A contribuição de mestrados em ensino nas práticas de gestão escolar
Deborah Breda da Silva
Graduanda em Nutrição (Univates), bolsista de Iniciação Científica (Fapergs)
Silvana Neumann Martins
Doutora em Educação, docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (Univates)
Aline Diesel
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino (Univates)
Rogério José Schuck
Doutor em Filosofia, docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (Univates)
Introdução
A gestão escolar é uma área de atuação profissional que envolve o planejamento, a organização, a liderança, a orientação, a mediação, a coordenação, o monitoramento e a avaliação de processos, objetivando a promoção da aprendizagem (Lück et al., 2009).
Normalmente, o conceito de gestão está fortemente vinculado a negócios, por remeter a aspectos financeiros e administrativos de empresas. Contudo, o sentido desse termo, quando vinculado à escola, gera incertezas e dúvidas, pois, diferentemente dos gestores de empresas, que tiveram formação acadêmica para tal, os gestores das escolas são professores que assumem esse compromisso de “administrá-las”.
Além dessa evidência, é preciso considerar que a Constituição Federal de 1988 estabelece, na seção da Educação, no Art. 206, inciso VI, que o ensino deve ser pautado pela gestão democrática. Mais uma razão que evidencia que os profissionais da educação devem estar preparados para essa demanda.
Os cursos de graduação e de pós-graduação devem estar habilitados a formar professores que atendam a essa demanda, que sejam abertos e participativos na gestão escolar. Mas será que essa formação acontece de fato? Nessa perspectiva, constitui-se o presente estudo, que objetiva constatar junto a mestres formados por dois programas de pós-graduação em ensino que ocupam cargos de gestão em instituições de ensino as contribuições dos mestrados cursados em suas práticas de gestão escolar.
A relevância deste estudo está em oferecer subsídios para que os próprios programas envolvidos possam aprimorar suas práticas, de modo que tenham condições de formar profissionais com perfis diferenciados e comprometidos com a gestão da educação. Consequentemente, espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para as formações continuadas de forma geral.
Aporte teórico
As profundas e aceleradas mudanças da sociedade atual têm cada vez mais diferenciado uma escola da outra. Assim, duas escolas de uma mesma cidade podem ter perfis e necessidades diferentes em razão da localização geográfica (urbana e rural), da condição financeira dos estudantes ou mesmo em razão da perspectiva teórica que adotam em seu currículo. Em decorrência dessas particularidades, elas possuem uma autonomia imprescindível para gerir e para lidar com o conhecimento, que é o objeto do seu trabalho.
Essa ideia é reforçada por Wittmann (2000, p. 90): “A autonomia e a democratização da gestão da escola são demandadas pelos avanços teórico-práticos da educação e de sua administração. Os educadores estão reencontrando e reconstruindo o sentido e o prazer de educar”.
No contexto deste estudo, a gestão é uma ciência multidisciplinar, tanto para quem gere como para quem é gerido por ela. Ela é baseada num trabalho de tomada de decisões, é um processo criativo, de transferência de confiança e motivação, tendo em vista um determinado fim (Pol et al., 2007).
Lück, Freitas e Girling (2011) esclarecem o conceito de gestão democrática como um processo em que estão envolvidos, além de professores e funcionários, os pais, os estudantes e qualquer outro membro da comunidade interessado em contribuir para a melhoria das questões pedagógicas. Nessa linha, Klipplel e Wittmann (2010, p. 133) entendem que “A escola é um lugar privilegiado de convivência de sujeitos em construção. Esse espaço só pode ser gerido de forma compartilhada, contando com o engajamento de todos os envolvidos em atitude de aprendência”.
Esses autores consideram que atuar na gestão exige profissionais com perfil apropriado, com competência técnico-científica, liderança na comunidade escolar e local, compromissos públicos e políticos. Diante dessas características, é inevitável questionar: os professores estão preparados para exercer tal função?
Para potencializar a discussão acerca dessa temática, cabe mencionar a ideia de Souza (2009), para quem a gestão democrática é processo de identificar problemas, de debater e planejar um conjunto de ações que visem ao desenvolvimento da escola e à solução das problemáticas. Por conta disso, gerenciar todos esses planos é uma tarefa difícil, pois é complexo transformar propostas em ações.
A complexidade justifica-se pelo fato de a gestão estar inserida numa esfera das constantes mudanças, e, como afirma Vieira (2014), o que tem que ser feito nem sempre agrada à maioria; ao contrário, pode ferir interesses. Portanto, o trabalho de qualquer gestor deve estar baseado no diálogo, no saber falar, no saber ouvir, no saber negociar; nesse sentido, ser gestor é liderar a negociação e saber enfrentar os problemas futuros (Vieira, 2014).
