A inserção de tecnologias no ensino de Física

Larissa Maria Gemino Alves Vieira

Licenciada em Física pelo Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior (INFES/UFF), Santo Antônio de Pádua/RJ

Adílio Jorge Marques

Doutor em História e Epistemologia das Ciências (UFRJ) na área de História da Ciência Luso-Brasileira, professor adjunto Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior (INFES/UFF), Santo Antônio de Pádua/RJ

Introdução

Há necessidade de mudanças no ensino de Física, em vista de maior desenvolvimento do saber científico orientado pela globalização e suas tecnologias. O entendimento de um conjunto de competências e habilidades determinadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1999) mostra que as mudanças podem partir da interação do aluno com a natureza (physis) que o cerca.

Segundo tal documento, é importante a compreensão de enunciados que envolvam códigos e símbolos, discriminação e tradução de linguagens matemáticas, elaboração de esquemas e interpretação de temas científicos, levando à possibilidade de evidenciar ao menos dois aspectos do ensino de Física nas escolas. Primeiramente, a Física como parte da cultura dos povos; e a possibilidade de compreensão do mundo pela interdisciplinaridade. Os PCN informam ainda que a Física deve buscar no Ensino Médio assegurar o resgate da competência investigativa dos alunos e

o espírito questionador, o desejo de conhecer o mundo em que se habita. Também deve ser entendida como cultura na medida em que a escola deve assegurar o acesso da população a uma parcela de saberes produzido (PCN, p. 53).

Além disso, deve analisar o aproveitamento dos alunos quanto ao aprendizado e a interatividade; de acordo com Silva (2001, p. 28),

interatividade significa libertação do constrangimento diante da lógica da transmissão que predominou no século XX. É o modo de comunicação que vem desafiar a mídia de massa – rádio, cinema, imprensa e TV – a buscar a participação do público para se adequar ao movimento das tecnologias interativas.

O uso da tecnologia móvel, em especial o celular, vem tomando proporções cada vez maiores em pouco tempo. Atualmente o brasileiro usa mais o telefone móvel para acessar a internet do que o computador, pois a praticidade que a mobilidade traz faz com que os meios tecnológicos estejam inseridos diretamente no cotidiano das pessoas.


Figura 1: Atividade em sala de aula utilizando telefone móvel como recurso

Como enfatiza Vygotsky em suas obras, é importante que o aluno seja também um agente no processo de aprendizagem. E que esteja em constante atividade com o meio para que mantenha vivo o desejo de aprender conteúdos provenientes da relação com os docentes, estando, assim, a estruturar a realidade que o cerca em sua própria consciência. Para Carvalho (2008, p. 7),

a chegada do celular (3G) promoveu a ultrapassagem da percepção de sentidos (visão/audição) tradicionais da comunicação e alcançou com estímulos táteis a superfície de nosso corpo e, de modo ainda mais rápido, vem acomodando-se à nossa mente, utilizando-se de pequenos pedaços de conteúdos audiovisuais conectados e interativos.

A ultrapassagem de percepção de sentidos citada por Carvalho permite nos comunicarmos com os conteúdos audiovisuais e com outras pessoas, possibilitando o desenvolvimento da interatividade. Sendo assim, os conteúdos interativos podem ser utilizados de diversas formas na vida das pessoas, bem como ferramenta para o ensino-aprendizagem, uma vez que são disponíveis e alcançáveis pela grande maioria dos estudantes.

O objetivo aqui é analisar a possibilidade de inserção dos dispositivos de mídia, em especial o celular, por ter se revelado acessível e com ampla difusão entre os estudantes. Além disso, analisar o aproveitamento dos alunos quanto ao aprendizado em relação à interatividade. O objetivo geral da pesquisa foi incentivado pela acessibilidade dos jovens aos recursos de mídia. A proposta é utilizar a interatividade com esses recursos aplicados ao ensino de Física. Os objetivos específicos, aliados ao objeto geral, são: discutir como os alunos correspondem à experiência do uso de celulares como auxílio na aprendizagem e avaliar a contribuição da interatividade para o ensino de Física.

O conceito e a expansão do mobile learning

Mobile learning (m-learning) é um conceito recente, definido de formas diferentes, pois está em desenvolvimento. Consiste na utilização de dispositivos de informática, como laptops, notebooks, tablets e smartphones para o auxílio do processo de ensino. Esses aparelhos, associados às redes sem fio (bluetooth, wireless application protocol – WAP), podem ser utilizados para adquirir conhecimentos e habilidades. Esses recursos podem ser utilizados com o objetivo de alcançar resultados satisfatórios em relação à aprendizagem. Segundo Krause e Mozzaquatro (2011, p. 2), mobile learning é aquele que

utiliza dispositivos móveis, como smartphones e celulares, para a maior interação e o acesso a recursos pedagógicos e com os objetos de aprendizagem (OA), independente de onde o usuário estiver com exceção da cobertura da rede sem fio.

