Pinceladas pedagógicas: Projeto Maré em Telas

Ailza de Freitas Oliveira

Fernando A. Abath L. C. Cananéa

Lisianne Matias Saraiva

Maria Cely de Sousa Silva

Motivar todos que participam do processo educacional cotidianamente é um desafio e desejo de muitos que integram o ato educacional. Assim, o fortalecimento de ações que ampliem o interesse pedagógico de estudantes, técnicos e professores é uma pesquisa contínua em nosso fazer na educação formal na disciplina de Arte.

Num tempo líquido, em que a Arte vem sendo agredida e a sua legitimidade ameaçada, insistimos na busca por qualificar aulas, projetos e, consequentemente, aprendizagens dos envolvidos no processo de aprender e ensinar com significado, motivação e resultado, sendo este último para além da busca capitalista por números frios e saberes robotizados, como nos (im)põe o sistema educacional que vigora em nosso país.

Quem não se adapta é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado. Excluído da indústria, é fácil convencê-lo de sua insuficiência (Adorno, 2015, p. 25-26).

Em paralelo ao sistema convencional, criamos o sistema dos que por ora foram “isolados”; procuramos os pares, em busca de ressignificação de nossas práticas profissionais, que estão intrinsicamente relacionadas com nossa existência e forma de percebermos a vida.

Ideias: debates e concretizações

Juntos nesse desejo de ensinar e aprender com afetividade, realizamos rodas de conversas para debater ideias sobre projetos a serem desenvolvidos com os estudantes nas escolas em que ministramos aulas de Arte. Logo surgiu a formatação do Projeto Maré em Telas. O formato de concurso foi adotado por sentirmos a necessidade de unir motivação, fundamentação e protagonismo, em que os alunos, ao serem provocados por premiações (por mais simbólicas que elas sejam), enfatizam a característica peculiar do ser humano, de desafio, superação e busca pelo novo.

 O jogo está presente em nosso viver desde os tempos mais primórdios; Courtney (1980), em seus escritos sobre as divisões das formas de jogo relacionadas à educação, demonstra que, além de envolver o sensório motor, a alta coordenação de capacidades, o mimetismo e a produção estética, “a atividade supérflua de simpatias e sentimentos altruístas [...] dá origem às belas artes, a mais alta forma de jogo” (1980, p. 24).

Percursos partilhados

Surgido em 2014, o Projeto, ao longo desse tempo, contou com a participação de oito escolas das redes pública e privada das cidades de João Pessoa, Cabedelo e Santa Rita, no Estado da Paraíba, envolvendo cerca de 800 estudantes matriculados nas modalidades de ensino Educação Infantil, Ensino Fundamental (I e II), Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos, bem como professores de Arte e demais disciplinas do núcleo comum.

A Maré Produções Artísticas e Educacionais é uma organização não governamental que atua na área da arte e da educação, no fomento à formação docente e à prática de atividades que qualificam e valorizam o ensino da Arte. O Projeto Maré em Telas é um dos 13 projetos desenvolvidos em forma de autofinanciamento pela Maré.

Na certeza do sucesso obtido com o trabalho em conjunto, o Projeto Maré em Telas promove a interdisciplinaridade e o envolvimento de toda a comunidade escolar em um só objetivo: “o sucesso na aprendizagem dos educandos”, conforme pontua seu edital 2017, disponível no site da ONG.

Em cada ano de edição, a equipe de organização do projeto – membros da ONG Maré – discute e escolhe um tema e uma técnica a serem trabalhadas teoricamente, numa ação precedente às pinturas das telas, que culminam com um relato escrito sobre a imagem pintada individualmente por cada estudante, ou seja, procurando aplicar os principais pontos da abordagem triangular, elaborada por Ana Mae Barbosa (apud Benelli, 2011), no processo de ensino-aprendizagem e propostos por Benelli (2011, p. 4): “leitura de mundo, conscientização crítica a partir da contextualização da realidade dos(as) educando(as)”.

Normalmente, em projetos desenvolvidos nas escolas, não temos identidade visual; contudo, a Maré conta com colaboradores com múltiplas habilidades, o que permite o fortalecimento de nossas ações educativas. Como nos demais projetos da Maré, para o Projeto Maré em Telas também foi elaborada uma arte gráfica pela artista Cely Sousa, atual presidenta e diretora artística da ONG.

