Dinâmicas de grupo em aulas de Arte

Fernando Abath Cananéa

Doutor em Educação (UFPB), professor de Planejamento Estratégico, Metodologia do Trabalho Científico, Supervisão Escolar e Gestão Educacional

Ailza de Freitas Oliveira

Doutoranda em Educação (UFPB), professora de Artes Cênicas (PMJP)

Humanizando a caminhada com dinâmicas de grupo

A utilização de dinâmicas de grupo em aulas de apresentação de turmas no início do ano letivo é uma prática habitualmente utilizada por educadores(as) das mais variadas áreas de conhecimento. Acolher realizando uma prática de apresentação e autoapresentação enriquece e dinamiza o processo de construção das relações sociais a serem estabelecidas.

Fazer uso de dinâmicas que propiciem a aproximação dos integrantes de um novo grupo é um recurso pedagógico viável e funcional, pois auxilia no fortalecimento da aproximação dos membros ao mesmo tempo que desenvolve atividades que permitem o conhecimento e o autoconhecimento dos que integram a nova equipe. Dessa forma, “o ímpeto cego é transformado em um propósito; as tendências instintivas convertem-se em empenhos planejados. As atitudes do Eu são impregnadas de sentido” (Dewey, 2010, p. 145). E esses sentidos são absorvidos e reinterpretados pelos que compõem o novo grupo social, transformando a caminhada mais humana.

A caminhada humana está muito marcada pela competição de uns contra os outros. Os homens precisam descobrir que a dialética de sua história não é a da competição, mas a do encontro. O eu e o tu reclamam, como exigência da vocação fundamental do homem, a síntese do nós (Andreola, 1986, p. 11).

As dinâmicas auxiliam na construção coletiva do grupo, como equipe que tem objetivos comuns a serem alcançados e metas que, realizadas em conjunto, fortalecem o alcance grupal.

As dinâmicas de grupo têm fundamentação teórica

Ao contrário do que muitos pensam, as dinâmicas de grupo têm fundamentação teórica. Por tempos, foram utilizadas como passatempo, entretenimento, animação de aulas e preenchimento de momentos ociosos nas escolas. Distantes da seriedade pedagógica de que o fazer educacional necessita, as dinâmicas de grupo realizadas apenas como brincadeira e lazer reforçam a marginalização do ensino da Arte, que, quando posto como livre fazer, em que tudo pode, recai na sua desqualificação.

As águas de um rio, quando represadas e canalizadas, transformam-se em forças produtivas a serviço da vida. Isto porque a dinâmica das águas é comandada. Não comandadas ou mal comandadas, irrompem de forma selvagem, transformando-se em destruição e desolação. Assim acontece nos agrupamentos humanos. As energias fabulosas que encerram tomarão os rumos da comunicação, da cooperação e da integração, ou então do conflito, da agressividade e da desagregação, dependendo do tipo de comando ou de liderança que neles se exerce (Andreola, 1986, p. 17).

Aplicar dinâmicas de grupo sem planejamento prévio, esclarecimento dos objetivos a serem alcançados, conhecimento mínimo do grupo participante e/ou experiência na atividade proposta pode ser uma ação destrutiva para o bom desenvolvimento da equipe. A liderança que aplica a dinâmica precisa ter consciência dos riscos relacionais, psicológicos e pedagógicos que uma dinâmica mal conduzida pode ofertar.

Limites dos envolvidos também é um aspecto que precisa ser respeitado. Há pessoas que não se sentem à vontade ao falar em público, realizar atividade de exposição, então... As barreiras da timidez e do desinteresse são limites que devem ser respeitados, embora quase sempre um dos objetivos das dinâmicas de grupo seja exatamente superar o isolamento que a timidez e a falta de interesse causam.

A realidade deixa claro que vivemos a era do “desencanto escolar”, na qual muitos de nossos educandos não estão receptivos à aprendizagem. [...] Quase sempre a sala de aula transforma-se em uma arena na qual o educador é sempre o perdedor. Ele não consegue fazer com que seus educandos se interessem pelo ato de aprender (Queiroz; Martins, 2002, p. 5).

