Gerenciamento de resíduos nos laboratórios de ensino de Química
João Paulo Santos Neves
Licenciado em Química (IFG – Câmpus Uruaçu)
Gilmar Aires da Silva
Docente do IFG – Câmpus Uruaçu
Luciano Alves da Silva
Docente do IFG – Câmpus Uruaçu
Introdução
O crescimento acelerado da população humana, devido ao processo civilizatório, gerou diversos produtos e subprodutos decorrentes das atividades exercidas pelos diferentes setores econômicos, sociais e educacionais. Tais atividades e resíduos provocaram desequilíbrios em seus ciclos originais, ultrapassando a capacidade de resiliência do meio ambiente. A demanda econômica favoreceu o crescimento do fluxo de deposição de rejeitos, assim como as diferentes atividades humanas inerentes a esse segmento. No Brasil, segundo a Associação Brasileia de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a geração total de resíduos sólidos urbanos (RSU) no Brasil em 2014 foi de aproximadamente 78,6 milhões de toneladas, o que representa um aumento de 2,9% em relação ao ano anterior. Esse fluxo de deposição dos rejeitos acaba voltando ao ciclo de vida dos seres humanos sob forma de poluição, radiação, contaminação e chuva ácida, entre outras. Assim, é notória a necessidade de observar também os resíduos gerados dentro dos laboratórios de ensino e pesquisa, pois, mesmo não dispondo de dados regulatórios para explicitar o aumento ou decrescimento do quantitativo residual, eles potencializam os danos ao meio ambiente, caso não sejam coletados, armazenados e tratados de maneira correta.
A sociedade vivencia uma evolução considerável em seu acervo de pesquisa e produção científica; utiliza os recursos da natureza como matéria principal, tanto para sua sobrevivência como para bens de consumo. No entanto, essas transformações causam danos ao nosso planeta. Assim, uma importante discussão volta suas atenções para o cuidado com o meio ambiente, para que os impactos causados sejam os menores possíveis, uma vez que é a partir dele que é possível desenvolver estas atividades (Afonso et al., 2003).
As estratégias traçadas acerca dessas discussões convergem à preservação ambiental, resultando em uma evolução consciente dos cidadãos e empresas que se beneficiam do ambiente. Uma das preocupações principais reflete sobre a geração de resíduos sólidos, líquidos e gasosos em laboratórios, uma vez que seu destino final de algum modo é a atmosfera, solos ou cursos d’água (Mozeto; Jardim, 2002).
Segundo Baird (2004), esses laboratórios precisam ser considerados em discussões acerca das alterações ambientais, uma vez que a maior parte dos resíduos químicos gerados provém desses locais. Contribuindo para esse agravante, a maioria dos laboratórios das universidades não dispõe de um programa de gerenciamento de resíduos químicos e, se dispõe, não está adequado à legislação vigente.
Os laboratórios das instituições de ensino, mesmo não sendo grandes geradores de resíduos químicos, comportam grande quantidade de material estocado, que tem seu uso quase diário em atividades executadas pelos alunos, ou seja, torna-se inquestionável a geração de resíduos, mesmo que em pequenas quantidades (Souza, 2014). Sobre a geração de resíduos nesses laboratórios, poucas discussões ainda são feitas. Na grande maioria, não há gestão de resíduos devido à falta de um órgão fiscalizador, e infelizmente o descarte inadequado ainda continua ocorrendo (Jardim, 1998).
Muitas vezes os reagentes não estão armazenados de forma correta, o que proporciona perda na qualidade desse material, implicando maior consumo nas aulas práticas, gerando consequentemente maiores quantidades de resíduo. O que torna mais grave versa sobre o descarte inadequado desses resíduos, levando a um grande impacto ambiental.
A Lei nº. 12.305/10, em seu art. 9o, dispõe sobre as diretrizes aplicáveis aos resíduos sólidos; menciona que, na gestão e gerenciamento desses resíduos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Embora a lei aponte algumas formas de gerir e diminuir a quantidade de resíduos, os laboratórios de ensino de Química ainda não dispõem de mecanismos concretos para tornar reais as exigências, pois muito se menciona a questão da poluição ambiental por parte dos resíduos gerados pelas indústrias de transformação de produtos, mas os laboratórios de ensino e pesquisa não são mencionados, uma vez que também são contribuintes consideráveis para o impacto ambiental (Baird, 2004).
Mesmo com a existência de uma legislação não diretamente relacionada aos laboratórios de ensino, mas que dispõe de forma geral sobre os resíduos gerados em laboratórios, ainda existe a falta de gestão e de um descarte seguro, ambientalmente adequado e economicamente viável. Isso resulta em um descaso com o meio ambiente e polariza as discussões somente no âmbito industrial, tornando comum encontrar nos espaços universitários o descarte de resíduos sem nenhuma seletividade, controle e tratamento, sendo os líquidos descartados diretamente na pia e os sólidos nas lixeiras comuns (Souza, 2014).
