A importância da Educação Física em locais de risco social

Marcelo Bittencourt Jardim

Especialista em Psicomotricidade (IBMR), em Educação Pública (Cecierj), em Saúde Coletiva (SUS–UFRJ), licenciado em Educação Física (UniPli), pesquisador e membro do Comitê Editorial Internacional da Revista Odep (Chile)

Breno Felipe Behnken Costa

Bacharelando de Comunicação Social – Jornalismo (UFF)

A Educação Física surgiu em minha vida de forma bem sutil, quando fui jogador profissional de futebol de campo e modelo comercial de duas agências do Rio de Janeiro. Percebi que cuidar do corpo, da mente, fazer uma alimentação balanceada e exercícios-atividades físicas regularmente estava ligado à Educação Física; foi a primeira impressão que tive e, quando me aposentei precocemente da carreira como atleta profissional de futebol e modelo, despertou meu interesse em estudar e saber mais sobre essa ciência.

Quando ingressei na universidade, comecei a estudar os temas que eram considerados de grande valia para a sociedade e que estavam ligados diretamente à Educação Física. Notei que a Educação Física tem um olhar humanizado de ajudar o próximo ao se vincular à saúde física e mental das pessoas e tem o objetivo de prevenção e cura de determinadas enfermidades num contexto terapêutico. Além disso, é fundamental na formação básica da criança, principalmente nas comunidades carentes, devido à sua atuação no contexto psicossocial (psicológico, social e cognitivo), no conhecimento corporal da criança, em suas possibilidades de ação e intervenção social.

Conheci duas disciplinas ligadas à Educação Física: a Educação Especial e a Psicomotricidade; aí a paixão se transformou em amor pela profissão e pela prática em locais de risco e com pessoas com deficiências, o que me faz crescer muito como sujeito e como docente universitário, com palestras e publicação de artigos em revistas como a do Conselho Federal de Educação Física, da Associação Brasileira de Psicomotricidade, na Lecturas: Educación Física y Deportes (de Buenos Aires) e no Observatorio del Deportes, inclusiones e do Centro de Estudios y Perfeccionamiento Universitário en Investigación de Ciencia Aplicada y Tecnológica. Reuni minhas experiências no livro Amor que educa: O afeto como instrumento primordial na atuação do educador físico com crianças e jovens de comunidades carentes no Rio de Janeiro.

Para meu orgulho, o livro foi aceito na Biblioteca do Confef e na livraria da PUC-RS para pesquisa na área da Educação Física, Psicomotricidade e Educação. 

Foi assim o surgimento da Educação Física na minha vida, sempre priorizando desenvolver e ajudar os sujeitos necessitados da sociedade. 

O trabalho com crianças

Meu trabalho com criança ditas normais e com deficiências que residem em locais de risco social permanente tem como foco o esporte, que é um dos conteúdos da Educação Física, junto com jogos, danças, ginástica e luta. A prioridade é a inclusão social, a relação social e a socialização entre discentes e suas famílias e docentes, tendo como objetivo o desenvolvimento integral desses discentes em seus aspectos psicomotores, afetivos e cognitivos nas atividades elaboradas, realizando eventos de integração com a comunidade, desenvolvendo o respeito mútuo, a cooperação e a solidariedade, permitindo que crianças matriculadas na Educação Básica participem de atividades educacionais, esportivas, lúdicas e recreativas para ocupar o tempo ocioso.

Para o esporte ser uma ferramenta real de cidadania em locais de vulnerabilidade social, os responsáveis (no caso, os docentes) têm que estar com disponibilidade para realizar atividades com coerência, sem preconceitos e de conscientização.

Como podemos contribuir de forma digna e honesta com esse público carente de vários aspectos? O esporte na comunidade carente tem que enfatizar a comunicação humana, a socialização, o respeito mútuo, os comportamentos afetivos e emocionais indispensáveis à conquista do conhecimento teórico e pratico das atividades e ao bem-estar pessoal e social, influenciando também e diretamente o comportamento dessas crianças com suas famílias, provocando bons relacionamentos entre amigos, com seus parentes e com seus pais, com função de prevenção e intervenção na vida dessas crianças e jovens em situação de risco social.

É necessário que as escolas tenham preocupação também com a formação de valores em seus educandos para formar cidadãos de bem e críticos.

A Educação Física pode ajudar a educação formal na formação do indivíduo pela conscientização da relação social com o corpo e com as diferenças – físicas, sociais, religiosas e materiais; desenvolvendo os temas transversais em palestras como: saúde, meio ambiente, ética, pluralidade cultural, orientação sexual, trabalho e consumo; em passeios.

Historicamente a Educação Física e o esporte veiculam a ideia de corpo saudável, o que estimula a noção de eficiência, privilegiando a integridade física e funcional do corpo. Vivemos uma mistura de etnias que pede o respeito às regras, entre outros valores vivenciados no cotidiano da prática esportiva, para a convivência harmoniosa e o fortalecimento da autodeterminação e autoestima do povo.

Como educadores, devemos avaliar nossa prática e refletir se estamos de fato contribuindo para uma educação crítica, pensante e inclusiva ou para uma educação de condicionamento e reprodução de conceitos.

Em dois casos, tive a oportunidade de vivenciar na íntegra mudanças nas vidas de estudantes e na sociedade, relatadas no livro. Essas experiências foram construídas com muito amor, trabalho, respeito e o principal: meu corpo, com disponibilidade para afetar e ser afetado por essas experiências.

A primeira experiência começou na inclusão de uma criança de 11 anos de idade e de seu irmão, que era envolvido no tráfico de drogas. A menina tinha abandonado a escola e já fazia parte da prostituição, sendo aliciada por sujeitos ociosos da comunidade; pude perceber, em algumas conversas dela com os traficantes, que ela gostava de Matemática. Tive a percepção e a destreza de incluir Matemática nas minhas atividades de Educação Física quando ela estava no local; essa foi minha estratégia, que despertou o interesse dela pelas atividades; ela teve a vida transformada: voltou para a escola. Seu irmão era traficante e observou a melhora na vida dela, e isso serviu de interesse para ele ir ao programa social; lá ele foi incluído, saiu do tráfico e foi trabalhar como pedreiro com seu padrasto.

O segundo relato foi a inclusão social de um adolescente com neurofibromatose e autismo. Ele teve sua vida transformada pelas atividades coletivas e individuais e o principal: pela socialização e interação que eu fazia. Esse adolescente não participava de nenhuma atividade em sua escola, na comunidade e ficava trancado no quarto de sua casa somente interagindo com o celular. Quando tive a oportunidade de conhecê-lo, me esforcei para resgatá-lo; para incluí-lo, usei uma estratégia que muito docentes deveriam usar: disponibilidade e amor. Foi maravilhoso ver. De um jovem que não interagia com ninguém, passou a ser respeitado na comunidade, recebendo o apelido carinhoso de "Capitão", pois ele ministrava aulas comigo. Ele teve sua vida transformada em vários aspectos, tanto em sua deambulação, como em aspectos cognitivos e afetivo-sociais; foi meu principal trabalho com ele.

Publicado em 20 de dezembro de 2016

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