Assim, uma das premissas para a aplicabilidade de qualquer atividade em sala de aula, seja ela lúdica, teórica ou prática, é a segurança no como, porque e para que fazê-la, perguntas que geralmente obtêm respostas no planejamento pedagógico. Se aplicada dentro do ambiente escolar, a atividade precisa ter cunho pedagógico sério, independente de se tratar de dinâmica, jogo ou brincadeira. Não detalharemos aqui as diferenças entre os três tipos de atividades, embora tal discussão seja pertinente e enriquecedora; no momento, nosso foco é dialogar sobre a dinâmica de grupo, sem caracterizar as demais práticas.

No planejamento, se faz necessário, entre o leque de assertivas do professor, ter clareza sobre a dinâmica de grupo a ser desenvolvida respondendo aos questionamentos que se referem aos objetivos da dinâmica, material necessário para sua aplicação, tempo estimado de realização, disciplinas envolvidas, conteúdos programáticos indicados, valores e atitudes possíveis. Assim, deixa de ser uma experimentação para ocupação de tempo e passa a ser uma intervenção pedagógica.

Outra possibilidade de ação a ser realizada após a aplicabilidade da dinâmica que empodera a prática da atividade é a realização de debate entre os participantes avaliando a dinâmica coletivamente, de forma verbal, ilustrada ou escrita, detectando problemas, buscando soluções, reforçando o que de positivo ocorreu e refletindo sobre o que pode melhorar. Debater as questões que aparecem decorrentes de uma atividade prática conduz ao amadurecimento da equipe em participar de dinâmicas de grupo.

Autores(as) e áreas do conhecimento

Alguns autores da área de Artes Cênicas e/ou Psicologia fornecem respaldo teórico acerca da aplicabilidade de dinâmicas de grupo em sala de aula. Viola Spolin (2008), em seu fichário, exemplifica várias possibilidades práticas de jogos teatrais acompanhados de seus objetivos específicos e gerais, tornando tecnicamente viável e pedagogicamente fundamentado o fazer teatral.

O livro traz jogos descritos em fichas separadas, que auxiliam o manuseio do educador para o ambiente de aplicação de cada atividade, enquanto fornece auxílio pedagógico por meio do manual nele contido. Tópicos como preparação, foco, descrição, instrução, avaliação e notas auxiliam tecnicamente os educadores.

As dinâmicas de grupo, vistas como meio processual de aquisição de aprendizagens, auxiliam a ampliação dos saberes, a transmissão dos conteúdos e o fortalecimento de valores.

Sabemos que as brincadeiras e os jogos – entendidos aqui como estratégias motivacionais da aprendizagem – não constituem a aprendizagem em si, mas são um excelente meio que permite o diagnóstico, a intervenção e até mesmo a transmissão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais sem que o educando perceba. Constituem ainda um meio de transmitir mensagens capazes de resgatar a autoestima, o autoconhecimento, os valores como solidariedade, responsabilidade, disciplina, autoconfiança, autoaceitação, tolerância, concentração, alegria e muitos outros, tão necessários à formação dos educandos (Queiroz; Martins, 2002, p. 5).

A arte é uma ferramenta importante na formação integral do indivíduo, seja ela percebida como disciplina curricular, como apregoam os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), ou a “arte como experiência” humana, como defende Dewey (2010), ou ainda implementada por intermédio de “exercícios práticos de dinâmica de grupo”, conforme descreve Fritzen (2001), bem como vista como “dinâmica de grupo: jogo da vida e didática do futuro”, tal qual Andreola (1986) defende.

Vários são os autores que apontam teoricamente a defesa dos benefícios que uma formação integral em Arte propicia, talvez, e certamente por isso, é vista como algo perigoso; ao mesmo tempo que auxilia no pensar e agir com criticidade, liberta do saber comum e manipulável e ruma ao saber crítico, descrito por Freire (2013) na sua reveladora Pedagogia do oprimido, tão atual e necessária em tempos de agora.

Talvez também por isso, e para além disso, esteja sendo crucificada como disciplina a ser extinta do currículo, por intermédio de recentes projetos e ideias reacionárias, indesejadas e por nós fortemente repugnadas. Assim, não nos furtamos ao registro da necessidade de colocarmos de que lugar e ideário social falamos, escrevemos, refletimos e pautamos nossa prática pedagógica. O bordão subsequente, presente nas entrelinhas, não precisa estar no texto, pois integra o contexto.

Voltando ao diálogo sobre a dinâmica de grupo e a esperança nas mudanças que a educação promove, adiante passaremos à narrativa de uma experiência vivenciada em sala de aula, seguida das reflexões sobre a prática realizada.

