Percepções no estágio supervisionado de Educação de Jovens e Adultos: vivências na formação docente

Marcélia Amorim Cardoso

Docente (Fabel), mestre em Educação (UERJ), doutoranda em Educação (UFRRJ)

Leonardo Meirelles Cerqueira

Docente (Fabel), mestre em Educação (Universidade Estácio de Sá), doutorando em Educação (UNIRIO)

Kezia Macedo dos Santos Aleixo

Pedagoga (Fabel)

Introdução

Este relato das experiências vividas no campo de estágio visa propor reflexões sobre a importância dessa atividade na formação do(a) pedagogo(a) e sobre a perspectiva inclusiva que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) promove. Como atividade exigida na grade disciplinar do curso (Res. CNE/CP nº 01/2006), o estágio supervisionado visa à contextualização da própria formação por meio das análises que a(o) estudante realiza entre as aulas e os campos de estágio. A Faculdade de Belford-Roxo organiza o estágio supervisionado de Educação de Jovens e Adultos com o desdobramento e em consonância com o projeto de extensão, concretizando a função do ensino superior, que é promover ensino, pesquisa e extensão indissociáveis. Além da inserção no campo de estágio em escolas municipais, as(os) graduandas(os) complementam a carga horária realizando oficinas sobre metodologias para EJA voltadas a normalistas e a outros públicos.

A Educação de Jovens e Adultos apresenta-se com a função de suprir as necessidades das alunas e dos alunos que não completaram a formação escolar em tempo e se torna um dos espaços onde desenvolvem a capacidade de pensar, ler, interpretar e reinventar o seu mundo, por meio da atividade reflexiva. Pensar nos discentes de EJA nos remete a pensar no quadro de desigualdades sociais e educacionais que os impediram de estudar por varias razões, sejam elas desencadeadas pela maternidade/paternidade, pela necessidade de trabalhar ou pelo deslocamento geográfico, entre outras, que fomenta nesta modalidade a função de reparar a negação do direito à educação.

Como referência educacional e principalmente em EJA, Paulo Freire é convidado a ajudar nas reflexões. Partindo do papel do professor, faz lembrar que este deve ter sempre como ponto de partida a busca de uma prática que vá ao encontro às necessidades do educando a partir da realidade de vida, consolidando uma proposta pedagógica na qual possa fazer pensar sobre a realidade de forma crítica e consciente.

Educação de Jovens e Adultos e o amparo legal

A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade do Ensino Fundamental e Médio estabelecida e assegurada por leis que amparam todos os que não puderam realizar seus estudos em idades próprias, dando-lhes a oportunidade de iniciar e/ou concluí-los.

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 208, garante-lhes o acesso gratuito, sendo dever do Estado o oferecimento. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece também que, mediante as ações integradas ao ensino, jovens e adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular tenham oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames (LDB nº 9.394/96, Art. 37, § 1).

As Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas para os Ensinos Fundamental e Médio também são vigentes para a modalidade EJA, para certificação de conclusão dessas etapas, de forma a desenvolver os processos formativos.

Portanto, as necessidades desse grupo de alunos devem ser atendidas, bem como seus interesses como indivíduos que possuem experiências de vida, trajetórias e histórias, principalmente como trabalhadores, diferenciando o olhar que se lança a eles e ao que se lança aos alunos e alunas do Ensino Fundamental de idade regular. Assim como o professor, as metodologias de ensino devem atender de maneira diferenciada, buscando possibilidades e criando alternativas para desenvolver as propostas pedagógicas direcionadas para esse grupo.

É importante refletir e pensar que todo o conteúdo destinado a jovens e adultos parte de que esse aluno possui conhecimento social, que ele não chega à escola ‘vazio’. O professor pode trabalhar com o principio de que ambos não estão com seus saberes prontos e assim facilitará a troca diária e a construção de novos conhecimentos. O educando está em constante interação e vive num contexto social em que é produtor de cultura e possui sua leitura de mundo (Freire, 2013). Nessa atuação dialógica histórica e cultural, elementos cognitivos são organizados e apropriados em constantes referências ao que foi vivido e dialogado.

Como elemento de inclusão social, a Educação de Jovens e Adultos garante acesso e inserção ao mundo letrado, ampliando as habilidades linguísticas e o domínio da língua materna, do cálculo, da oralidade e das relações sociais e profissionais. O retorno aos bancos escolares é marcado por uma série de implicações que requerem do docente um conjunto de estratégias e posicionamentos diante do processo educativo e social.

