Vivenciando a ludicidade e interatividade a partir da formação continuada de professores do Ensino Fundamental

Elisangela Inácio da Silva

Professora de História no ensino fundamental e médio, graduada em História (PUC-Rio/Unifai) e em Pedagogia (UERJ), especialista em Arte e Cultura (UCAM)

Introdução

Este trabalho visa relatar algumas iniciativas na busca de uma educação mais humanizada, dialógica, lúdica e libertadora, vivida por estudantes e professores que acreditam que é possível construir coletivamente o conhecimento de forma significativa e horizontal, pois somente por uma educação de qualidade podemos sair da opressão. Pretendo analisar alguns possíveis caminhos tomados por educadores na busca de mudanças no cotidiano escolar, vendo que é possível, com base em pequenas mudanças, atingir de forma qualitativa o ensino e a aprendizagem.

É possível, com mudanças de postura de professores e estudantes, tornar o ambiente de sala de aula acolhedor, produtivo e respeitoso? Vale reconhecer como uma mudança de postura torna-se fundamental para que os conteúdos pensados e planejados possam fazer sentido ao trabalhar de forma lúdica e colaborativa.

Acredito que o caminho para uma educação de qualidade no século XXI se faz com base no diálogo entre professores e estudantes, compreendendo a real necessidade de mudanças para a construção de uma educação mais humanizada e qualitativa.

O convite à mudança

A chegada dos professores ao local de formação é sempre um momento de muita ansiedade, dúvidas e incertezas. Normalmente eles chegam com muitas perguntas e questionamentos, acreditando que será mais um daqueles tantos outros cursos de formação. Porém se deparam, já na entrada da sala de aula, com as portas decoradas com cartazes e frases de pensadores e educadores que os convidam a fazer uma reflexão sobre sua prática educativa e sobre a educação que queremos.

Ampliando o olhar dos educadores, ao adentrar a sala são todos convidados a se sentar em círculo, pois a disposição das cadeiras os convida e/ou ‘obriga’ a se sentar uns ao lado dos outros, possibilitando observar e ser observado. É interessante que alguns professores resistentes a essa disposição tentam de alguma forma reorganizar sua posição, colocando sua cadeira atrás de outra, na tentativa de se ‘esconder’. Com o objetivo de criar um ambiente acolhedor, é entregue o crachá a cada participante, além de cartão de boas-vindas; logo depois são entregues canetas e cadernos para as anotações de toda a semana de formação.
Outro objetivo é possibilitar a construção de um espaço onde o encantamento, a motivação e a esperança estejam presentes e consigam seduzir todos os professores e professoras. “Seduzir no sentido de encantar pela beleza, e não como técnica de manipulação. Daí a necessidade de motivação, do encantamento” (Gadotti, 2011, p. 56).

Os professores, em círculo, começam a perceber as diferenças no tratamento que recebem, notando o quanto são especiais, importantes para que uma nova prática de educação seja possível. Após esse momento de acolhida, propusemos as apresentações de cada participante com o nome e o lugar de onde veio, de forma que possamos contextualizar os temas que serão abordados durantes os dias de formação. Prevendo “quebrar o gelo”, iniciamos uma dinâmica trabalhada em dupla para não expor o participante individualmente e utilizamos a música como um dos recursos de apoio.

Percebendo que os primeiros objetivos foram alcançados e sentindo que o ambiente de formação estava se tornando mais acolhedor, seguiu-se o planejamento da forma mais natural possível, buscando abrir espaços para a escuta e a observação. A proposta do trabalho em círculo garante que todos os participantes estejam integrados e que possam olhar/acompanhar tudo que esta acontecendo na sala de formação, incluindo professores e professoras.

Construindo saberes de forma colaborativa

Essa proposta de formação continuada com os educadores permite que durante o processo de formação/capacitação sejam fundamentados temas sobre o fazer pedagógico que muitas vezes não são discutidos no dia a dia do educador, ficando para segundo plano. Procuramos trazer a teoria, a pesquisa e a reflexão sobre a prática de todos os envolvidos, possibilitando que cada educador participe de forma consciente. Segundo Paulo Freire (2009, p. 38), “a prática docente crítica implica o pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Como estratégia para um estudo mais aprofundado dos autores, buscamos dividir a turma em pequenos grupos, o que possibilita melhor participação de todos. A proposta é que todos os autores pensados e usados como referência possam ser lidos, discutidos e analisados.