Um dos fatores que influenciou a utilização do m-learning foi o crescimento do uso das tecnologias da informação e comunicação móveis e sem fio (TIMS). Para Kukulska-Hulme e Traxler (2005, p. 42), o mobile learning “pode ser espontâneo, portátil, pessoal, situado; pode ser informal, discreto, ubíquo e perturbador. Isso nos leva muito mais perto de a qualquer hora, em qualquer lugar”.

Deve-se considerar que o aprendiz tem sua forma de inserção na sociedade móvel; logo, ele poderá expandir seus conhecimentos no trabalho, para a família e socialmente. Conforme Vavoula (2005), o m-learning pode promover interatividade por meio do contato e da colaboração. Essa aprendizagem por meio da interatividade utilizando o m-learning transpõe o método de aulas lineares e sequenciais.

A Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura – realizou a Mobile Learning Week – MLW em 2016 para dialogar sobre as formas que as tecnologias móveis têm a oferecer em diferentes contextos para vários grupos e proporcionar a garantia de qualidade e a educação para todos atualmente e no futuro. Em 2017, o tema do MLW foi: "Educação em situações de emergência e crises", no qual foram abordados temas relacionados à inclusão, ao prosseguimento da aprendizagem em meio a conflitos e desastres, ao fornecimento de oportunidades de aprendizagem para refugiados e ao favorecimento às influências nas intervenções humanitárias.

O passo inicial para a inserção das tecnologias no ensino é combater os desafios sociais, técnicos e econômicos. E também sugestionar que os dispositivos móveis podem ser aliados da educação. De acordo com Nestel et al. (2010, p. 1), para o m-learning “há dois elementos principais, primeiro, o hardware, e o segundo, o ambiente virtual de aprendizagem (VLE)”. O foco deste trabalho está no segundo elemento, a aprendizagem virtual; sendo assim algumas teorias de aprendizagem podem serão relacionadas a este caso.

Dialogando com os teóricos utilizados

De acordo com Lev Vygotsky (1896-1934), a forma de interação social interfere diretamente no desenvolvimento cognitivo. Ele considera os mediadores das ações humanas como ferramentas psicológicas ou simbólicas. As ferramentas mediadoras são as formas ou recursos utilizados para alcançar os objetivos, por exemplo, cultura, linguagem e contextos. Por meio dessas ferramentas, comportamentos naturais são convertidos em comportamentos elevados. Essas ferramentas, segundo Vygotsky, estão relacionadas de forma direta ao conteúdo social.

Vygotsky propôs a existência de dois níveis de desenvolvimento. O primeiro se chama real; nele estão incluídas as funções mentais que já estão desenvolvidas, pode-se compreender como as habilidades e os conhecimentos que o aluno já detém. É exatamente nessa separação entre o que o aluno executa e o que ele pode executar com alguma assistência ou troca que se encontra o segundo nível de desenvolvimento, que ele denomina “zona de desenvolvimento proximal” (Rego, 2007).

De acordo com Vygotsky, “todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade” (Vygotsky, 1996). Assim, é possível perceber que as habilidades cognitivas desenvolvidas por um ser humano estão diretamente ligadas com a sociedade e a cultura social na qual está inserido.

Para Vygotsky, é relacionando esses dois pontos que o aluno se desenvolve mentalmente, interagindo e trocando experiências. Diante disso, pode-se afirmar que a zona de desenvolvimento proximal no presente será posteriormente o nível de desenvolvimento real, ou, em outras palavras, aquilo que atualmente um aluno só consegue fazer com auxílio de outra pessoa no futuro ele conseguirá fazer sozinho. As mediações não se limitam aos professores, tampouco a seres humanos; elas podem vir por meio de livros, dispositivos de mídia e até mesmo dispositivos tecnológicos. Ao inserir mídias e ferramentas digitais no ensino de Física, pode-se desenvolver as possibilidades de interação do aprendiz com recursos tecnológicos.

Philippe Perrenoud enumerou as dez competências necessárias para ensinar no século XXI; para ele, “competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, entre outras) para solucionar uma série de situações”. O necessário saber para ensinar numa sociedade em que a informação está cada vez mais disponível, segundo ele, é:

organizar e dirigir situações de aprendizagem; administrar a progressão das aprendizagens; conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; trabalhar em equipe; participar da administração escolar; informar e envolver os pais; utilizar novas tecnologias; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; administrar a própria formação (Marangon; Lima, 2002, p. 24).

