Formação do docente: caminhos, perspectivas e a necessidade de formação continuada

Isabela Priscila Araújo Rocha Guaiano

Graduanda em Letras (UFF), bolsista de Iniciação Científica (CNPq)

Flávia Monteiro de Barros Araújo

Doutora em Educação (UERJ)

Iniciar em qualquer profissão envolve expectativas e inseguranças, com o professor, não é diferente. Sobre esse profissional, recai a responsabilidade de gerir diferentes situações em seu primeiro contato com a turma, logo no começo de sua vida profissional. Essas situações não permeiam somente o campo do conhecimento, mas das relações interpessoais, da vida em sociedade. Entender quem é esse aluno, quais suas dificuldades e auxiliá-lo no processo de aprendizagem e formar indivíduos para serem cidadãos críticos.

Esse professor tem ainda a função de estar sempre atualizado, na sua área de estudo e naquilo que ocorre no mundo como um todo. Se formos considerar os processos de transformação pelos quais o mundo tem passado, que tem feito com que o conhecimento se torne obsoleto rapidamente, vale salientar a exigência de que o indivíduo reveja e reavalie seus saberes constantemente. O desafio do professor não é pequeno nem é fácil; por isso, trataremos de sua formação e de métodos relevantes que o auxiliem a estar sempre em constante aperfeiçoamento.

A formação de professores tem suscitado debates políticos e acadêmicos, porém ainda não se obtiveram resultados conclusivos no que se refere ao processo de formação desse profissional. No Brasil, a discussão atravessa fóruns de debate com um agravante maior: a realidade histórica da educação. Quando é desenhada a formação profissional ao longo dos anos no país, podemos observar que o fazer era prioridade em detrimento da capacitação; concluímos que esse ato era marcado pela ação de educadores leigos. Os exercícios na perspectiva de transformar essa realidade foram muito presentes nas últimas décadas e vêm se constituindo em ritmo crescente.

No histórico de políticas públicas de formação docente, a década de 1980 foi marcada por lutas dos profissionais da educação. O objetivo deles era reformular os cursos de formação, que reivindicavam o pensamento técnico exigido na década de 1960 e 1970. A formação docente nessa época era centrada, durante os três primeiros anos, no conteúdo; no último ano, nas disciplinas pedagógicas. Os profissionais da educação lutavam contra esse modelo, pois entendiam que era necessária uma formação com caráter mais amplo e atual, desenvolvendo consciência capaz de transformar as condições escolares, da educação e, por consequência, da sociedade como um todo.

Esse modelo emergencial, fragmentado, era criticado por ser de caráter conservador, distante do que a sociedade necessitava – e ainda necessita. Embora nos últimos anos essas discussões em torno da defesa da capacitação tenham ganhado mais notoriedade, o caminho de evidenciar políticas públicas de caráter incisivo no sentido de qualificar o docente ainda é raso. Ainda hoje, o desequilíbrio de forças políticas prejudica as diretrizes que guiam a educação, uma vez que a disputa de interesses em esferas estaduais, municipais e federais tira o foco do que deveria ser o principal.

Recuperamos algumas das principais leis no que se refere à formação de professores no intuito de compreender melhor o cenário atual. A Lei nº 4.024/61 organizava a formação em três dimensões: o ensino normal (formação de professores para o primeiro nível), as faculdades de Filosofia, Ciências e Letras (formação de professores para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio) e os institutos de educação (formação de professores do Ensino Normal). Dez anos mais tarde, a Lei nº 5.692/71 trocou produtos da primeira LDB, dando maior ênfase na formação que buscava rápida profissionalização dos trabalhadores; além disso, buscava privatizar o ensino.