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Cada arte-educador(a) participante realiza a explanação teórica, a pintura das telas e a escrita dos textos sobre o tema trabalhado com muitos estudantes; esse processo tríplice de fundamentação entre teoria, prática e reflexão amplia os saberes pedagógicos sobre cada tema tanto dos estudantes que participam quanto dos(as) professores(as).

A seguir estão imagens dos momentos de produção das telas: na primeira imagem, com estudantes da EJA, na EM Seráfico da Nóbrega, na edição de 2016; na segunda imagem, com estudantes do Ensino Fundamental I na EM Nazinha Barbosa, na edição de 2014.

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Após a tríade de execução, são encaminhadas para a comissão julgadora dez telas por escola participante. A escolha desses dez trabalhos geralmente é realizada pela equipe técnica escolar, em sintonia com os estudantes do turno, numa votação aberta em que a escola escolhe seus representantes de forma democrática.

A comissão de júri é composta por membros voluntários da Maré que não estão integrando o Projeto na edição vigente e/ou convidados dos membros que são especialistas na área do projeto. Abaixo estão imagens dos jurados em duas edições distintas durante a avaliação das telas produzidas. Entre eles, as marinheiras Gláucia Dantas, Karla Mendonça e Ana Tavares, trio de profissionais que integrou o júri na edição de 2015.

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Na segunda imagem, está o júri da edição de 2016, que foi composto pelo trio voluntário das marinheiras Soraya de Souza e Luciana Dias, bem como da convidada Giseli Bezerra.

Vale o registro de que este, como os demais 12 projetos da Maré, acontece de forma voluntária; os custos são divididos pelos membros participantes, numa perspectiva de autofinanciamento que promove, consequentemente, a autoindependência das ações, em que nenhuma esfera de “poder” interfere com patrocínio, apoio ou afins.

Essa tríade de atividades desenvolvidas – teoria, pintura e escrita – fortalece a qualidade das aulas de Arte, num movimento prazeroso e qualificado entre as diferentes e complementares etapas de aprendizagem.

Na primeira edição do projeto, realizada em 2014, o tema abordado foi Mar. Participaram aproximadamente 250 estudantes; os premiados foram das escolas Municipal Adolfo Maia, de Cabedelo/PB; Municipal Seráfico da Nóbrega, de João Pessoa/PB e do Centro de Ensino Fundamental Aquarela do Saber, de João Pessoa/PB, nos 1º, 2º e 3º lugares, respectivamente.

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1º Lugar: Marcia - Escola Major Adolfo Pereira Maia - Professora: Cely Sousa

2º Lugar: Heleno Gaspar - Escola Senador Seráfico da Nóbrega – Professora: Ailza Freitas

3º Lugar: Kauê - Centro de Ensino Fundamental Aquarela do Saber – Professora: Glaucia Dantas

Em 2015, o tema abordado foi Ano Luz; nessa edição, contamos com a participação de aproximadamente mais 250 estudantes, distribuídos entre as escolas, tendo como premiados nos primeiros lugares estudantes da Escola Rosa Figueiredo de Lima, de Cabedelo/PB, e do Instituto Educacional Menino Jesus.

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1º lugar: Gleycianne Kelly - Escola Municipal Rosa Figueiredo de Lima. Professora: Shirley Batsi

2º Lugar: Laís Ribeiro - Escola Municipal Rosa Figueiredo de Lima. Professora: Shirley Batsi

3º Lugar: Eduardo Henrique - Instituto Educacional Menino Jesus. Professora: Cely Sousa

Lendas foi o tema pintado em 2015, ano da terceira edição do projeto. Entre sacis-pererês, curupiras e comadres florzinhas recebemos telas de três escolas participantes; a Escola Estadual de Ensino Médio José Guedes Cavalcante ocupou o 1º e o 3º lugares, respectivamente, com uma tela pintada sobre a lenda da Sereia Iara e outra com a Lenda do Curupira. O 2º lugar foi obtido por estudante da Escola Municipal Seráfico da Nóbrega. Suas telas retrataram as lendas de Iara, Bicho-Papão e Saci-Pererê. Como premiação, os três primeiros lugares receberam certificados e kits de pintura. A seguir estão os trabalhos premiados.

