Iniciação científica júnior: resultados de uma pesquisa sobre a gestão da sala de aula
Isabella Ferreira
Colégio de Aplicação da Universidade Estadual de Londrina
João Pedro Cunha Silva
Colégio de Aplicação da Universidade Estadual de Londrina
Ana Luíza Silva Suzuki
Colégio de Aplicação da Universidade Estadual de Londrina
Fábio Luiz da Silva
Unopar (orientador)
Fabiane Tais Muzardo
Unopar (orientadora)
Introdução
O presente artigo descreve os resultados de uma pesquisa sobre gestão da sala de aula, parte de um projeto realizado pelo Programa de Mestrado em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias da Universidade Norte do Paraná (Unopar). São apresentados os resultados da pesquisa propriamente dita e da atividade de iniciação científica sobre os alunos e alunas participantes. Uma das ações desenvolvidas nesse contexto envolveu alunos e alunas do Ensino Médio de uma escola pública do município de Londrina, no Paraná, participantes de atividades de iniciação científica júnior.
Alunos e alunas da primeira série do Ensino Médio foram convidados a participar do projeto e realizaram leituras a respeito de metodologia científica e gestão da sala de aula. Após discussões sobre o tema, esses alunos e alunas criaram um instrumento de pesquisa para coletar dados sobre o entendimento dos alunos sobre as práticas de gestão em sala de aula, tanto no aspecto de manutenção da disciplina – primeira parte do instrumento – quanto das metodologias empregadas pelos professores nos processos de ensino e aprendizagem – segunda parte do instrumento. Essas duas partes correspondem, respectivamente, aos conceitos de gestão da classe e gestão da matéria, propostos por Gauthier et al. (2013).
O instrumento foi pensado e elaborado pelos próprios alunos, que contaram com nossa orientação quanto ao modo como deveriam proceder, desde a organização do instrumento, passando pela forma de elaboração das questões até a maneira de aplicação do instrumento, fatores que podem influenciar a interpretação dos dados capturados.
Os professores de História e Geografia aceitaram participar da pesquisa e tiveram suas aulas analisadas pelos alunos. Os próprios alunos do projeto aplicaram os instrumentos em classes do 9º ano da escola em que estudam, no contraturno. Após a aplicação, os dados foram tabulados e analisados. Os resultados dessa análise são apresentados a seguir.
Análise dos dados
Participaram da pesquisa 59 alunos de duas turmas de 9º ano de uma escola localizada na área central do município de Londrina/PR. Essa escola oferta ensino desde a Educação Infantil até o Pós-Médio. A aplicação dos questionários foi realizada durante o horário normal de aulas, com a autorização da direção da escola e dos professores envolvidos. Ao responderem às questões, os alunos deveriam pensar em suas aulas de História e Geografia, lecionadas pelos mesmos professores em ambas as turmas. Na primeira parte do instrumento, os alunos deveriam escolher entre cinco opções: sempre, quase sempre, às vezes, nunca e em branco. As quatro primeiras perguntas visavam entender as práticas de gestão realizadas pelos professores para a manutenção da disciplina em sala de aula.
Quando questionados sobre a frequência com que o professor interrompe as explicações do conteúdo para chamar a atenção de alunos indisciplinados, a maioria dos alunos selecionou a opção “às vezes”, sendo 57,2% em História e 67,9% em Geografia. Praticamente a mesma porcentagem – 8,9% e 8,5%, respectivamente em História e Geografia – indicou a opção “sempre”, enquanto 5% afirmaram que o professor de Geografia “nunca” para a explicação. Essa opção não foi escolhida por nenhum aluno no que diz respeito à disciplina de História.
A opção “nunca” teve destaque quando os alunos foram questionados sobre a frequência com que seu professor grita em sala de aula: 61% dos alunos disseram que o professor de Geografia “nunca” grita em sala de aula, enquanto 33,9% disseram o mesmo sobre o professor de História. Nesta disciplina, a opção mais selecionada a esse respeito foi “às vezes”: 55,3%.
