Pibid, currículo mínimo e lazer: limites e possibilidades
Anderson Paulo Silva da Fonseca
Licenciado em Educação Física (UFRRJ)
Renata Loiza Alcântara Soares
Licenciado em Educação Física (UFRRJ)
Felipe Lameu dos Santos
Doutorando em Educação (UERJ), professor do Departamento de Educação Física e Desportos (UFRRJ)
Introdução
Desde 2014 estamos inseridos no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) do curso de Educação Física da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Nele são analisadas, estudadas e discutidas situações provenientes de nossas intervenções no ambiente escolar com turmas de Ensino Médio da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro situadas no município de Seropédica. O motivo de atuarmos em escolas dessa especificidade está no fato de trabalharmos essa temática do Currículo Mínimo, documento elaborado para servir como ferramenta norteadora para os professores da rede estadual, auxiliando-os durante as aulas (Rio de Janeiro, 2012). Com o decorrer das reuniões e recorrentes intervenções nas escolas, percebemos que poderia ser interessante analisar e identificar as possibilidades de tratar o lazer dentro da escola com base nas possibilidades propostas pelo Currículo Mínimo.
Antes de adentrar a temática do lazer e do Currículo Mínimo, devemos compreender o papel da escola e da educação na vida do aluno. Para Sacristán (2000, p. 43-44), o ambiente escolar e seus profissionais devem proporcionar aos alunos uma experiência única, em que estes vivenciem a cultura e suas formas diversas de modo amplo e inclusivo sem qualquer preocupação que não seja a vivência dessas possibilidades. Buscando uma definição a respeito do papel da Educação Física no contexto escolar, consideramos as diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 2000, p. 42), em que a Educação Física é considerada responsável por proporcionar as diversas manifestações da cultura corporal, respeito mútuo e – o ponto que queremos destacar – a formação autônoma para práticas voltadas e direcionadas ao lazer.
Além de ser um elemento citado e defendido pelos PCN, o lazer também está proposto em leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei nº 9.394/96). Em ambos ele é visto como um direito em que o Estado e a escola devem apresentar propostas e possibilidades para que seja oferecido.
Isayama (2003, p. 196) define o lazer como um tempo livre compreendido no período entre as jornadas de trabalho e os descansos semanais. Considerado o principal teórico nos estudos sobre o lazer, Dumazedier (2008, p. 28) o apresenta como algo que pressupõe o trabalho, significando uma liberação periódica deste, indicando que a separação de ambos, como existe, pode prejudicar a sua vivência.
É interessante vermos que, com as mudanças no sistema e o capitalismo imperando de forma cada vez mais escusa, as exigências e expectativas da sociedade passam a se modificar. LaFargue (1999, p. 8) indica essa diferença na sociedade moderna. Na Idade Média, antes da Revolução Industrial, o trabalho era tido como algo degradante, diferente da concepção moderna, que o considera ferramenta enaltecedora da nobreza e da moral do ser humano.
Vistas tais definições e lembrando que o lazer deve ser aliado a um caráter de liberdade e desobrigação para não ser descaracterizado, como podemos, a partir das propostas do Currículo Mínimo, apresentar essas possibilidades?
É nesse questionamento que este trabalho irá se basear, fundamentado em uma análise do Currículo Mínimo e da nossa experiência nas escolas através do Pibid, a fim de identificar o conteúdo lazer e mostrar como ele está atrelado aos demais conteúdos da Educação Física.
Metodologia
Esta pesquisa é sustentada pelos relatos de experiência dos bolsistas do subprojeto Pibid/Educação Física em torno das possibilidades de trabalhar os eixos e competências do Currículo Mínimo do Estado do Rio de Janeiro. Na formulação dos planejamentos para turmas do Ensino Médio, deparamo-nos com a dificuldade de adequar o lazer para as aulas ministradas nessa etapa. Com base nas análises do documento nas reuniões semanais e nas observações nas aulas das escolas parceiras surgiu a inquietação de como abordar o lazer diante da resistência dentro do próprio sistema educacional. Buscamos para as aulas a apropriação do lazer na sua essência, com atividades prazerosas e a funcionalidade prevista no Currículo. A dificuldade foi recorrente e o planejamento não saía do papel. Confrontamo-nos com um sistema que impõe o Ensino Médio como formador de mão de obra imediatista para o mercado de trabalho, privando os alunos de uma abordagem diferenciada, com conteúdos pertinentes ao seu cotidiano dentro e fora da escola, à promoção da saúde e bem-estar, além da satisfação prazerosa do lazer como atividade democrática, livre e sem obrigações.