Experiências vividas no estágio

O estágio supervisionado foi realizado em uma escola municipal de Belford-Roxo/RJ, localizada na Baixada Fluminense, que traz como herança décadas de abandono e exclusão. Foi possível observar que a turma de EJA possui vontade de aprender e um conjunto de experiências profissionais, culturais e de vida bem grande, assim como de experiências não positivas, pois vem de uma vida escolar em que já passou por algum fracasso. São trabalhadores ativos e aposentados, donas de casa e jovens que, por vários motivos, não completaram suas vidas escolares, inchando a grande parcela dos excluídos pelas desigualdades sociais e escolares de um sistema social que segue uma lógica mercantil perversa.

A turma observada possuía doze alunos matriculados e cinco frequentando. A vida e o mercado de trabalho atual cobram uma formação adequada, e esse é o grande motivo para que pessoas adultas voltem a estudar, porém sem muito sucesso, já que a taxa de evasão, apesar de não divulgada, é perceptível, como na turma observada, em que mais da metade dos matriculados não frequenta as aulas. Desistem no meio do caminho, talvez por causa do cansaço ou dos afazeres domésticos ou ainda das metodologias utilizadas em sala de aula, que os desmotiva.

Foi possível observar que os professores, além de formação continuada, necessitam de apoio e estímulos na busca de estratégias voltadas para o público da EJA, com aulas mais dinâmicas, interativas e lúdicas, pois não é porque são adultos que não precisam de dinamismo na condução de uma aula. Nessa oportunidade de inserção no campo de estágio, observaram-se professores desestimulados reproduzindo práticas esvaziadas de sentido, partindo da pedagogia tradicional, onde se copia, decora e reproduz. É a “pedagogia bancária”, criticada e combatida por Paulo Freire mas ainda tão viva em nossas salas de aula.

No pensamento de Freire, o aluno não é um depósito que deve ser preenchido pelo professor; cada um pode aprender e descobrir novas possibilidades na realidade da vida, pois o educador é somente o mediador no processo de ensino-aprendizagem e aprende junto com seu aluno.

A educação é vista por Freire como pedagogia libertadora, capaz de torná-la mais humana e transformadora para que homens e mulheres compreendam que são sujeitos da própria história. A liberdade se torna o centro de sua concepção educativa (Freire, 2013).

Nessa vivência no estágio, os alunos e as alunas, por sua vez, mostraram grande interesse em aprender, realizar as tarefas, principalmente quando se realizou uma dinâmica de sensibilização, tarefa obrigatória no plano de estágio. Envolveram-se, divertiram-se, lembraram-se de fatos da vida, emocionaram-se, situação não percebida na rotina daquela turma. Contaram seus problemas e a partir daí organizou-se uma roda de conversa explorando toda a riqueza cultural de cada um, assim como ensina Paulo Freire em seus círculos de cultura.

Algumas considerações

A vivência aqui relatada oportunizou observar algumas questões sobre a Educação de Jovens e Adultos, como o respaldo legal a partir da concepção de direito e a diversidade que requer reflexão sobre a postura docente na busca de tornar-se pesquisador(a) nessa modalidade de ensino, analisando as necessidades do alunado, oferecendo situações significativas de aprendizagem.

Observou-se que se faz necessário abandonar uma visão parcial, universal e adotar e experimentar as práticas pedagógicas que orientam o fazer da sala de aula de forma ampla e significativa, especialmente na EJA, em que vários universos se encontram a cada momento e dia de aula. Há vidas e histórias a serem contadas e ouvidas. Cabe aos educadores mediar a aprendizagem dos jovens e dos adultos priorizando as experiências, os conhecimentos prévios e suas inserções no letramento linguístico e matemático de forma contextualizada e dialogada.

Estudar Freire leva a construir um novo olhar sobre a educação. Aprende-se a refletir sobre a atitude de educadores muitas vezes insatisfeitos, mas curiosos, preocupados com a grande parte de alunos que vai à escola, mas que não consegue aprender ou não se sente motivada a fazê-lo. Com ele, percebe-se a importância do amor nas relações pedagógicas, capaz de transformar a vida; a importância da troca, do coletivo, da parceria em educação, o compartilhar com o outro; a intersubjetividade, o diálogo; a humildade, o respeito ao indivíduo, às suas diferenças e à cultura de cada um.

Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96). Brasília, 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em 22 out. 2015.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 29 out. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em 22 out. 2015.

BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000.pdf. Acesso em 01 nov. 2015.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 56ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

Publicado em 30 de maio de 2017

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