Avaliação escolar: objeto da aprendizagem segundo a perspectiva psicopedagógica
Rebecca Faria da Silva
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (Faculdades Simonsen)
O presente trabalho buscou desenvolver um estudo dentro da perspectiva psicopedagógica sobre a avaliação da aprendizagem escolar. Tem a intenção de responder à seguinte problemática: a avaliação escolar é capaz de avaliar formalmente e proporcionar condições que levem a uma aprendizagem significativa ou simplesmente é usada como mero instrumento de verificação? Os objetivos da pesquisa são:
- analisar o perfil da avaliação escolar sob a ótica da Psicopedagogia;
- estudar as concepções de avaliação perante seu histórico e correntes educacionais;
- identificar os diferentes conceitos e funções sobre a avaliação e sua aplicação no campo educacional;
- compreender quais são os processos de uma avaliação escolar à luz da abordagem psicopedagógica.
Este estudo se caracterizou como uma pesquisa teórica; utilizou a metodologia bibliográfica baseada nas considerações de autores como Hoffmann, Luckesi, Libâneo, Moretto e Perreneoud, entre outros.
Este trabalho acadêmico de conclusão de curso emprega metodologia que compreende a pesquisa teórica bibliográfica. Sob a perspectiva de diferentes autores que abordam o tema de avaliação escolar, tem a intenção de levantar hipóteses sobre o assunto relacionado:
- analisar a concepção de avaliação, seu conceito;
- identificar os critérios utilizados nos julgamentos avaliativos;
- refletir sobre a construção do conhecimento aliada a uma avaliação mediadora.
Atualmente, o educando é visto como o centro da ação avaliativa; por avaliação entende-se o resultado de provas e testes que são aplicados ao aluno aos quais se atribuem notas ou conceitos. Diante disso, o estudante aguarda sua aprovação ou reprovação, quando na verdade a avaliação deve ter o olhar voltado não apenas para os resultados de suas produções, mas concebê-lo como um ser social, sujeito do seu próprio desenvolvimento.
A avaliação tem de acompanhar todo o processo de aprendizagem, e não apenas o momento final, que a é a prova ou teste, pois se trata de um instrumento de feedback para todos os participantes envolvidos, educando e educador.
Trata-se, portanto, de um processo contínuo, que não tem um fim em si mesmo. A avaliação é um meio em que se permite verificar se os objetivos traçados anteriormente foram alcançados. Também indica os avanços e dificuldades encontradas no decorrer do processo educativo, para, se necessário, reformular o trabalho em andamento e vivenciar novas práticas, novos procedimentos, novas metodologias.
O ato de avaliar não deve perder as características de um processo permanente e, acima de tudo, de diagnóstico da aprendizagem dos alunos para inseri-los em uma avaliação inclusiva. No campo da avaliação do rendimento escolar, docentes e discentes em conjunto devem se preocupar inicialmente com o planejamento. É preciso traçar metas, com o foco em alcançar os objetivos propostos.
Após o delineamento do planejamento, segue-se a fase de execução, na qual o professor exerce a função de ensinar e estimular a criação de novos conhecimentos e o aluno preocupa-se em aprender e gerar novos conhecimentos.
Em seguida, chega-se à etapa da avaliação. É também a hora de analisar a distância percorrida entre planejamento e execução. Do que foi planejado, o que foi aprendido e o que não foi ainda aprendido. Ela faz parte de um processo, não se trata de uma etapa final. Assim, a avaliação do rendimento escolar, além de ser um ato amoroso, deve servir de diagnóstico para avaliar a distância entre o ensinado e o aprendido.
Avaliação é mediação, é diagnóstico. Portanto, pressupõe a construção de novas etapas no processo de ensino-aprendizagem. Nesse ponto, a escola necessita ter clareza de seu projeto educativo, de sua proposta pedagógica e curricular.
Ignorar os problemas e cobrar apenas do estudante não trará bons resultados. A avaliação necessita ser planejada, executada e avaliada por todos os que fazem a comunidade educativa. Dedicar alguns momentos para estudar com a criança ou jovem também será uma forma favorável de demonstrar interesse por ele, por seus problemas, além de mostrar confiança, afetividade para ajudá-lo a superar essa etapa difícil. Nesse respeito entra o papel da família no processo avaliativo. O fundamental é acreditar na capacidade do aluno, incentivando-o a se tornar melhor e a construir uma aprendizagem significativa.
Breve histórico da avaliação
Histórico das primeiras avaliações
A prática avaliativa nasceu como forma de controle social em meados de 1200 a.C., dentro da burocracia chinesa; surgiu com o objetivo de analisar a aprendizagem dos alunos. Segundo Luckesi (1999), a partir do século XIX a avaliação ganhou amplo espaço nos processos de ensino, passando a ser direcionada como Pedagogia do Exame.
Através do tempo, verificam-se as principais tendências e desenvolvimentos desse processo em diferentes fases históricas.