Libâneo (2006) afirma que o curso de Pedagogia estabelece como atividades docentes, além obviamente das funções de magistério, a participação na organização e na gestão de sistemas e de instituições de ensino, ou seja, atividades de coordenação e de planejamento. Assim, evidencia-se a obrigatoriedade do curso de trabalhar essas questões pertinentes à gestão. Entretanto, por mais que elas constem nos currículos dos cursos, nem sempre são trabalhadas com a devida importância. Alguns aspectos que envolvem a gestão por vezes são trabalhados superficialmente.
Por todas essas concepções de gestão, acredita-se que a cultura escolar se manifesta por meio de formas específicas, de acordo com a maneira como as decisões são tomadas pela gestão escolar, considerando o contexto social da escola e as opiniões compartilhadas pela população escolar (Pol et al., 2007).
Metodologia
Para atingir o objetivo deste estudo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com seis professores egressos do mestrado em Ensino vinculado a uma instituição de ensino superior localizada no Rio Grande do Sul que ocupam cargos de gestão em suas instituições de ensino.
Num primeiro momento, foi realizado um estudo teórico acerca dos conceitos sobre gestão no ensino. Após, foram realizadas entrevistas a fim de verificar em que medida os mestrados em Ensino contribuíram para a atuação gestora dos mestres. As entrevistas foram gravadas e depois transcritas.
Os dados que emergiram foram analisados à luz dos pressupostos da Análise Textual Discursiva (Moraes, 2007). Cabe salientar que os professores preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual autorizam a publicação das informações para fins educacionais. Entretanto, para preservar a identidade dos sujeitos, optou-se por denominá-los aqui por M1, M2, e assim sucessivamente, até M6.
Análise dos dados coletados
Inicialmente, faz-se uma reflexão sobre qual foi a abordagem dessa temática nos cursos de formação inicial. Considera-se necessário fazer essa análise para saber o que os sujeitos já sabiam acerca de gestão para, a partir daí, articular com as inovações advindas da formação continuada em nível de mestrado.
Os entrevistados M1 e M3 contribuem com as seguintes falas:
Específico a gente não teve a disciplina, mas sempre em muitas disciplinas os professores colocavam essa questão de saber ouvir o outro, de tentar ver a realidade do aluno, o contexto dele; então, específico não tinha, mas tinha aquela fala, e eu acho que muito veio com a experiência, e ao mesmo tempo tem que partir de ti, tu tem que estar aberta à procura (M1).
Todas as disciplinas que eu fiz até hoje, sejam elas na especialização ou com certeza na própria Pedagogia que eu fiz aqui na Instituição, se conversou muito, se estudou, se leu sobre a questão justamente da nossa formação, porque o fato de tu ser um professor, tu ocupa uma função de liderança frente aquele teu coletivo de estudantes, mesmo não tendo de repente uma disciplina específica (M3).
Dessa forma, percebe-se que a gestão não foi diretamente abordada ao longo da graduação; entretanto, por diversas vezes houve debates sobre a temática quando esta estava atrelada a outros temas. Esses posicionamentos corroboram a hipótese de Libâneo (2006) mencionada anteriormente, de que os cursos de Pedagogia não tratam da temática como deveriam, havendo a necessidade de aprofundamento sobre o tema a fim de garantir que os professores sejam formados como gestores. Pereira (2015) também averiguou que a dificuldade do estabelecimento da prática da gestão por docentes tem forte relação com a formação inicial desses professores, na qual muitas vezes não ficam claras as contribuições da gestão.
Destaca-se a concepção de M1, ao apontar que cabe ao próprio aluno de licenciatura ter a autonomia de buscar informações a respeito da gestão. Assim, na carência de formação para essa área, convém ao docente gestor agir por intuição ou buscar formação complementar para a função.
No momento em que assumem um cargo de gestão escolar e a necessidade da teoria embasando a prática passa a fazer falta, esses novos gestores buscam formações complementares a fim de se qualificar para dirigir uma escola, buscando um novo olhar em relação à gestão. Essa ideia é sustentada por Lück et al. (2009), que dizem que o profissional que assume esses cargos de gestão deve necessariamente se dedicar ao estudo, à observação e à reflexão, para que tenha condições de exercer gestão e a liderança de forma competente.
M2 comenta isso, frisando a importância de ter concluído o mestrado.