Quando questionados sobre a frequência com que o professor coloca os alunos para fora da sala e os deixa sem assistir aula, as opções “às vezes” e “nunca” tiveram total predomínio. “Às vezes” foi selecionado por 21,4% e 27,1%, respectivamente, de História e Geografia, enquanto “nunca” foi selecionado por 76,8% e 72,9%, na mesma ordem.
Segundo os alunos, o professor de Geografia leva menos tempo para organizar a turma – fazer a chamada e começar a explicação – do que o professor de História: 57,6% dos alunos disseram que o professor de Geografia leva até cinco minutos para organizar a turma, enquanto 51,8% disseram que o professor de História leva de cinco a dez minutos.
Percebe-se, desse modo, que, apesar de algumas discrepâncias, houve visível constância na forma como os alunos analisaram as práticas de gestão dos dois professores: o professor de Geografia, segundo os alunos, interrompe menos a explicação por motivos de indisciplina, ao mesmo tempo que grita menos e começa a explicação dos conteúdos mais rapidamente.
Os alunos foram questionados sobre quais metodologias aplicadas pelos professores, eles acreditam que fazem com que aprendam mais. Nesse sentido, deveriam escolher um número numa escala de 1 a 5 em que: 1 refere-se a uma metodologia não eficaz; 2 pouco eficaz; 3 mais ou menos eficaz; 4 eficaz; 5 muito eficaz. Vale ressaltar que se trata da visão dos alunos, da forma como eles acreditam que aprendem mais. Isso significa que não se pode afirmar que tais metodologias sejam efetivamente mais eficazes.
A análise dos dados nos permite afirmar que, na perspectiva dos alunos, algumas metodologias têm tendências positivas: aulas expositivas com o auxílio do quadro, aulas expositivas com auxílio do datashow, leitura em voz alta do livro didático, atividade em grupo em sala de aula, debate e resolução de exercícios em sala de aula. Por outro lado, outras metodologias, segundo eles, têm tendências negativas: seminário e cópia do livro didático.
Das metodologias com tendência positiva destacaram-se as aulas expositivas com auxílio de datashow, leitura em voz alta do livro didático e debate. Todas essas metodologias tiveram mais de 50% dos alunos afirmando se tratar de metodologias muito eficazes. No lado oposto, para 31,1% dos alunos os seminários não são eficazes, enquanto para outros 50,6% a cópia do livro didático também não é uma metodologia eficaz.
Analisando as disciplinas de modo individualizado, segundo os alunos, na disciplina de História a metodologia mais eficaz é a leitura do livro didático em voz alta – opção escolhida por 35,6% dos alunos –, seguida do debate – 25%. Em Geografia, a metodologia mais eficaz, segundo eles, é a aula expositiva com auxílio de datashow – 40,6% -, também seguida do debate – 32,2%.
No extremo oposto, a metodologia menos eficaz nas duas disciplinas, segundo os alunos, seria a cópia do livro didático, opção selecionada por 28,5% e 22,1% dos alunos em História e Geografia, respectivamente.
Os dados coletados indicam similaridade entre as aulas dos dois professores investigados.
Quanto à gestão da sala de aula, definida por Brophy como sendo as medidas tomadas pelo professor para “criar e manter um ambiente de aprendizagem propício para o ensino eficaz (organizar o ambiente físico, estabelecer regras e procedimentos, manter a atenção dos alunos nas aulas e engajá-los nas atividades)” (2011, p. 17), podemos imaginar que ambos os professores têm conseguido dar conta dessa dimensão do fazer pedagógico de maneira adequada.
Em relação à gestão da matéria, parece-nos que não é possível afirmar com certeza que os alunos estão corretos em suas avaliações a respeito das práticas docentes. O importante, no entanto, foi perceber que os alunos têm opinião sobre as metodologias utilizadas pelos professores, e essa visão talvez possa influenciar o próprio desempenho escolar.
Considerações finais
O objetivo deste projeto, além de coletar dados a respeito da gestão da sala de aula, foi aproximar os alunos da pesquisa acadêmica, fazendo-os se sentir mais familiarizados com determinados conceitos, como os diferentes tipos de pesquisa existentes, além de proporcionar reflexão sobre a complexidade de elaborar um instrumento e analisar os dados que eles nos proporcionam.