A primeira competência, organizar e dirigir situações de aprendizagem, coloca o professor como gestor da aprendizagem, podendo utilizar os acontecimentos ao seu redor para direcioná-los para o aprendizado. Quando o aluno atingir a zona de desenvolvimento proximal, é necessário que esse professor seja capaz de organizar e dirigir esse processo pela mediação. A segunda competência, administrar a progressão das aprendizagens, significa que o professor deve diferenciar os elementos que se interpõem entre a zona de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento potencial, a fim de desenvolver as potencialidades dentro da zona de desenvolvimento proximal, de forma a complementar a terceira competência, conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação, considerando nesses elementos a diversidade na forma de aprendizagem dos alunos.

Na quarta competência, envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho, Perrenoud se refere à inserção dos alunos nas atividades pedagógicas como agentes operantes, ou seja, devem ser agentes do processo de aprendizagem em atividade em relação ao meio, a fim de estruturar a realidade dentro do seu conhecimento. Não são somente os alunos que devem ser inseridos, mas também, pais, gestores, funcionários e membros da comunidade; além disso, segundo Vygotsky, as ferramentas mediadoras estão relacionadas a um conteúdo social; de acordo com a quinta competência de Perrenoud, o professor deve trabalhar em equipe. Entre as relações sociais também se destacam a sexta e a sétima competências, participar da administração escolar e informar e envolver os pais.

Em relação à oitava competência, utilizar novas tecnologias, segundo Perrenoud (2000, p. 129),

se fosse preciso iniciar seriamente os alunos na informática, o caminho mais interessante seria inseri-la completamente nas diversas atividades intelectuais cujo domínio é visado, particularmente cada vez que as TIC liberam das tarefas longas e fastidiosas que desestimulam os alunos, tornando mais visíveis os procedimentos de tratamento ou as estruturas conceituais ou permitindo que os alunos cooperem e compartilhem os recursos.

Dessa forma, as TIC podem ser utilizadas como ferramentas mediadoras para que os alunos atinjam um conhecimento mais elevado; além disso, podem proporcionar interação social por meio de cooperação e compartilhamento desses recursos. A competência de enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão trata de temas polêmicos relacionados ao cotidiano do professor, como preconceito, discriminação, violência, solidariedade e justiça. A última competência, que é administrar a própria formação, sugere, depois de adquirir uma competência, colocá-la em prática.

Considerações finais

Entre o conceito de zona de desenvolvimento proximal e as competências enumeradas por Perrenoud encontra-se a necessidade de aprimoramento da aprendizagem. A interatividade pode ser utilizada para inovar o processo de ensino-aprendizagem por meio da participação e cooperação entre alunos; eles deixam de ser apenas alunos passivos e passam a ser agentes operantes na sua construção. Vygotsky e Perrenoud discutem as competências do professor. Ambos deixam bem clara a capacidade de lidar com informações e as formas de interação social.

É importante colocar o aluno como agente do processo de aprendizagem em constante atividade em relação ao meio, para que o aluno tenha o desejo de adquirir cada vez mais conteúdos provenientes desse meio que possam estruturar sua realidade.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 1999.

CARVALHO, N. Da telinha do celular, pequenas mídias ditam um novo conceito. Culturas midiáticas, ano I, nº 1, dez. 2008.

IBGE. Acesso a internet e televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal. 2014.

KRAUSE, M. C.; MOZZAQUATRO, P. M. Arsha: objeto de aprendizagem móvel adaptado a padrões de usabilidade e acessibilidade. Disponível em: http://www.santoangelo.uri.br/stin/Stin/trabalhos/08.pdf. Acesso em: 28 out. 2016.

KUKULSKA-HULME, A.; TRAXLER, J. Mobile learning: a handbook for educators and trainers. London: Routledge. 2005.

TAYLOR, J.; VAVOULA, G. Towards a theory of mobile learning. Paper presented at mLearning 2005. Disponível em: http://www.compassproject.net/sadhana/teaching/readings/sharplesmobile.pdf. Acesso em 22 nov. 2016.

MARANGON, C.; LIMA, E. Philippe Perrenoud: educar para crescer. Nova Escola Edição Especial, São Paulo, ago. 2002.

NESTEL, D.; GRAY, K.; HILL, R.; VILLANUEVA, E.; KOTSANAS, G.; OATEN, A.; BROWNE, C. Evaluation of mobile learning: students' experiences in a new rural-based medical school. BMC Med Educ, 2010.

PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar: convite à viagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da Educação. Petrópolis: Vozes, 2007.

SILVA, M. Sala de Aula Interativa. A educação presencial e à distância em sintonia com a era digital e com a cidadania. Disponível em: http://danielneri.ouropreto.ifmg.edu.br/wp-content/uploads/sites/26/2015/05/artigo-marco-silva.pdf. Acesso em: 29 out. 2016.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Publicado em 17 de outubro de 2017

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