Eu vejo hoje que eu tenho um olhar diferente de muitas pessoas em relação à gestão. Até, por exemplo, em se tratando de direção de escola, algumas questões às vezes a gente tem determinada dificuldade de aceitar, uma vez que a gente vê que as questões não são discutidas em grupo. E eu acho que a minha formação continuada sim, influenciou muito para que eu tivesse um olhar diferente. É por isso que eu insisto naquela questão de que todo o professor deveria ter um mestrado. [...] O mestrado te dá maturidade [...] de ter um conhecimento do que é a proposta em educação, de ter um conhecimento de ver a escola como fazendo parte de um sistema maior que envolve a comunidade em que ela está inserida, e até questões ambientais. Eu acho que o mestrado te abre, nesse sentido.
Nesse trecho, o professor investigado evidencia que tem postura diferenciada em relação à sua função de gestor, o que foi possível graças à formação que teve com o curso de mestrado. Tal formação lhe trouxe maturidade, fez com que envolvesse escola e comunidade; essas questões estão atreladas e uma não faz sentido sem a outra, conforme aponta Lück, Freitas e Girling (2011).
Lück et al. (2009) corroboram que a formação de gestores é um processo de formação continuada, ou seja, um aperfeiçoamento em serviço, o que não quer dizer que não sejam necessários programas especiais e concentrados sobre temas específicos. Assim, fica evidente a complexidade da formação para a atuação nessa área, já que o trabalho de gestor requer o exercício de múltiplas competências, e essa diversidade é um desafio aos professores gestores.
Nesse mesmo sentido, pensando em formação continuada, M5 também abordou o impacto que o mestrado causou nas suas práticas pedagógicas:
Total diferença. [...] A minha visão de escola, de gestão, de grupo mudou completamente após o mestrado, e eu tento sempre contribuir com os meus colegas professores na nossa reunião semanal, de formações continuadas, pra que eles possam também despertar um olhar diferente, pra aqueles que querem, né... Muitas vezes eles querem ouvir, mas nas suas práticas são mais resistentes, mas eu observo que alguns professores modificaram bastante a sua prática.
Está implícito, nessa fala, que o mestrado foi capaz de despertar no aluno o espírito curioso, pesquisador. Os professores que passam por essa formação acabam se tornando mais investigadores e, mesmo após a conclusão do mestrado, continuam a sua formação de outras maneiras, buscando algo a mais no objetivo de melhorar e efetivar cada vez mais suas práticas pedagógicas.
Davis et al. (2011) abordam que a formação continuada se torna necessária devido às lacunas que são deixadas pela formação inicial. Assim, a formação continuada é de extrema importância, pois o campo educacional está constantemente mudando e exige a produção de novos conhecimentos e a expansão das habilidades pedagógicas. Segundo Melo (2001), no momento em que o professor assume esse cargo de gestão, ele assume também o coletivo, a autonomia escolar, a representatividade social e todos os demais segmentos que envolvam a comunidade escolar, o que reforça a ideia de que a gestão escolar deve ser muito bem trabalhada em todos os momentos da formação do professor.
De acordo com os entrevistados, a gestão escolar é um marco fundamental na carreira de docente e deveria ser vivida por todos, pois é capaz de criar um novo olhar para a educação, é capaz de despertar um maior senso de cuidado nos processos de ensino e de aprendizagem e é capaz de promover maior autonomia.
Considerações finais
Por este estudo e os demais estudos pesquisados para fundamentação teórica deste artigo, pôde-se observar que essa abordagem é frequente, mas ainda carece de melhorias no processo de formação de professores. Isto posto, salientamos que a temática da gestão deve ser trabalhada já na formação inicial e revista na formação continuada.
Por diversas vezes, o professor ocupa outros espaços e exerce outras funções na escola além da sala de aula. Essas funções precisam ser abordadas ao longo da sua formação inicial e da continuada, pois assim os profissionais não estarão apenas aptos a ministrar aulas na sua área de formação; estarão também qualificados para se envolver em questões multidisciplinares e de gestão. A partir disso, o profissional poderá promover a melhoria e a evolução da educação.
Por fim, os relatos demonstraram que o mestrado foi indispensável para despertar os gestores que estavam dentro daqueles professores. Essa formação continuada foi capaz de mostrar novos caminhos e novas abordagens, tornando-os pesquisadores e curiosos diante das inovações do ensino, por meio do incentivo à permanente melhora da escola na qual atuam como gestores.
Referências
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Publicado em 10 de janeiro de 2017
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