Reportamos nossas experiências e frustrações ao grupo de discussão do Pibid, identificando problemáticas semelhantes e pertinentes à execução do Currículo Mínimo. Na análise de dados, apresentamos e discutimos nossa bagagem de vivências e experiências do Pibid sobre a problemática apresentada nessa pesquisa estruturada com a supervisão da orientadora e dos supervisores do subprojeto, em que estamos em constantes debates sobre novas propostas de como lidar e superar essas adversidades dentro da educação.
Análise e discussão
Com base em uma análise dos conteúdos do Currículo Mínimo para o Ensino Médio, identificamos quatro componentes predominantes: Esporte, Jogo, Atividades Rítmicas e Expressivas e Ginástica. No Ensino Médio, a proposta para tais conteúdos é basicamente contextualizar e problematizar essas atividades com o contexto social e a promoção da autonomia dos alunos com relação a suas práticas. De acordo com a LDBEN (Brasil, 2014, p. 24), o Ensino Médio tem a função de preparar os alunos para o trabalho e para o convívio em sociedade. O fato de o Estado utilizar documentos para propor o modo como quer que a educação seja desenvolvida pode servir como forma de controlar cada vez mais a sociedade. Darido (2001) sustenta que os PCN podem ocupar a função de ferramenta propagadora dos ideais neoliberais, em que o Estado oferece o mínimo e tenta difundir o ideal de uma pseudoautonomia para os cidadãos.
Durante esse tempo de Pibid analisando e trabalhando com o Currículo Mínimo em questão, encontramos orientações bastante significativas para a formação do aluno do Ensino Médio, mas sempre discutimos os ajustes necessários para o desenvolvimento proposto no contexto de inserção vinculado as experiências socioculturais vivenciadas pelos alunos. Para Darido (2001), tomando por base uma abordagem integrada dos temas transversais presentes nos PCN, o professor pode romper os limites dos conteúdos apresentados e, com sensibilidade, pode criar condições favoráveis à sua prática educativa.
Mesmo o lazer tendo sua inserção nessas temáticas de cunho social, observamos durante as aulas pouco conteúdo voltado para o lazer, principalmente com o objetivo de despertar nos alunos a consciência da importância do tempo destinado ao lazer em prol da promoção da saúde e do bem-estar. Corroborando essa deficiência, encontramos no Currículo Mínimo sua abordagem velada nos conteúdos em destaque. O jogo, por exemplo, conteúdo presente no currículo da Educação Física, pode ser utilizado como ferramenta aliada, considerando nesse eixo as inúmeras possibilidades a serem trabalhadas. Quanto a isso, os PCN do Ensino Médio dizem que
os jogos podem ter flexibilidade maior nas regulamentações, que são adaptadas em função das condições de espaço e material disponíveis e do número de participantes, entre outros. São exercidos com caráter competitivo, cooperativo ou recreativo em situações festivas, comemorativas, de confraternização ou ainda de cotidiano, como simples passatempo ou diversão (Brasil, 2000).
Pode-se dizer, de acordo com o que está documentado e de acordo com a nossa experiência nesses anos de Pibid, que vemos os conteúdos de Jogos, Esportes, Ginástica e Atividades Rítmicas e Expressivas sendo trabalhados de forma doutrinadora, condicionando o aluno a consentir e aceitar as imposições do sistema. Maciel (2011, p. 328) ressalta que a Educação está baseada na visão neoliberal, sendo impulsionada pelo viés da economia, visando exclusivamente à formação de capital humano.
Isso significa que um programa de ensino baseado nas práticas de lazer que poderiam trazer benefícios na melhoria da saúde mental e nos efeitos do estresse, facilitar o processo de ensino-aprendizagem (Marcelino, 2004, p. 152) e que apresenta conteúdos predefinidos pelo Currículo Mínimo, podendo vir a contribuir significativamente como ferramentas difusoras e propagadoras de vivência com o lazer, acaba sendo visto e tratado com base na lógica do sistema.