Na História Antiga, observavam-se formas de avaliação que até hoje são consideradas entre povos indígenas: em algumas tribos, adolescentes eram submetidos a testes relacionados aos seus costumes, como caçar, pescar, obter alimentos para a família. Só depois de serem aprovados e passar nesses testes poderiam ser de fato considerados adultos. Na Grécia, em Esparta, os jovens tinham que resistir a duras provas em jogos e competições atléticas para provar sua força e resistência à fome, sede, calor, frio e dor. Em Atenas, Sócrates submetia seus alunos a exaustivos inquéritos orais, comparáveis aos dos tempos atuais; seriam os questionários aplicados em forma oral.
A Idade Média caracterizou-se por um período de intensa espiritualidade; verificava-se grande interesse pelo conhecimento mediante a aceitação da fé pela revelação divina. O método tradicional era predominante, de acordo com o seguinte argumento de autoridade: a opinião do mestre ou professor tinha que ser aceita e obedecida passivamente. A prova mais convincente do saber apreendido era repetir integralmente o que se lia e ouvia. A atenção e a capacidade de memorização eram supervalorizadas. Mais tarde, porém, Santo Tomás de Aquino veio combater esse método arbitrário, inclusive nas organizações religiosas e políticas como a Igreja e o Estado.
Nessa época as instituições escolares mais influentes eram as universidades, destinadas principalmente à formação de professores ligada às áreas de bacharelado e doutorado. Os que se preparavam para o bacharelado deveriam prestar exames a fim de conseguir qualificação para ensinar; os exames consistiam na interpretação de textos selecionados por grandes mestres da época. Somente passavam pelo doutorado aqueles que defendessem teses.
O Renascimento manifestava o movimento do Humanismo entre duas correntes distintas: Humanismo Cristão e Humanismo Pagão. Enquanto o primeiro trazia valores e contribuições para a avaliação por meio de uma orientação psicológica, a fim de que os alunos fossem preparados para a vida de acordo com as suas necessidades, interesses e aptidões; a corrente do Humanismo Pagão exaltava a individualidade humana, considerada um fim em si mesmo e a supervalorização do eu individual.
Nesse período a moralidade e os bons costumes deviam ser seguidos à risca. Para verificar o aproveitamento do aluno em relação à matéria, exigia-se que ele lesse em voz alta as lições perante a turma; de acordo com sua leitura, era considerado habilitado como bom aprendiz ou não.
A Modernidade foi marcada pela invenção da imprensa, que contribuiu para o desenvolvimento de todas as formas de atividade intelectual. Os livros foram multiplicados e se tornaram acessíveis, o número de escolas aumentou consideravelmente e criaram-se bibliotecas. As escolas de cunho religioso, tanto as protestantes como as católicas, insistiam em arguições e exames orais. No ano de 1720, em Cambridge (Inglaterra), foi utilizado pela primeira vez o exame escrito.
Na Idade Contemporânea, compreendida entre o fim do século XVIII até agora, surgiu a necessidade de construir um sistema educativo inteiramente novo, no qual a educação da criança passou ao domínio exclusivo do Estado. Atualmente a tecnologia educacional se firma como uma maneira nova de pensar em educação e de fazer frente aos problemas educacionais, como um movimento em prol da reabilitação dos valores sociais que acentuam a necessidade de formação intelectual, científica e ética de profissionais dessa área.
A história da avaliação no Brasil
Segundo Luckesi (1999), a avaliação da aprendizagem deve ser assumida como um instrumento que existe propriamente para mensurar a qualidade da assimilação do conhecimento por parte do aluno e para compreender em que estágio da aprendizagem ele se encontra. Assim, é possível estabelecer um vínculo entre o ensino e a qualidade das propostas de intervenção realizadas pelos professores.
A história do processo histórico avaliativo nacional relaciona-se diretamente com a nossa colonização. A avaliação como sinônimo de provas e exames é uma herança datada de 1599, trazida para o Brasil pelos jesuítas. No Brasil colonial, as principais escolas foram as jesuíticas, que tinham como tarefa educativa converter os “ignorantes” (como os nativos) e adequá-los à cultura dos aventureiros que chegavam ao país. Os primeiros sinais de avaliação escolar datam de 1549, com o ensino jesuítico, que permaneceu no Brasil até 1759. Tal ensino era tradicional; o professor tinha o objetivo de conduzir o aluno a um ensino que o distanciava da convivência com a sociedade, no que se refere às práticas da vida cotidiana. Sobre essa questão, Libâneo (1994, p. 64) afirma:
Os objetivos, explícitos ou implícitos, referem-se à formação de um aluno ideal desvinculado de sua realidade concreta. O professor tende a encaixar o aluno num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A matéria de ensino é tratada separadamente, isto é, desvinculada dos interesses dos alunos e dos problemas reais da sociedade e da vida.