Narrativa de uma dinâmica experimentada

Para exemplificar nossa reflexão, narraremos uma dinâmica experimentada algumas vezes em sala de aula e acolhida com entusiasmo e aceitação pelos estudantes participantes, que, envolvidos na dinâmica, atingem os objetivos traçados: autoapresentação, apresentação, participação, integração e exemplo de atividade cênica que norteará as aulas vindouras. “Acreditamos que o espaço escolar pode e deve transformar-se em um espaço agradável, prazeroso, de forma que as brincadeiras e jogos permitam ao educador alcançar sucesso em sala de aula” (Queiroz; Martins, 2002, p. 5).

No início dos anos letivos, uma dinâmica que praticamos com frequência é a da apresentação. Em nossa prática, solicitamos que se faça um círculo com as cadeiras e, após o círculo formado, começando sempre por nós, pedimos que cada um, na ordem em que integra o círculo, fale seu nome em voz alta para que todos tenham a possibilidade de ouvir e, aos poucos, se familiarizar com eles.


Foto 1: Dinâmica de grupo.
Fonte: Foto de Ailza Freitas durante execução da atividade (2016).

Até então, tudo parece uma autoapresentação convencional; no entanto, solicitamos depois que as palavras ditas por cada integrante do círculo sejam repetidas seguindo as intenções que vamos sugerindo em cada rodada do círculo. Vale frisar que, após a indicação da intenção, sempre começamos por nós, com nossos nomes, exemplificando o início de cada rodada. Assim, as intenções solicitadas são, por exemplo: falando, chamando, soletrando, cochichando, cantando, gritando, brigando, exclamando, indagando, chorando, sorrindo, entre outras.

Dessa forma, a palavra original – o nome – passa a ser interpretada de várias maneiras diferentes, e assim o fazer teatral se mistura ao ato de se apresentar à turma nova, e os estudantes compreendem na prática que o texto pode ter várias laudas ou uma única palavra e ser interpretado de distintas formas, dependendo da intenção de quem profere e/ou de quem dirige a cena.

Após a realização da atividade, realizamos um debate com os participantes e comumente observamos registros de análise dos exercícios propostos numa perspectiva de crescimento individual e coletivo da equipe, em que as falas refletem a experiência vivenciada e analisam o que de cênico e interacional pudemos observar.

A reflexão compartilhada gera um contexto de ensino e aprendizagem cooperativo, que expressa a natureza social do saber. Essa experiência coletiva, por sua vez, realimenta a reflexão de cada aluno, pois envolve níveis distintos de elaboração de saberes, o que provoca, desequilibra e promove transformações nas aprendizagens individuais. Nesse ambiente, deve-se educar para o exercício de respeito mútuo, crítica (fazer e receber), solidariedade, diálogo, recepção à diversidade de intuições, expressões, sentimentos, construções e outras manifestações que emergem nas situações de aprendizagem artística e estética (PCN, 1998, p. 50).

No debate sobre a dinâmica, observamos registros de que, mesmo sentados em círculo, os corpos integram a cena, enquanto participam soletrando; por exemplo, as mãos marcam, como maestros regendo, as pausas nas sílabas faladas; ou ainda, quando vamos realizar a intenção de cochichar, as mãos são involuntariamente levadas às laterais da boca, bem como, quando a intenção é gritar ou brigar, a expressão facial retoma a rigidez. Quando a intenção é chamar, o braço imediatamente se alonga em direção a quem imaginariamente chamamos, com a mão a abrir e fechar.

O número de intenções interpretadas varia de acordo com o tempo disponível para a aula e o número de participantes, o que faz cada rodada no círculo ser maior ou menor. Dependendo também do nível acadêmico, aproveitamos para inserir, por exemplo, que exclamação e interrogação são conteúdos da Língua Portuguesa e têm sinais gráficos próprios, promovendo assim a clareza da interdisciplinaridade entre a disciplina de Artes Cênicas e as demais.

Se a turma for do Ensino Fundamental I ou EJA, em que o processo de aquisição da escrita ainda estiver em formação, na aula seguinte solicitamos que a palavra utilizada na dinâmica, ou seja, o nome, seja ilustrada em tarjetas que posteriormente colamos na parede da sala para que a visualização favoreça no processo de familiarização e domínio da escrita do seu nome, bem como reconhecimento dos nomes dos colegas da turma, numa visualização de placas confeccionadas pelos próprios estudantes, ilustradas e coladas com autonomia.


