Aulas de Química inovadoras ajudam o combate ao consumo de álcool

Gabriela Sant’Anna de Oliveira

Professora da SEEDUC/RJ

Any Bernstein

Professora da Fundação Cecierj

A educação é um processo que requer do educador compromisso com a formação do cidadão. Para isso, o professor deve buscar continuamente conhecimentos científicos e novas práticas de ensino, utilizar terminologia científica correta, proporcionar oportunidade de troca de ideias entre os alunos, encaminhar atividades que utilizem conhecimentos científicos e dinâmicas ativas de experimentação que estejam inseridas na pauta dos debates de interesse, contribuindo com a formação de sujeitos transformadores da realidade.

O curso Letramento Interdisciplinar em Ciências, oferecido em 2017/2 pela Diretoria de Extensão da Fundação Cecierj, mostrou novos caminhos para que o professor de Ciências possa melhorar a Educação Científica da população. Nos fóruns de discussão, os cursistas propuseram modificações necessárias para a produção de melhorias no letramento científico dos alunos de nível médio, e em práticas docentes foram trabalhados os aspectos científicos presentes no contexto escolar.

Este artigo tem como objetivo divulgar um trabalho desenvolvido no ensino de Química junto a alunos do terceiro ano do Ensino Médio noturno num colégio estadual do Rio de Janeiro, a partir da observação de que muitos alunos faltavam às aulas, principalmente após finais de semana, ou, quando compareciam, chegavam atrasados e com cheiro de bebida alcoólica. Ao serem questionados sobre essas atitudes, muitos estudantes disseram que as bebidas alcoólicas integravam a vida social de muitos jovens e que, em suas experiências iniciais de vida, eram impulsionados a adquirir o hábito de beber. Também relataram o costume do consumo em suas casas, uma vez que pais, mães e parentes tinham o hábito de beber cachaça, cerveja ou vinho antes ou após as refeições.

Essa situação é relatada em muitas escolas e, em função disso, o Governo Federal investiu em programa de prevenção ao uso de drogas aplicado a adolescentes de escolas públicas; é o chamado #Tamojunto; foi desenvolvido pelo Ministério da Saúde em 2013. Foi uma das primeiras políticas públicas para prevenção de uso de drogas entre adolescentes em parceria com um grupo da ONU e apresentou modelos exitosos fora do país. A proposta era promover discussões entre alunos de 10 a 14 anos de idade, em uma linguagem descontraída e acessível, abordando diversos assuntos e situações de estresse, com o objetivo de evitar ou adiar o interesse do adolescente por fazer uso de álcool pela primeira vez. O projeto envolvia doze aulas dadas por professores do 8º ano do Ensino Fundamental, com dinâmicas de grupos, jogos e debates.

Entretanto, estudos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC) constataram um efeito contrário: todo esse esclarecimento aumentou em 30% o interesse pelo consumo do álcool, em comparação com alunos não expostos ao projeto (3.300 alunos do grupo controle). Um dos problemas apontados no programa brasileiro foram alterações em textos que podem ter levado a ambiguidades. O governo, então, decidiu suspender o programa.

A prevenção dos problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas em escolas é uma tarefa desafiadora, seja ela implementada pelo professor ou por um agente externo.  A adolescência é geralmente a fase de maior vulnerabilidade, em que os jovens experimentam pela primeira vez algum tipo de substância psicoativa (SPA) – legal ou ilegal. Pesquisas apontam que a SPA mais acessível e consumida entre a população adolescente e jovem é o álcool. Várias pesquisas na área de saúde pública mostram que esse consumo começa em torno dos 13 anos de idade. Por isso, é de grande importância o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas ao enfrentamento do consumo de drogas por jovens.

O papel da escola, no âmbito da prevenção, é educar os jovens a buscar e desenvolver sua identidade e subjetividade, incentivar a cidadania e a responsabilidade social e garantir a incorporação de hábitos saudáveis.

O letramento científico é a forma inovadora de conscientizar o cidadão

Diante do fato e da multiplicidade de sentidos e significados que o consumo do álcool envolve, foi decido pela professora iniciar uma reflexão com os alunos sobre a ingestão de bebidas alcoólicas por adolescentes. A discussão motivou a necessidade de explorar conteúdos científicos interdisciplinares ligados à Química, à Bioquí­mica, a saúde-medicina, história cultural, família, vida social, transtornos psiquiátricos e contemporaneidade (trânsito e bebida).

Primeiramente, foi lido um artigo sobre o álcool na mitologia. Em seguida, foi abordado em aula um tema central da Química: o conceito de álcool, com a comparação da estrutura molecular e das propriedades físicas e químicas do etanol a outros álcoois e moléculas semelhantes com outros grupos fun­cionais. Para iniciar a compreensão química das bebidas alcoólicas, estudaram-se as conversões de unidades, envolvendo a estequiometria da fermentação e o conceito de grau Gay-Lussac. Os alunos puderam avaliar o teor alcoóli­co de diferentes bebidas, a relação entre consumo, massa corporal e taxa de absorção do etanol, após uma pesquisa sobre os efeitos do álcool no organismo. E entenderam por que baixas doses de vodca têm efeito mais acentuado do que a cerveja. Da mesma forma, refletiram sobre os benefícios do consumo moderado do vinho para a saúde e a demarcação da fronteira entre o beber normal e o alcoolismo. Após estudar a química do bafômetro, elaboraram uma mostra de cartazes para a comunidade escolar sobre os perigos do álcool não só no trânsito.

A primeira função da escola é ensinar conhecimentos socialmente produzidos pelo homem ao longo da história. Para alcançar esse objetivo, é necessária uma busca de conteúdos significativos, com uma sequência adequada, fazendo uma reflexão crítica e (re)significação dos conteúdos curriculares para que estes levem a um verdadeiro letramento científico e à consequente formação de cidadãos críticos. Por isso, não dá para importar programas de combate a drogas só porque deram certo em outros países; temos que inovar!

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Publicado em 12 de dezembro de 2017

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