A partir da Lei nº 7.044/82, os professores do Ensino Primário deveriam ter no mínimo Ensino Médio completo, os professores do Ensino Fundamental deveriam cursar licenciatura de curta duração e os professores do Ensino Médio deveriam ter licenciatura plena. Foi proposto em 1986 que se acabasse com as licenciaturas de curta duração; no entanto, pelo que mostra a história, elas só tiveram fim após a Lei nº 9.394/96. Essa nova legislação educacional brasileira atendeu às reivindicações dos professores e aos interesses do governo, que tinha como prioridade acatar as propostas dos organismos multilaterais.
Sobre a formação dos professores, a LDB em meio a diversas afirmações presentes em seus artigos, tinha o intuito de garantir que:

A formação dos profissionais da educação terá como fundamentos: a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; a associação entre teorias e práticas, mediante estágio supervisionado e capacitação em serviço e o aproveitamento da formação experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. 

O presente trabalho não tem intuito de questionar se tudo que foi proposto na lei vigorou de fato, mas chamar a atenção para o fato de que as reformas educacionais do século XX provocaram análises e estudos que buscaram elucidar e assimilar a dimensão das transformações na educação até os dias de hoje.

Sabemos que o desafio de ensinar não é pequeno para o exercício do trabalho docente, se levarmos em consideração o processo pelo qual passaram – e muitas vezes ainda passam – os professores da Educação Básica e das Licenciaturas, provenientes de faculdades cuja formação postulou uma visão fragmentada, emergencial do ‘método de ensinar’.

Muito possivelmente o trabalho desses professores refletirá a formação recebida por eles, conflitando com o parecer pedagógico que conduzem os Parâmetros Curriculares Nacionais. É necessário que a eficiência técnica e o fazer pedagógico sejam articulados, duas tarefas que são intrínsecas à atividade docente.

A conjuntura atual da educação brasileira conduz para uma estruturação de currículo que faça uma associação entre teoria e prática, com discernimentos que propiciem ao aluno ser agente do mundo em que vive e que está sempre em constantes mudanças. Faz parte do ‘ser’ educador estar atento a essas mudanças e se moldar ao perfil que é requisitado, dado que a história mostra que a educação se molda, a todo tempo, para atender às novas determinações do mercado. Neste momento se destaca a importância da formação continuada para que esse professor seja capaz de compreender essas mudanças que têm ocorrido no mundo, ou seja, compreender as informações que chegam até ele e transformá-las em conhecimento escolar.

Sabemos que esse modelo de ‘copiar e colar’, o modelo ‘reprodutivista’, já é obsoleto no atual cenário escolar, uma vez que o aluno é bombardeado com informações em todos os lugares, a todo tempo. É necessário e urgente que a escola rompa com alguns paradigmas e se enquadre na atualidade. Sobre o professor recai sempre a maioria das exigências; no entanto, é importante frisar que é necessário envolvimento de todo o corpo escolar. A escola é feita pela interação de alunos, pais, professores, direção e mais. Todos precisam passar por uma reavaliação de seus conceitos para que se renovem.

Em se tratando do professor, a formação continuada é um dos principais requisitos para essa transformação. É através do estudo, do contato constante com o novo, com novas ideias e perspectivas, que é possível mudar. A formação continuada deve ser um processo permanente de aperfeiçoamento daquilo que foi passado na formação inicial. No entanto, além de bem informado com o que ocorre no mundo, é imprescindível que educador esteja atento às novas tendências educacionais, aos novos conhecimentos pedagógicos e curriculares; por exemplo, às reformas da Base Nacional Curricular Comum.

O profissional precisa valorizar a investigação, a pesquisa como estratégia de ensino, desenvolvendo seu pensamento crítico, sendo preocupado em aprimorar sua formação. É interessante salientar que essa formação deve ser interessante, significativa para o professor e que de fato contribua para o desenvolvimento profissional; precisa refletir a realidade do professor em sala de aula, precisa ser eficaz, partindo das necessidades reais do cotidiano, valorizando o saber que já o acompanha, saber esse que não é só informativo, mas também de experiência.

Buscamos algumas ofertas de formação continuada oferecidas pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) em parceria com a Fundação Cecierj e pelo Ministério da Educação (MEC).