Foto 2: Placas com nome e desenhos dos alunos.
Fonte: Foto de Ailza Freitas durante execução da atividade (2016).

Refletindo sobre a prática de uma pedagogia lúdica

A ludicidade em sala de aula não deve ser confundida exclusivamente com lazer e ausência de cunho pedagógico. Ao contrário, brincadeiras e diversões são também processos de aprendizagem e necessitam de esclarecimento sobre isso porque, para muitos, o lúdico é entretenimento sem finalidade; para educadores, “partindo do princípio de que o indivíduo é um ser social e que a coexistência é a estrutura das relações humanas” (Fritzen, 2001, p. 8), observamos que com ludicidade aprendemos com maior prazer e facilidade.

A primeira manifestação de brincadeira da criança não difere muito de um gatinho. Mas, à medida que a experiência amadurece, as atividades tornam-se cada vez mais reguladas pelo objetivo a ser atingido; o propósito torna-se um fio que perpassa uma sucessão de atos; converte-os em uma verdadeira série, em um curso de atividade com início definido e um movimento claro para uma meta. À medida que a necessidade de ordem é reconhecida, a brincadeira transforma-se em um jogo; passa a ter “regras”. Há também uma transição gradativa, de tal sorte que brincar envolve não apenas uma ordenação das atividades orientadas para um fim, mas também uma ordenação dos materiais. Ao brincar com cubos, a criança constrói uma casa ou uma torre. Toma consciência do significado de seus impulsos e atos por meio da diferença que eles causam nos materiais objetivos. As experiências prévias dão cada vez mais sentido ao que é feito. A torre ou o forte a serem construídos regulam não apenas a escolha e o arranjo dos atos praticados, mas expressam valores da experiência. Como evento, a brincadeira ainda é imediata, mas seu conteúdo consiste em uma mediação de materiais atuais por ideias extraídas da experiência passada (Dewey, 2010, p. 479-480).

No decorrer de nossas experiências de vida, sejam elas escolares ou não, vamos desenvolvendo habilidades traçadas na experiência acumulada pelos que nos cercam e definidas por eles como assertivas, embora por vezes, apesar de a convivência grupal ser massivamente experimentada, os estímulos são quase sempre para sucesso individual, reforçando a falta de coletividade e brutalizando o processo de ser e estar em grupo.

Embora nossa essência seja de conviver em equipe, de estarmos em sociedade e de nela, com ela e por ela, evoluirmos, a individualidade do querer e fazer competitivo, colocando nas pessoas um desejo animalesco de ser mais e melhor do que as outras impera, superando a sensibilidade do desejo de crescer com todos, fazendo com que uns contra os outros se autodestruam.

No mundo agitado em que vivemos, marcado pela massificação, é urgente que se criem espaços para que a pessoa humana possa desabrochar a caminho de sua plenitude; espaços onde se busque ultrapassar as formas de relacionamento marcadas pela agressividade, pela competição e pela dominação. Isso só poderá acontecer através da experiência do outro, através da vivencia grupal, num clima de liberdade, de aceitação, de diálogo, de encontro, de comunicação, de comunhão. Esse é o sentido da dinâmica de grupo (Andreola, 1986, p. 16).

O texto acima aparentemente não apresenta nenhuma novidade sobre as relações sociais estabelecidas atualmente. Nós o destacamos por se tratar de um registro elaborado sobre nosso modo de ser e agir há mais de trinta anos e ainda vigente na atualidade. Percebemos, com a afirmativa do autor citado, que nossos objetivos ainda são os mesmos: melhorar a sociedade. No entanto, enxergamos também que os esforços para as melhoras pessoais, individuais, internas e, por isso, primeiras, básicas e importantes, são irrisórios, pontuais, insuficientes.

Dessa forma, reflitamos em dinâmicas de grupos, após participação nelas, ou independente delas, sobre nosso mudar pessoal para auxílio do mudar os outros, mudando assim o todo.

Referências

ANDREOLA, Balduíno A. Dinâmica de Grupo: jogo da vida e didática do futuro. Petrópolis: Vozes, 1986.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

FRITZEN, Silvino José. Exercícios práticos de dinâmica de grupo, v. I. 31ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

QUEIROZ, Tânia Dias; MARTINS, João Luis. Jogos e brincadeiras de A a Z. São Paulo: Rideel, 2002.

SPOLIN,Viola. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.

Publicado em 16 de maio de 2017

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