Epigenética e os transtornos do desenvolvimento

Ingrid Labeta

Pós-graduanda em Neurociência Pedagógica (AVM/UCAM), licenciada em Dança (UCAM)

Introdução

A Epigenética trata de todas as transformações reversíveis e herdáveis no genoma funcional. Estão incluídos neste estudo: a maneira como os padrões de expressões de genes decorrem para os descendentes; a forma como ocorrem mudanças espaço-temporais durante a diferenciação de um determinado tipo de célula; e como fatores externos podem alterar a forma como os genes são expressos.

De acordo com Muller e Prado (2008), o termo Epigenética origina-se do prefixo grego epi, acima ou sobre algo, e estuda as mudanças herdadas nas funções dos genes, porém sem sofrer nenhuma alteração nas sequências de bases nucleotídicas da molécula de DNA. Para esses autores, as características que distinguem a Epigenética dos mecanismos da genética convencional são a reversibilidade, os efeitos de posicionamento e a habilidade de agir em distâncias não esperadas maiores do que um único gene.

Tanto Salvato (2007) quanto Muller e Prado (2008) apresentam a alteração nas histonas e o padrão de metilação do DNA como dois dos principais mecanismos de alteração epigenética. Ambas modificam a acessibilidade da cromatina para a regulação da transcrição local ou globalmente, pelas modificações no DNA e pelas modificações ou rearranjos dos nucleossomos (Lund; Lohuizen, 2004 apud Muller; Prado, 2008). Todavia, há, além desses mediadores, a presença de RNAs não codificadores, podendo atuar na interferência na transcrição de genes (Tang; Ho, 2007 apud Muller; Prado, 2008).

De acordo  com Salvato (2007), tais mecanismos parecem estar interligados para a organização estrutural da cromatina, tornando-a acessível ou não aos fatores de transição. Estudos mais recentes na área da Epigenética abrangem implicações em diferentes setores, dentre eles em doenças humanas, incluindo a compreensão sobre as células-tronco e estudos do câncer e as causas dos transtornos do desenvolvimento. Tais estudos apontam que as mudanças epigenéticas são influenciadas pelo meio em que o indivíduo  está inserido, modificando, dessa forma, o funcionamento dos genes.

Cosenza e Guerra (2011, p. 137-138) esclarecem que as dificuldades para a aprendizagem possuem etiologia multifatorial e demandam abordagem interdisciplinar. Assim, são envolvidos diferentes profissionais em prol de intervir nos fatores que influenciam a aprendizagem do indivíduo de forma terapêutica.

Para Oliveira (2014, p. 119),

a escola tem como objetivo a interação da criança na sociedade, facilitando seu acesso ao mundo dos adultos. Verificamos, porém, que esse objetivo está cada vez mais esquecido. Ela tem selecionado duramente as crianças que têm menos facilidade de aprender. Muitas vezes são as que mais precisariam dela, pois são provenientes de um meio sociocultural menos privilegiado.

Como citado por Viviane Mosé em seu livro A escola e os desafios contemporâneos (2015), a última página do livro O homem que sabe – Do Homo sapiens à crise da razão diz que

pensar o múltiplo e o móvel é o desafio, ser capaz de lidar ao mesmo tempo com diversas interpretações e perspectivas. Não mais pensar de modo sucessivo, mas simultâneo, compor em vez de excluir e retornar à difícil complexidade que é viver, pensar, criar, conhecer, querer, sentir... Todas as coisas se relacionam, não há nada realmente isolado, todo gesto produz desdobramentos incalculáveis; um saber, uma escola, uma pessoa não existem sem contexto: talvez seja o aprendizado social a maturidade política de que precisamos.

Diante disso, pesquisas como esta podem favorecer a compreensão dos transtornos do desenvolvimento, tornando possível também pensar em meios mais adequados e suscetíveis à inclusão e ao acolhimento em diversos e em qualquer ambiente.

Desenvolvimento

Os transtornos do desenvolvimento afetam a organização do sistema neurocognitivo, expressando alterações em um conjunto de funções que interferem no bem-estar das crianças e de suas famílias (Taurines et al., 2012 apud Freitas et al., 2016). A partir das pesquisas a respeito da Epigenética, entende-se ser possível propiciar condições clínicas capazes de melhores avaliações de cada sujeito e, dessa forma, tornar possível diagnósticos mais precisos e intervenções efetivas que reduzam os sintomas e aumentem o funcionamento adaptativo dessas crianças.