No site do MEC, encontramos diversas oportunidades de formação continuada para o professor: Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – curso presencial de dois anos para professores alfabetizadores; ProInfantil – curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal; Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor – curso que induz e fomenta a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade para professores em exercício na rede pública de Educação Básica; Proinfo Integrado – um programa de formação voltado para o uso didático-pedagógico das tecnologias da informação e comunicação no cotidiano escolar; o e-Proinfo – ambiente virtual colaborativo de aprendizagem que permite a concepção, administração e desenvolvimento de diversos tipos de ações; Pró-letramento – programa de formação continuada de professores para a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e Matemática nos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental; Gestar II (Programa Gestão da Aprendizagem Escolar) – oferece formação continuada em Língua Portuguesa e Matemática aos professores dos anos finais (do 6º ao 9º ano) do Ensino Fundamental em exercício nas escolas públicas.

O Programa Rede Nacional de Formação Continuada de Professores foi criado com o objetivo de contribuir para a melhoria da formação dos professores e alunos. O público-alvo prioritário da rede são os professores de Educação Básica dos sistemas públicos de educação. Relacionado a esse programa encontramos no site da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro um portal que direciona ao Projeto Seeduc, que propõe metas para cada unidade escolar, seleção de gestores de educação e elaboração de ações de capacitação permanente. Propõe que a formação continuada seja um curso de aperfeiçoamento somado a uma especialização, preenchendo as eventuais lacunas do conhecimento e a capacitação do professor, curso de 120 horas semipresencial.

No entanto, só está apto a fazer o curso de especialização, aquele que tiver concluído o curso de formação continuada. Esses cursos de especialização são oferecidos em parceria com universidades públicas participantes do Consórcio Cederj; elas são as responsáveis por elaborar todo o curso. Isso inclui: definir ementa das disciplinas, escolher os docentes e tutores, determinar a carga horária, fornecer infraestrutura física e informática. Esse curso deve durar cerca de 11 meses ou 200 horas-aula.

Sabemos que cada escola possui sua história e filosofia, que o grupo de professores que compõe cada uma dessas escolas é diverso; no entanto, acreditamos que a combinação de alguns fatores pode levar a uma formação eficiente e significativa. A formação continuada deve investir em aproximar a prática pedagógica e os pressupostos teóricos, sendo capaz de fazer com que esses dois métodos não sejam excludentes, mas aliados. Esse tipo de exercício precisa ser divulgado, compartilhado. Uma escola que investe no professor ganha como um todo. “Ninguém promove o desenvolvimento daquilo que não teve oportunidade de construir em si mesmo. (...) Ou a autonomia que não teve a oportunidade de construir”.

Referências

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GOMES, Catia Cristina; ROMANOWSKI, Joana Paulin. A formação continuada do professor do Ensino Médio: a escola como espaço para o desenvolvimento profissional. Curitiba: PUC-PR, 2006.

MAZZEU, L. T. B. A política de formação docente no Brasil: fundamentos teóricos e metodológicos. In: Reunião Anual da Anped, 32, 2009, Caxambu-MG. Anais... Caxambu, 2009.

PEREIRA, S. M. Formação de docentes para a Educação Básica no contexto das exigências do mundo do trabalho: novas (ou velhas?) propostas? Revista da Faeeba – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, nº 30, p. 105-116, jul./dez.2008.

PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.

RICCI, C. S. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a formação de professores. In: SOUZA, J. V. A. (Org.). Formação de professores para a Educação Básica: dez anos da LDB. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 159-174.

RIO DE JANEIRO. SEEDUC/RJ. Site da Secretaria de Educação. Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seeduc.

SOUZA, D. T. R. Formação continuada de professores e fracasso escolar: problematizando o argumento da incompetência. Educ. Pesq., São Paulo, v. 32, nº 3, p. 477-492, dez. 2006.

Publicado em 03 de outubro de 2017

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