadas pelo Estado na atividade de controle governamental na Educação.
Cumpre-nos sempre destacar essa distinção, eis que o poder extroverso do Estado de competência exclusiva dos profissionais não docentes que integram o rol das atividades fim (operadores da Educação), isto é, as atribuições que não podem ser objeto de autorização, terceirização ou publicização, nas quais estão inseridas as funções de regulamentar, fiscalizar e de promover o fomento da Educação.
Nesse sentido, opera-se sempre uma discussão sobre o direito à Educação, costumeiramente interpretado à luz das atribuições do ensino, como aquelas áreas responsáveis pela transmissão de conhecimento formal ou informal que podem ser repassadas à iniciativa privada, cujas funções são aquelas desempenhadas pelos operadores do ensino ou magistério (atividade meio).
Estabelecidas essas premissas, destacamos que o presente texto tem relação com o exercício e a capacitação dos profissionais dos diversos sistemas de ensino cuja formação tem sido objeto de manejo nos últimos anos, não se efetivando por razões de interpretação sob o cunho da necessidade do concurso público, além do óbice do provimento derivado.
Porém os aspectos aqui delineados sustentam que o presente reconhecimento não esbarra no provimento derivado ou ausência de concurso, eis que foram observados os requisitos da formação inicial e continuada dos profissionais da Educação.
Pressupostos
Para realização dos pressupostos, diretrizes e procedimentos, em relação ao reconhecimento e aproveitamento dos conhecimentos, saberes e competências profissionais formais e não formais para fins de comprovação e profissionalização, há de se buscar essa aplicação no próprio interior do sistema de ensino e das suas normas de aplicação.
Inicialmente, a Constituição Federal (Art. 206, incisos VI, VII e VIII, § único), discorre sobre a valorização das categorias consideradas como profissionais da Educação, com especial atenção aos programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (art. 208, VII, CF).
Destacar-se-ia a inserção dos profissionais da Educação não docentes na consecução do direito subjetivo ao ensino gratuito (Art. 208, incisos VII, § 1º, CF), repisado nas constituições estaduais, na Lei Orgânica do Distrito Federal e na Lei Orgânica dos Municípios, ao dispor sobre a importância da formação e especialização dos profissionais da educação.
Dentre os princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) destaca-se a valorização dos profissionais da Educação (Art. 61, incisos I, II e III), além de proporcionar a formação continuada com o “aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras atividades” (Art. 61, § único, inciso III).
Destacadamente, na parte da legislação sobre a “formação dos profissionais a que se refere o inciso III do Artigo 61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas” (Art. 62-A), considerando ainda a possibilidade de ser efetuado no “local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação” (§ único do Art. 62-A).
Estabelece como pré-requisito para a formação continuada dos profissionais da Educação em seus diversos níveis (Art. 63, inciso III), além da necessidade de graduação ou pós-graduação (Art. 64), a garantia de valorização dos profissionais da educação com progressão funcional baseada em titulação ou habilitação específica (Art. 67, incisos I, II, III, IV).
O recente Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/14) garante a valorização dos profissionais da educação (Art. 2º, inciso IX), asseverando a função dos gestores estaduais, distrital e municipais na adoção e cumprimento de metas (Art. 7º, § 1º), destacando-se entre essas metas e estratégias a criação de centros multidisciplinares com equipes de profissionais (itens 4.5 e 4.13), com formação continuada (7.4, 7.5, 7.22, 7.29 e 13.9).
Nesse aspecto, um fato de importância são as escolas de governo, tanto nas áreas de Educação ou Gestão Pública, em que o maior destaque nos últimos anos pode ser atribuído ao Programa Profuncionário, o qual tem buscado capacitar diversos profissionais da área de ensino, inclusive já tendo sido ofertado à iniciativa privada, fato que deve ser considerado importante.
E ainda podemos ressaltar a presença no Plano Nacional de Educação da oferta dos programas de reconhecimento de saberes (11.5), além de uma Política Nacional de Formação (15, 15.4), aludindo em especial à oferta de cursos de nível técnico, tecnólogos e nível superior (15.10) aos não integrantes do magistério, estipulando dentre outras situações a formação de todos os profissionais da educação básica, em especial considerando as “necessidades e contextualizações dos sistemas de ensino” (meta 16, Lei nº 13.005/14).
Vale observar que os planos estaduais, distrital e municipais de educação são pautados no Plano Nacional, consequentemente recepcionando a valorização dos profissionais da Educação em suas metas e estratégias, no fomento do reconhecimento dos saberes, em consonância com os regimes jurídicos a que estiverem vinculados, além da participação e do acompanhamento obrigatório dos fóruns de formação profissional.