O estudo apresentado neste artigo buscou estudar e verificar as formas de descarte dos resíduos químicos provenientes das aulas experimentais do curso de Licenciatura Plena em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Câmpus Uruaçu. Para tanto, foram feitas observações diretas dos resíduos gerados nas aulas experimentais e entrevistas com os responsáveis técnicos do laboratório, para que fossem propostos debates e uma audiência interna no câmpus, a fim de implantar um programa de gerenciamento de resíduos.
Ao longo dos anos houve crescente preocupação com o meio ambiente por parte da sociedade e de todos os indivíduos e órgãos que a compõem, justificada pelas inúmeras modificações climáticas e alterações antrópicas. Assim, tais discussões se sustentam na poluição ambiental que tem contribuição por parte dos resíduos gerados pelos laboratórios, sejam de indústrias, de manipulação ou de ensino e pesquisa (Baird, 2004). O descarte seguro, ambientalmente adequado e economicamente viável é o maior desafio enfrentado pelas universidades.
Segundo Souza (2014), a implantação de uma gestão ambiental nos laboratórios acadêmicos das universidades acarretaria a minimização dos resíduos químicos perigosos, se possível fazendo a reciclagem, levando em conta a viabilidade e o desenvolvimento de tecnologias limpas no tratamento dos resíduos. Outro mecanismo de minimizar a geração de resíduos consiste na redução da quantidade de reagentes a serem utilizados em cada aula, pois, segundo Afonso et al. (2003), alguns aspectos devem ser levados em consideração, pois facilitam e ajudam no gerenciamento dos resíduos:
- Prevenir a geração de resíduos, modificando ou substituindo o experimento por outro menos impactante;
- Minimizar a proporção de resíduos perigosos, por meio da utilização de pequenos volumes, uma vez que o trabalho em microescala, além de gerar pouco resíduo, pode ainda diminuir os custos com reagentes a curto e longo prazo.
Assim, há a necessidade de um programa que trate os resíduos gerados nos laboratórios para que não sejam descartados ou destinados de qualquer forma no meio ambiente (Amaral et al., 2001).
A fim de analisar a forma de tratamento de resíduos gerados no Laboratório de Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Câmpus Uruaçu, foram analisadas bibliografias que tratavam do assunto; dessa forma, foi possível verificar o que a literatura sugere quanto ao gerenciamento dos resíduos. A partir das leituras, a rotina do laboratório foi observada, bem como a forma de acondicionamento dos resíduos gerados; assim foi possível elaborar um questionário semiaberto para os técnicos responsáveis pelo Laboratório.
Segundo esses técnicos, o que ainda se consegue realizar em termos de tratamento de resíduos são neutralizações ácido base de forma paliativa e precipitação de alguns metais pesados na forma de hidróxidos e cloretos notadamente insolúveis. Ainda segundo eles, as substâncias obtidas são estocadas em embalagens plásticas como destino final.
Segundo Jardim (1998), tanto o reaproveitamento do resíduo – esteja ele dentro ou fora da unidade de ensino – como seu destino final são atividades que requerem pesquisa criteriosa, principalmente quando se trata da disposição final de resíduos considerados Classe I (resíduos perigosos) e Classe II (não inertes).
Afonso et al. (2003), Souza (2014) e Jardim (1998) corroboram as atividades que minimizam o uso de reagentes, buscando diminuir a geração de resíduos, quer por reaproveitamento, reúso, troca num banco de resíduos e/ou recuperação. Nos casos industriais, a disposição final é geralmente um aterro sanitário (ou lixão). No caso dos resíduos químicos gerados em laboratórios de ensino, pesquisa e prestação de serviços, o destino final encontrado pela grande maioria é ignorado ou difuso (pias, ralos, terrenos baldios, agregados ao lixo doméstico).
No entanto, independentemente de o resíduo ser sólido ou líquido, bem como de sua fonte geradora, a destinação final deve sempre ser feita conforme normas e procedimentos exigidos pelo órgão estadual de proteção ambiental. Assim, um devido tratamento dos materiais residuais provenientes das aulas de laboratório implica o acompanhamento na sua geração com relação às condições em que foram gerados, a fim de dar o devido tratamento e disposição final adequada (Braga et al., 2002).
Observações in loco apontam que o tratamento dos resíduos provenientes das aulas carece de um gerenciamento que ainda não está implementado no câmpus. Segundo os técnicos, tal fato se justifica pela falta de condições elementares e essenciais, como embalagens adequadas, local de armazenamento adequado, identificação sistemática dos resíduos e um contrato por parte da instituição com órgãos responsáveis para recolher os resíduos.
Segundo Santos (2005), é importante que a instituição esteja realmente disposta a implementar e sustentar um programa de gerenciamento de resíduos, pois o insucesso de uma primeira tentativa normalmente desacredita tentativas posteriores. Outro aspecto importante é o humano, pois o sucesso do programa está fortemente centrado na mudança de atitude de todos (alunos, funcionários e docentes).