Como citado por Freitas (2016), dentre os transtornos do neurodesenvolvimento o transtorno do espectro autismo (TEA) apresenta elevadas taxas de predomínio na população infanto-juvenil, sendo uma das principais causas da procura por atendimento clínico para essa faixa etária. Deve ser acrescentado que os déficits e sintomas clínicos presentes no autismo interferem no processamento de informações nos domínios social, não social e de linguagem nas modalidades auditiva e visual.

É possível que a Epigenética colabore não só para o desenvolvimento do TEA como para outros transtornos do desenvolvimento, pois alterações químicas do DNA e histonas podem levar a uma alteração na interação dos genes, não modificando a sequência do DNA, mas alterando a transcrição de genes e, consequentemente, a expressão das proteínas (Freitas et al., 2016).

A respeito do desenvolvimento dos transtornos mentais, Freitas e Ortega (2016) apresentam a hipótese epigenética como uma das principais apostas para a explicação de como os efeitos ambientais alteram o desenvolvimento e imprimem marcas químicas no cérebro, influenciando a saúde individual. Em se tratando de mecanismos cujos resultados são relativamente consistentes, a hipótese epigenética explicaria como a influência ambiental persiste e exerce efeitos em períodos posteriores da vida, quando o fator ambiental propriamente dito não está mais atuando (Freitas-Silva; Ortega, 2016).
Com isso, as pesquisas epigenéticas vêm apresentando hipóteses significativas, embora ainda seja necessário identificar os fatores ambientais que interferem no desenvolvimento e a forma como atuam.

Conclusão

O esclarecimento da etiologia de qualquer um dos transtornos do desenvolvimento seria um passo imprescindível para a elaboração de práticas diagnósticas, terapêuticas e preventivas mais eficazes; embora haja diversas pesquisas a respeito da formação desses transtornos, ainda sabemos muito pouco sobre as origens deles.

Os estudos sobre a Epigenética que apontam​ a interação entre o genoma e o ambiente, explicando as influências oriundas do meio externo e a carga genética, podem ser um estudo plausível da relação entre o ambiente e as alterações na expressão genética capazes de conduzir aos fenótipos de doenças, de acordo com Jirtle e Skinner (2007 apud Freitas-Silva; Ortega, 2016).

A Epigenética vem contribuindo nas buscas etiológicas de diferentes transtornos e, dessa forma, pode permitir melhores tratamentos e prevenções. Sob esse aspecto, com esta pesquisa foi possível uma breve análise a respeito da Epigenética e de seus mecanismos.

O estudo dela possibilitou reconhecer a complexidade do tema e o quanto vem se investindo em prol de descobrir melhores ferramentas que favoreçam a prevenção e o tratamento de diversos transtornos do desenvolvimento e diferentes doenças. Entretanto, ainda há um longo caminho a ser estudado que possa trazer esclarecimentos sobre o processo de formação patológica e mecanismos que possam controlar e até mesmo prevenir tais acontecimentos.

Referências

COSENZA, Ramon M.; GUERRA, Leonor B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

FANTAPPIE, Marcelo. Epigenética e memória celular. Revista Carbono, v. 3, 2013.

FREITAS, Patrícia Martins de et al. Deficiência intelectual e o transtorno do espectro autista: fatores genéticos e neurocognitivos. Pedagogia em Ação, v. 8, nº 2, 2016.

FREITAS-SILVA, Luna Rodrigues; ORTEGA, Francisco. A determinação biológica dos transtornos mentais: uma discussão a partir de teses neurocientíficas recentes. Cadernos de Saúde Pública, v. 32, nº 8, 2016.

MOSÉ, Viviane. A escola e os desafios contemporâneos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

MULLER, Henrique Reichmann; PRADO, Karin Braun. Epigenética: um novo campo da genética. RUBS, v. 1, nº 3, p. 61-69, 2008.

OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psicopedagógico. 19ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

SALVATO, Fernanda. Epigenética - resumo. In: Seminário em Genética e melhoramento de plantas. São Paulo: Esalq/USP: Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento de Plantas, 2007.

Publicado em 05 de setembro de 2017

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