Podemos citar a decisão o Conselho Nacional de Educação (CNE), quando da apreciação em sua Câmara de Educação Básica (CEB), no que tange ao aproveitamento de estudos (Parecer nº 11/15), que reconhece a possibilidade de proceder ao reconhecimento dos saberes profissionais e dos estudos desenvolvidos pelos diversos profissionais, lastreados em decisões anteriores (Resolução CNE/CEB nº 4/10, 06/12) do órgão de assessoria.
Não se pode deixar de fazer alusão a que esse procedimento se encontra no precedente sobre a valorização dos Profissionais da Educação (Resolução nº 05/10 – CNE), quando detentores de cursos de nível “técnico e superior” (Art. 2º, CNE), e propõe alguns preceitos, destacando a progressão, que “contemplem titulação, experiência, desempenho, atualização e aperfeiçoamento profissional” (Art. 4º, inciso V, CNE), com a valorização do tempo de serviço prestado (Art. 4º, inciso VI, CNE), propondo diferenças salariais em virtude de qualificação e formação profissional (Art. 5º, incisos V e VI, CNE).
A Resolução nº 05/10 do CNE prevê o “aproveitamento da experiência e formação anteriores em instituições de ensino e outras atividades” (Art. 5º, inciso XIII, “c”, CNE), em pós-graduação e em colaboração (Art. 5º, incisos XIV e XV, CNE), com a “elevação dos níveis de escolaridade” e o “contínuo aproveitamento de estudos” (Art. 5º, inciso XVIII, “b”, CNE), com mecanismos de progressão na Carreira (Art. 7º, inciso XX, CNE).
Essa operacionalização pode ser verificada no sistema federal com o advento da Portaria Ministerial nº 08/14 do Ministério da Educação (MEC), por meio da Rede Nacional de Certificação e Formação Profissional e seus programas, quando institui o “reconhecimento formal de conhecimentos, saberes e competências profissionais desenvolvidos em processos formais e não formais de aprendizagem e na trajetória de vida e trabalho”, notadamente, através dos institutos federais de ensino.
Implantação
Apresentados os pressupostos sobre a previsão de sua existência, buscaremos demonstrar que se faz necessária a implantação nos sistemas de ensino, pelas razões de valorização dos profissionais da Educação não docentes, podendo incluir as atividades de Estado na Educação, e mesmo os integrantes da iniciativa privada.
Quando se promove o reconhecimento técnico profissional, necessariamente haverá de se regulamentar o aproveitamento dessa formação, cuja consequência é o fortalecimento dos diversos sistemas de ensino e o reconhecimento das habilitações dos profissionais em Educação, sem o risco de descumprir normas.
Em relação aos benefícios diretos, podemos asseverar o reconhecimento dos programas de formação já realizados durante a jornada laboral quando do aprendizado pelo exercício regular de atividades daqueles ministrados pelas diversas escolas de governo, bem como do Programa Federal de Formação de profissionais não docentes.
É necessária a realização de um novo perfil profissiográfico que busque observar as competências com especialidades que contemplem o reconhecimento dos conhecimentos, observando as especificações e competências dos diversos cargos, inclusive com a parceria essencial dos órgãos de classe.
No tocante ao orçamento, talvez um dos poucos modelos que não gera impacto financeiro ao erário é o reconhecimento profissional, eis que em sua grande maioria já foi realizado nos diversos cursos de formação, além da própria atividade diária do profissional, o que não altera os seus requisitos de ingresso, eis que é vedado o provimento derivado.
Reconhecimento técnico profissionalizante
Para regulamentar as atribuições dos profissionais, podemos observar que muitos deles já estão ocupando funções correlatas aos cargos de ingresso, ou mesmo, a função para a qual foi contratado.
Na questão de nível técnico profissional, em especial aqueles inerentes aos cursos técnicos, Eixo Tecnológico de Desenvolvimento Educacional e Social, por meio de mapeamento de competências, podemos localizar os diversos profissionais que atuam no sistema de ensino com habilitação específica.
Não podemos deixar de observar que algumas atribuições ou mesmo especialidades possuem requisitos expressos de habilitação, inclusive com necessidade de registro profissional no órgão de fiscalização.
Caberia ao sistema de ensino promover o devido reconhecimento, distribuindo esse profissional a partir da análise de competências, cuja nova atribuição, agora inserida no rol das atividades e especialidades promoveria o reconhecimento.