Uma das bases da metodologia aplicada nas formações continuadas dos professores tem como principal referência os quatro pilares (Delors, 1998); de forma prática e teórica, eles são discutidos e levados à reflexão, avaliando a importância de cada pilar, dando exemplos e buscando apresentar resultados a partir de sua aplicação em sala de aula. O importante é levar essas teorias para a prática, poder experimentar em grupo e sentir os resultados para depois refletir. Os participantes, ao trabalhar em grupo, são convidados a deixar de lado o individualismo e buscar a cooperação; o trabalho interativo é fundamental. Dessa forma, são motivados a tomar decisões em conjunto, ouvindo cada colocação dos membros que fazem parte do grupo.

Nessa perspectiva, a integração da turma acontece a partir do primeiro dia de convivência, sendo possível observar nas falas e nos gestos entre eles. O trabalho é realizado com alegria, comprometimento e participação de todos, criando um ambiente de aprendizagens, de saberes e experiências. A interatividade está presente, pois a comunicação é feita de forma bilateral, construindo, criando e cocriando.

É o sujeito que aprende pela sua experiência. Não é um coletivo que aprende. Mas é no coletivo que se aprende. Eu dialogo com a realidade, com autores, com meus pares, com a difença (Gadotti, 2011, p. 62).

A valorização de cada fala, de cada apresentação dos grupos estimula e motiva as trocas, as reflexões sobre uma nova postura. Durante os dias seguintes são trabalhados textos de educadores que contribuem para uma maior reflexão sobre novas práticas pedagógicas, para uma educação mais humanizada, mais dialógica, mais lúdica. Nas palavras de Morin (2011, p. 13),

são necessárias novas práticas pedagógicas para uma educação transformadora que esteja centrada na condição humana, no desenvolvimento da compreensão, da sensibilidade e da ética, na diversidade cultural, na pluralidade de indivíduos, e que privilegie a construção de um conhecimento de natureza transdisciplinar.

Além de textos, são utilizadas outras linguagens midiáticas (vídeos, áudios, internet, computador) que contribuem para problematizar temas específicos da formação de professores, com o intuito de trazer reflexão e debates no grupo, construindo saberes de forma colaborativa. Com isso é possível criar um cenário que possibilite a participação livre, colaborativa e dialógica dos integrantes.

Procurando fugir do ensino tradicional, na busca de alternativas possíveis para criar um ambiente prazeroso, agradável e propício à aprendizagem colaborativa, as atividades estão sempre planejadas de forma lúdica e dinâmica. Assim, professores e professoras são convidados durante toda a formação a experimentar a ludicidade, pois, ao vivenciar uma dinâmica contextualizada e planejada, podem experimentar no seu intimo, de forma plena, os sentimentos que aquela atividade lhe proporcionou.

Certamente vivenciar uma experiência lúdica em grupo é muito diferente de praticá-la sozinho. O grupo tem a força e a energia do grupo; ele se movimenta, se sustenta, estimula, puxa a alegria, mas somente cada indivíduo, nesse conjunto vital e vitalizado, poderá viver essa sensação de alegria, partilhada no grupo.

No decorrer da semana de formação os professores são convidados a refletir sobre a importância de cada passo vivenciado, trazendo suas contribuições, seus elogios, críticas e relacionando as competências, habilidades individuais necessárias à execução de cada dinâmica. O papel do professor nessa nova proposta de trabalho não é mais o de detentor do conhecimento, mas sim o de facilitador, mediador, aquele que possibilita a construção de conhecimentos e saberes de forma coletiva.

Dessa maneira, o professor compreende que precisa, com base no conhecimento que tem de sua turma, desenvolver atividades que contribuam para o desenvolvimento de todos, não priorizar uma ou outra inteligência, mas possibilitar que todos tenham oportunidade de aprendizagem de forma satisfatória, completa, rica de conhecimento, de participação, engajamento; que todos sejam convidados a fazer juntos.