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1° lugar: Ruamme - EE Guedes Cavalcanti. Professora: Cely Sousa

2° lugar: Nilzelia - EM Serafico da Nóbrega. Professora: Ailza Freitas

3° lugar: Well - EE Guedes Cavalcanti. Professora: Cely Sousa

Os momentos de premiações ocorrem nos eventos do Projeto Novos Olhares da Maré, em que estudantes classificados pelo júri sobem ao palco diante de ampla plateia para receber certificados, troféus e kits de desenho e pintura. Em noite de festa, familiares, gestores(as) e técnicos(as) escolares não escondem seus orgulhos e satisfações ao ver, fotografar e falar sobre o momento.

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Para além das pinceladas: desdobramentos pedagógicos

Após a execução de cada edição do Projeto, cada arte-educadora envolvida organiza exposições das obras em suas escolas; a Maré organiza uma exposição coletiva numa mostra cultural, que em geral ocorre anualmente num espaço educacional para além das escolas integrantes. A seguir estão fotos das exposições.

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Já ocupamos, com nossa Mostra Cultural da Maré, o Espaço Piolin, no bairro do Varadouro, em João Pessoa, o Teatro Santa Catarina, em Cabedelo, e o Teatro Ednaldo do Egypto, em João Pessoa. Entre exposições e apresentações artísticas estão as telas produzidas no Projeto; assim, estudantes das várias escolas participantes conhecem os trabalhos dos demais estudantes, que, de forma paralela, realizaram prática e teoria sobre os mesmos temas.

A importância da culminância é o entendimento de um macrossistema bem maior que os muros da escola, compreensão de que o mesmo tema gera opiniões e simbologias diferentes, e isto está ligado ao repertório visual e conceitual de cada aluno, de cada comunidade escolar e de cada professor.

Edições vindouras e reflexões atuais

O edital para a edição de 2017 já foi cuidadosamente elaborado pela equipe de organização da Maré, em reunião ocorrida em novembro de 2016; a próxima técnica selecionada para ser desenvolvida é colagem e pintura com material reciclável.

As telas da próxima edição serão inspiradas nos trabalhos do artista multicultural Elionai Gomes (Nai). Conforme edital, sobre os objetivos, “a ONG Maré Produções Artísticas e Educacionais promove o concurso de pintura Maré em Telas objetivando a valorização da arte visual e incentivando a criatividade e o surgimento de novos talentos dos(as) alunos(as) de escolas” (Maré, 2016, p. 1).

Nosso desejo é levar o grupo de cada dez estudantes destacados por escola para conhecer o ateliê do artista homenageado na próxima edição, permitindo que todo o universo de produção seja explorado, uma vez que pintura em tela é uma das muitas manifestações artísticas realizadas por ele.

Acreditamos que nosso objetivo de provocar o interesse por pintura seja alcançado, ao mesmo tempo que qualificamos nossas aulas com conteúdos específicos da disciplina de Artes. Satisfação seguida de aprendizagem significativa tem norteado nosso fazer pedagógico. Por isso, ampliamos o convite a outros profissionais que desejem se integrar ao projeto, realizando conosco, adaptando para si e/ou observando as ideias aqui relatadas, aprimorando-as, criticando-as, enfim, interagindo construtivamente, conforme nos empodera Ficher (1979) quando afirma que

toda a arte se liga a essa identificação, a essa capacidade infinita do homem para se metamorfosear, de modo que, como Proteu, ele pode assumir qualquer forma e viver mil vidas diferentes sem se destruir pela multiplicidade da sua experiência (1979, p. 252).

Para nós, o real significado do fazer não está na prática livre e desplanejada, mas no ato processual de planejar, fazer, refletir, aprimorar, de maneira cíclica e consciente de que o ganho pedagógico é de todos os envolvidos, estudantes, professores(as), equipe técnica e agora vocês, leitores(as). Sejam bem-vindos(as)!

Referências

ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

BENELLI, Anderson. Reflexões sobre a abordagem triangular. Disponível em: http://andersonbenelli.blogspot.com.br/2011/02/reflexoes-sobre-abordagem-triangular.html. Acesso em 07 mar. 2017.

COURTNEY, Richard. Jogo, teatro e pensamento. São Paulo: Perspectiva, 1980.

FICHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

MARÉ Produções Artísticas e Educacionais. Edital do Projeto Maré em Telas. Disponível em: mareproducoes.blogspot.com.br Acesso em 02 fev. 2017.

Publicado em 22 de agosto de 2017

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