No livro Consenso e Conflito, Marinho (2005, p. 51) elucida que essa prática educacional voltada para o desenvolvimento de mão de obra era algo comum e bem difundido durante as Revoluções Inglesa e Industrial, quando se defendia que os filhos dos operários deveriam receber uma educação voltada para disciplinar o caráter, adaptando-os para o desempenho fabril e as demandas trabalhistas mais simples, enquanto os filhos dos burgueses receberiam atenção mais especializada, com diversas disciplinas para desenvolverem-se na sua completude e total capacidade.
Em se tratando do Ensino Médio, isso se torna ainda mais relevante pelo fato de que esses alunos serão inseridos na sociedade para poder vivenciá-la e contribuir para sua construção. Sendo assim, torna-se difícil a disseminação do lazer pelos conteúdos propostos pelo Currículo Mínimo, uma vez que, para Dumazedier (2008, p. 88), o lazer não deve ser tratado como categoria específica, mas sim ser desenvolvido como um tipo de comportamento para ser encontrado em coexistência com qualquer atividade que se desenvolva – no nosso caso, as propostas curriculares.
Considerações finais
Nosso país sofre forte crise, com precedentes de prosseguir principalmente no que diz respeito à parte da Educação, atingindo diretamente a Educação Física, que sempre foi uma área que provocava dúvidas e desconfianças em relação à sua funcionalidade e à sua competência. Após muitas discussões e diversas conquistas, é primordial que nós, como profissionais da Educação, não sejamos vencidos e desestimulados por um sistema que não nos apoie e que vise apenas o lucro e a produção em demasia.
A doutrinação dos alunos no ambiente escolar para que sejam marionetes do sistema, servindo como mão de obra barata e acostumada com o mínimo, é algo que deve ser combatido diariamente por professores e todos os envolvidos no processo educacional. Combater essa alienação não significa representar partidos políticos, mas sim representar a profissão de professor como formador de cidadãos.
O Currículo Mínimo é um documento riquíssimo, com conteúdos que podem ser voltados para a prática do lazer, favorecendo o processo de aprendizagem e o bem-estar dos alunos, ainda mais daqueles que estão no Ensino Médio sofrendo altíssima carga emocional da escola, da sociedade e da família. Esses conteúdos que, devido a orientações superiores, não são contemplados na sua magnitude e da forma como poderiam auxiliar de fato deixam de somar de forma subjetiva para a formação desses jovens.
Não podemos, de fato, afirmar que uma educação voltada para a prática do lazer seria mais interessante para a formação do sujeito, até porque seria algo utópico, uma vez que em nosso sistema o que se aplica é o modelo oposto. Por outro lado, podemos supor que sim, poderia ser funcional, visto que, em anos de educação baseada na doutrinação mercadológica, tivemos como resultado a mecanização e a precarização da formação de nossos jovens recém-saídos do Ensino Médio.
Concluímos que, por mais que o Currículo Mínimo apresente propostas que possam ser adequadas para a familiarização e a estimulação do lazer, torna-se difícil sua execução na essência pelo fato de o sistema (Estado, mídia) impulsionar para práticas que satisfaçam as necessidades do mercado. Fica, portanto, o desejo de trabalhar esta proposta por meio do Pibid, que tem por função justamente a melhoria dos processos educativos aplicados no dia a dia por professores, libertando de forma gradativa os alunos para serem formados em sua completude.
Referências
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 2000.
DARIDO, S. C. et al. A Educação Física, a formação do cidadão e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Rev. Paul. Educ. Fís., São Paulo, v. 15(1), p. 17-32, jan./jun. 2001.
DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1973.
ISAYAMA, H. F.; WERNECK, C. L. G. Lazer, recreação e Educação Física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
LAFARGUE, P. O direito à preguiça. eBooksBrasil.com, 1999.
MACIEL, K. F. O pensamento de Paulo Freire na trajetória da educação popular. Revista Educação em Perspectiva, v. 2 nº 2, p. 326-344, 2012.
MARCELLINO, N. C. (Org.). Lazer e educação. 11ª ed. Campinas: Papirus, 2004.
MARINHO, V. Consenso e conflito, Educação Física brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
RIO DE JANEIRO (estado). Currículo Mínimo de Educação Física do Ensino Fundamental e Ensino Médio da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Seeduc, 2012.
SACRISTAN, J. G. A educação que temos, a educação que queremos. In: IMBERNÓN, F. A educação no século XXI: desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
Publicado em 28 de novembro de 2017
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