Reconhecimento das licenciaturas, bacharelados e pós-graduações
No tocante aos cursos de licenciatura, denota-se que uma parcela dos integrantes do sistema de ensino por vezes é possuidora de graduação em cursos de licenciatura que não integram as habilitações dos profissionais inseridos nas atividades dos órgãos ou mesmo daqueles para cujas atividades se faz necessário o registro em Conselho de Classe.
Responder-se-ia de forma igualitária ao técnico profissionalizante, ou seja, nessa perspectiva, caberia a definição de um estudo profissiográfico em licenciatura para reconhecimento e aproveitamento desses profissionais de forma a atuarem nas atividades relacionadas às atividades desses cursos.
Seria o mesmo caso nos cursos de bacharelado não integrantes do rol de licenciaturas: que fosse precedido por um estudo reconhecendo o aproveitamento do conhecimento para garantir habilitações de identificação de situações específicas não conflitantes com as especialidades das quais há requisito de conselho de classe ou atribuições inerentes à atividade do cargo já estabelecidas pelas leis diversas dos sistemas de ensino.
O mesmo deve ser observado em relação aos cursos de pós-graduação, quando seria formulado um estudo na área temática da capacitação desenvolvida, com o fito de melhor aproveitamento dos cursos, inclusive como forma de fornecer a devolutiva em cursos de formação continuada.
Notadamente, os cursos de pós-graduação, em seus diversos níveis, em relação ao campo de Educação, podem suprir eventuais diferenças em relação ao contexto da área.
Propostas
A regulamentação do aproveitamento de conhecimento, consequentemente, deve ter análise pormenorizada de um estudo profissiográfico com mapeamento das habilitações das especialidades, demonstrando a economia de recursos, pois sem essa alteração, os profissionais não podem desenvolver as respectivas habilitações.
Nesse sentido, compete aos estados, Distrito Federal e municípios promover a alteração da formação continuada, em que podemos asseverar que podem ser definidas algumas premissas:
- Regulamentação dos pressupostos, das diretrizes e dos procedimentos, em relação ao reconhecimento e aproveitamento dos conhecimentos, saberes e competências profissionais formais e não formais para fins de comprovação e profissionalização no âmbito das secretarias de Educação;
- Elaboração de estudo profissiográfico com mapeamento das competências das especialidades técnico-profissionalizantes dos profissionais da Educação;
- Elaboração de estudo profissiográfico com mapeamento das competências das especialidades de licenciatura dos profissionais da Educação;
- Elaboração de estudo profissiográfico com mapeamento das competências das especialidades de bacharelado dos profissionais da Educação;
- Elaboração de estudo profissiográfico com mapeamento das competências das especialidades de pós-graduação dos profissionais da Educação.
Essa posição contempla a formação inicial e continuada dos profissionais da Educação no seu dever de Estado, constitui-se em valorização dos profissionais da Educação, representa o reconhecimento do Estado para sua atividade em favor da sociedade, dando destinação específica aos recursos públicos.
Considerações finais
A hipótese proposta, quando dispõe sobre a qualificação do profissional, reconhece a capacidade de promover o melhor desenvolvimento dos sistemas de ensino, bem como representa a gestão de recursos humanos e a boa governança pública.
De igual sorte encontra-se inserida no dever-poder do Estado de promover um serviço público de qualidade, consequentemente capaz de atender aos anseios da sociedade, eis que esses aguardam a devolutiva dos recursos públicos investidos nessa capacitação.
O presente procedimento contempla o princípio da economicidade, além da transparência, eis que os recursos públicos envolvidos devem ter destinação correta: garantir o direito pleno à educação.
O reconhecimento profissional do saber formal e informal dos funcionários da escola, por sua importância, é recorrente; sua discussão nos sistemas de ensino é necessária, havendo importância para os atores sociais interessados.
O que se buscou demonstrar é que o reconhecimento não é provimento derivado ou mesmo uma tentativa de não haver o concurso público; constitui-se no reconhecimento da formação inicial e continuada dos profissionais da Educação não docentes.
Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
BRASIL. Lei nº 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
BRASIL. Lei nº 12.014, disciplina a categoria de profissionais da Educação.
BRASIL, Lei nº 13.005, Plano Nacional de Educação.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer nº 11/15. Consulta sobre educação profissional e aproveitamento de estudos.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 04/10. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 06/12. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 05/10. Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Funcionários da Educação Básica Pública.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 08/14. Regulamenta o desenvolvimento de processos de certificação profissional no âmbito da Rede Nacional de Certificação Profissional – Rede Certific.
Publicado em 11 de outubro de 2016
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