O ensino jesuítico era focado na memorização, os alunos eram obrigados a decorar as lições, exatamente como se encontravam nos livros. Sobre isso, Aranha (1989, p. 51) ressalta:
O ensino jesuítico possuía uma metodologia própria baseada em exercícios de fixação por meio de repetição, com o objetivo de serem memorizados. Os melhores alunos auxiliavam os professores a tomar lições de cor dos outros, recolhendo exercícios e tomando nota dos erros dos outros e faltas diversas que eram chamadas de decuriões. As classes inferiores repetiam lições da semana todo sábado. Daí a expressão ‘sabatina’ utilizada por muito tempo para indicar formas de avaliação.
Com a expulsão dos jesuítas, outras organizações religiosas dedicaram-se à instrução, como carmelitas, beneditinos e franciscanos. Em 1792, o Marquês de Pombal implantou o ensino público com uma solução paliativa: as chamadas aulas régias. No início do século XIX, com a presença da corte no Brasil, foram criados cursos de nível superior; na segunda metade do século, colégios particulares, na grande maioria católicos.
O período do Império foi marcado pelas mudanças históricas tanto na política como na educação; as avaliações quase nunca eram realizadas, pois não havia um processo avaliativo estabelecido. Nesse período foi dado início à formação de professores para escolas primárias.
O período republicano trouxe a avaliação mais sistemática, com a realização de provas (orais, escritas e práticas). A avaliação se restringia à aprovação, porém em 1904 os processos avaliativos passaram a ser sistematizados a partir de notas de 0 a 5. Com a Primeira República, em 1920, tiveram início as discussões sobre o ensino tradicional limitado à elite e pautado na aprendizagem de forma mecânica.
A partir de 1932. com o Manifesto dos Pioneiros, a luta por uma escola democrática que contemplasse toda a população ganhou mais força. A Escola Nova idealizava que os professores centralizassem os interesses dos alunos, tornando-se facilitadores ao invés de apenas transmissores de conteúdos. Assim, a avaliação permitia que o aluno tivesse autonomia sobre sua formação.
Em 1959, defensores da escola pública lançaram o Manifesto dos Educadores, assinado por 185 intelectuais, dentre eles Anísio Teixeira. Em 1960 surgiram as primeiras iniciativas de educação popular, lideradas por Paulo Freire. De 1970 a 1985, durante os governos militares, foi desenvolvido o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), cuja proposta era o atendimento em âmbito nacional da população analfabeta com programas de alfabetização para jovens e adultos. Finalmente, a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1961, hoje a atual Lei nº 9.394/96, garantiu o direito à educação em todos os níveis em base nacional.
Atualmente, a concepção de avaliação proposta pelos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais, Brasil, MEC, 1997) pretende superar a concepção tradicional de avaliação interpretando-a como parte integrante e intrínseca do processo educacional. Segundo os PCN, “a avaliação das aprendizagens deve analisar a adequação das situações didáticas propostas aos conhecimentos prévios dos alunos e aos desafios que estão sem condições de enfrentar”.
Por fim, o processo de avaliação promoveu várias modificações no sistema de ensino, dando espaço a reflexões sobre o que é avaliar, que não se limita em aprovar e reprovar o aluno, mas envolve também seu empenho com o aprendizado dentro do seu cotidiano.
Referências
ARANHA, M. L. A história da Educação. São Paulo: Moderna, 1989.
BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em 5 fev. 2016.
BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CARVALHO, José Sérgio de Fonseca de. As noções de erro e fracasso no contexto escolar: algumas considerações preliminares. In: AQUINO, Julio Groppa (Org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997.
DEMO, Pedro. Educação e qualidade. Coleção Magistério-formação e trabalho pedagógico. Campinas: Papirus, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito & desafio – uma perspectiva construtivista. Educação e Realidade, Porto Alegre, 39ª ed. 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. Coleção Magistério – 2º Grau – Série Formação do Professor. São Paulo: Cortez, 1994.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 1999.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem: compreensão e prática. Entrevista concedida ao Jornal do Brasil e publicada em 21 jul. 2000. Disponível em: http://www.luckesi.com.br/textos/art_avaliacao/art_avaliacao_entrev_jornal_do_Brasil2000.pdf. Acesso em 22 abr. 2016.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Entrevista à revista Nova Escola, nº 191, abril 2006. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/cipriano-carlos-luckesi-424733.shtml.
MORETTO, Vasco Pedro. Prova: um momento privilegiado de estudo, não um acerto de contas. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulamentação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
SHOR, Ira; FREIRE, Paulo. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
Sites pesquisados
Aprendendo a Pensar – Metamorfose digital. Disponível em: http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=554#ixzz49EROH2jz. Acesso em 24 maio 2016.
http://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/a-avaliacao-acordo-com-os-pcns.htm. Acesso em 5 fev. 2016.
http://www.pedagogia.com.br/artigos/funcoes_avaliacao/?pagina=2. Acesso dia 14 mar. 2016.
http://www.webartigos.com/artigos/a-importancia-do-psicopedagogo/48/. Acesso em 27 abr. 2016.
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Publicado em 16 de maio de 2017
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