Ao final do projeto, convidamos os alunos a participar de um evento científico realizado na cidade de Londrina. Nesse evento, os alunos participaram de todas as atividades: a palestra inaugural, apresentaram um painel com os principais dados da pesquisa e participaram das comunicações orais, em um simpósio temático sobre gestão em sala de aula, ouvindo estudantes da graduação, professores e pesquisadores da área. Findas as atividades, perguntamos de que modo eles se sentiram afetados pela participação no projeto. Isabela, uma das alunas, disse que, ao ser convidada a participar de um projeto de pesquisa, não tinha ideia do que se tratava, mas que gosta de novas experiências.
Comecei a pensar a respeito de tudo o que ele havia dito [refere-se ao convite feito em sala de aula] e me dei conta de que eu não sabia nada a respeito, nem o que era “aquele tal” de Lattes. E foi aí que uma semana decisiva começou. Fiz algumas pesquisas, conversei com os meus pais e decidi me arriscar. [...] Os dias passaram e eu entendi o que era aquele projeto todo, o Currículo Lattes, o nosso objetivo lá. Compreendi que existem pesquisas quantitativa, qualitativa, aplicada ou básica. Com o projeto, consegui ter mais empatia pelos professores e me apaixonei ainda mais pela profissão, vendo o esforço que eles têm para lecionar. Pude compreender também o processo de tabulação e como analisar os resultados da pesquisa e, dessa forma, fui treinando a minha escrita. Gostei muito do projeto como um todo, mas eu adorei fazer e aplicar o questionário. Acredito que a principal razão para este trabalho ter sido importante foi a experiência. Tenho 15 anos, com Currículo Lattes e a experiência de ter feito parte de um projeto muito significativo e importante na vida.
Outro aluno, João, disse que assim que ouviu falar sobre pesquisa pensou em algo relacionado à área de Ciências Biológicas.
Quando eu ouvi pela primeira vez "iniciação científica", eu imaginei algo relacionado a ciências. Eu me imaginei em um laboratório com vários tubos com líquidos coloridos e uma fumaça saindo deles e aqueles jalecos brancos, óculos de proteção e tudo o mais. Só que não é bem assim. É algo muito menos elaborado, não é tão fácil, mas também não é algo ridículo de difícil. Exige paciência pra elaborar as perguntas, sentar e analisar os dados. A coisa que eu mais gostei de tudo isso foi a parte em que nós fomos à Unopar e apresentamos a nossa pesquisa.
Ana ressaltou que ficou curiosa ao saber da existência do projeto.
Quando eu soube que o professor estava abrindo um projeto de iniciação científica, fiquei curiosa para saber como era participar de um projeto tão avançado para minha idade. No começo desse projeto fiquei um pouco apreensiva, pois eu não sabia por onde começar ou como fazer um questionário objetivo para aplicar com alguns alunos dentro de sala de aula. Ao final da pesquisa, pude aprender muitas coisas, desde como começar a pesquisa e a grande variedade de atividades que podemos utilizar para estudar e até formular perguntas. O que mais gostei foi quando começamos a formular as perguntas para o questionário, pois foi nessa parte da pesquisa que pude ver diferentes formas de formular perguntas objetivas.
Por meio do relato dos alunos, acreditamos que esse objetivo do projeto foi alcançado. A curiosidade deles foi aguçada e tiveram a oportunidade de refletir sobre práticas de pesquisa. Sendo alunos do Ensino Médio, fazer parte de um evento acadêmico poderá colaborar para a vida acadêmica de cada um deles no futuro, pois as atividades relacionadas à iniciação científica júnior pode fornecer aos alunos do Ensino Médio algum capital simbólico, necessário para a participação no campo da ciência acadêmica.
Referências
BROPHY, Jere. History of research on classroom management. In: EVERTSON, Carolyn M.; WEINSTEIN, Carol. Handbook of classroom management: research, practice and contemporary issues. New York/London: Routledge, 2011.
GAUTHIER, Clermont. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Editora Unijuí, 2013.
Publicado em 21 de fevereiro de 2017
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.