Após ser realizada a primeira etapa da pesquisa, ficou evidente que era necessária uma política adequada do câmpus quanto à destinação final dos resíduos gerados nos laboratórios de ensino e pesquisa em Química. Foram propostas mesas-redondas para expor opiniões e debates produtivos foram feitos, a fim de estabelecer uma política de gerenciamento de resíduos.
Com inúmeras opiniões dos alunos e docentes da instituição, uma das propostas aplicada aos resíduos foi a sua utilização em aulas práticas do componente curricular dos próprios alunos dos cursos técnicos integrados e da licenciatura em Química do câmpus. A disciplina Práticas de Ensino, ofertada durante todo o curso da licenciatura e dos técnicos integrados, seria realizada mediante os resíduos gerados nas aulas convencionais dos cursos.
Atividades como purificação, separação de misturas, isolamento de grupos orgânicos, eletrólise e outras foram realizadas a partir dos resíduos gerados nos dois laboratórios. Tais atividades proporcionaram envolvimento entre professores, alunos e técnicos de laboratório, uma vez que se tratou de um trabalho em conjunto com toda a instituição. Tal ação culminou com a apresentação de pôster no XVII Encontro Nacional de Ensino de Química, realizado em Ouro Preto, com o título O ensino de Química através de resíduos de laboratório: ensaios de prática de ensino.
Questionários aplicados na segunda etapa demonstram que a ação foi eficaz e promoveu melhoras significativas, pois, conforme o Gráfico 1, 90% dos alunos afirmam que o reaproveitamento foi eficaz e contribui com as atividades práticas executadas.
Gráfico 1: O reaproveitamento de resíduos foi eficaz para suas aulas de Práticas de Ensino?
Com perguntas abertas, alunos e professores foram questionados sobre a ação educativa da reutilização dos resíduos gerados pelos próprios alunos.
Professor 8: “Durante a prática de ensino os alunos questionam bastante sobre tudo, desde onde se pode armazenar, em que eu posso utilizar nas aulas, o que aconteceria se fosse misturado com outra coisa... O interesse foi gradativamente aumentado e facilitou até nas aulas de reação química”.
Aluno 15: “As aulas de Prática de Ensino ficaram mais interessantes, porque agora sim, a gente aprende na prática o que é dar aula de laboratório com material reaproveitado”.
Aluno 26: “Agora todo mundo fica atento nas aulas de laboratório durante a semana, porque tudo que ‘sobra’ a gente já sabe que no sábado vai ser reaproveitado em algum experimento”.
Considerações finais
Ao longo dos anos houve crescente preocupação com o meio ambiente; no entanto, ainda é necessário comprometimento e consciência ambiental por parte das instituições de ensino para implementar um programa de gerenciamento de resíduos sério e que atenda à demanda da instituição. Com a ação proposta no câmpus, percebe-se que a questão ambiental deve permear todas as atividades da instituição, bem como o conhecimento de todos. Ainda é necessário buscar tratamento específico para os rejeitos, mas a situação observada na primeira etapa da pesquisa esteve bem diferente da proposta na segunda etapa, uma vez que os alunos, professores e toda a comunidade acadêmica perceberam a ação e os efeitos positivos da proposta. O êxito da gestão de resíduos gerados em uma instituição de ensino depende da conscientização, do envolvimento e da participação de toda a comunidade acadêmica.
Referências
AFONSO, Júlio Carlos et al. Gerenciamento de resíduos laboratoriais: Recuperação de elemento e preparo para descarte final. Química Nova. 2003. Disponível em: http://www.cnpsa.embrapa.br/met/images/arquivos/17MET/minicursos/minicurso%20patricia%20texto.pdf. Acesso em: 22 nov. 2014.
AMARAL, Suzana T. et al. Relato de uma experiência: recuperação e cadastramento de resíduos dos laboratórios de graduação do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Química Nova. 2001. Disponível em: http://qnesc.yordan.com/qn/qnol/2001/vol24n3/21.pdf. Acesso em: 22 nov. 2014.
BAIRD, Colin. Química Ambiental. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2004.
BRAGA, B. et al. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
JARDIM, Wilson de Figueiredo. Gerenciamento de resíduos químicos em laboratórios de ensino e pesquisa. Química Nova. 1998. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/qn/v21n5/2943.pdf. Acesso em: 20 nov. 2014.
______. As indústrias químicas e a preservação ambiental. Revista de Química Industrial. 1993.
MOZETO, Antonio A.; JARDIM, Wilson de Figueiredo. A Química Ambiental no Brasil. Química Nova. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/qn/v25s1/9406.pdf. Acesso em: 20 nov. 2014.
SANTOS, J. H. Proposta de Sistema de Gestão de Resíduos Químicos – Estudo de caso: Laboratórios de Ensino de Química do Cefet – AL. Dissertação de mestrado. PPGEP-UFPB. João Pessoa, 2005.
SOUZA, Josy Suyane de Brito. Estudos preliminares para o gerenciamento nos laboratórios de ensino de Química: um caminho para a sustentabilidade. 2014. 15 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Química Industrial). Universidade Estadual da Paraíba. Campo Grande, 2014.
Publicado em 14 de abril de 2016
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.