Ao final de um dia de formação com os educadores, é realizada uma avaliação sobre a vivência do dia, possibilitando que cada professor e professora avalie e apresente para o grupo suas expectativas, seus sentimentos, fazendo com que os formadores/colaboradores que estão conduzindo o curso de formação/capacitação tenham a oportunidade de saber como os participantes avaliam o trabalho realizado, permitindo a revisão do seu planejamento, a reformulação (se necessária) para os dias seguintes. Segundo Jussara Hoffmann (2012, p. 18), “a avaliação é essencial à educação. Inerente e indissociável quando concebida como problematização, questionamento, reflexão sobre a ação”.

Após uma semana de formação continuada, de troca de experiências, de construção de conhecimentos e saberes, de reflexão sobre a prática e muitos estudos sobre teóricos que contribuem para uma educação de qualidade, os professores e as professoras cheios de esperanças, fortalecidos na sua crença de que é possível uma nova postura para uma nova educação, saem da formação continuada acreditando que toda a experiência vivenciada durante uma semana com os colegas será colocada em prática com seus estudantes.

O poder do professor está tanto na sua capacidade de refletir criticamente sobre a realidade para transformá-la quanto na possibilidade de formar um grupo de companheiros e companheiras para lutar por uma causa comum (Gadotti, 2011, p. 110). Imbuídos de conteúdos significativos, sentimentos, reflexões e saberes construídos de forma colaborativa, seguem para suas escolas de origem com o objetivo de construir uma educação qualitativa, dialógica, lúdica e interativa.

A vivência durante uma semana de curso proporciona uma mudança que se leva para toda a vida, tornando nossa prática diferenciada, porque estamos diferentes de quando iniciamos, de quando chegamos.

“A educação do futuro deverá se aproximar mais dos aspectos éticos, coletivos, comunicativos, comportamentais, emocionais... Todos eles necessários para alcançar uma educação democrática dos futuros cidadãos” (Imbernón, in Gadotti, 2011, p. 35). Este é o verdadeiro papel da educação: transformar para a vida, oportunizar a cada educando a possibilidade de ser autor de sua história, de se tornar o portador da fala – e não mais apenas ouvinte. Foi essa a mensagem de Paulo Freire, que tanto pregou uma prática educativa democrática, dialógica, humanizada; graduado pela Faculdade de Direito de Recife, ao lado de outros educadores e pessoas interessadas na educação escolar, fundou o Instituto Capibaribe.

Considerações finais

A construção de uma educação mais humanizada, interativa, lúdica e bidirecional torna-se possível. Os educandos vivenciam no seu cotidiano escolar atividades pedagógicas que levam a uma maior reflexão, fundamentadas em estudos aprofundados e planejamento de educadores, acreditando que somente a partir de mudanças significativas seria possível pensar uma outra educação.

Nessa direção, o educador precisa compreender que é difícil para o educando perceber a relação entre o que esta sendo ensinado e o legado da humanidade, pois se ele não compreende então não fará sentido, e ele se torna indiferente. Cabe ao educador a motivação de seus alunos para que se crie o interesse em aprender o que é ensinado, fazendo sentido a aprendizagem, que é mediada pelo outro, pela leitura de mundo, pela leitura que faço ao compartilhar com o outro, por sermos seres inacabados.

Toda essa experiência fez com que os envolvidos olhassem ao redor com outros olhos; assim como eram vistos com outros olhares, se viam agora com um novo olhar. A aprendizagem pode fazer sentido porque aprender pode ser de forma coletiva, colaborativa, lúdica e com prazer. A sala de aula deve se transformar em um ambiente acolhedor, de aprendizagens, mas também de amizade, solidariedade e respeito. E o mundo já não parece tão grande nem assustador; os educandos podem e devem saber que têm direitos e principalmente que podem sonhar e ter esperança de uma vida mais digna. Segundo Rubem Alves (in Gadotti, 2011, p. 114), “ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais”.

Referências

DELORS, Jacques (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

FUNDAÇÃO PAULO FREIRE. Site: https://www.paulofreire.org/fundadores. Acesso em 15 ago. 2016.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. 2ª ed. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2011.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação, mito e desafio: uma perspectiva construtivista. 42ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2009.

LUKESI, Cipriano Carlos. Ludicidade e atividades lúdicas – uma abordagem a partir da experiência interna. Disponível em: www.luckesi.com.br. Acesso em: 21 ago. 2015.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.

Publicado em 19 de setembro de 2017

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