Gamificação e adolescente: outra Psicopedagogia
Claudia Nunes
Mesmo inconscientemente, a humanidade, de maneira linear ou aos saltos, vem evoluindo pelas experiências e vivências do jogo e dos mecanismos do jogo, com e sem amarras sociais e emocionais, sempre visando à sobrevivência e ao conhecimento. Essa também é a tônica da curiosidade: quando algo chama a atenção, cria-se um desejo/vontade de ver e saber apesar de. É o momento do “a-prender”, do viver “sem prisões” incutidas nos comportamentos à revelia pelo “outro-no-mundo” (alteridade). É a possibilidade de simular determinadas repressões e circunstâncias com pequenas seguranças.
Nessa perspectiva, nada revela tão bem a humanidade quanto os jogos que joga. E a maneira de operar gamificada reconhece isso ao agir, em princípio, sem uma estruturação perceptível, estimulando a espontaneidade, mas organizada por dentro de objetivos macros claros e reais reconhecidos na intencionalidade de quem a aplica: professores precisam ter objetividade nas ações e clareza em seus princípios pedagógicos. Daí o desenvolvimento do sujeito, a qualidade nas relações e o favorecimento das formas de aprender, ainda que haja a percepção e a experiência do entretenimento em seus momentos iniciais.
Segundo o livro Gamification, Inc. (2013), dentre as principais categorias de jogos existentes é possível citar três: os analógicos, os digitais e os pervasivos (jogos que mexem com as emoções; se infiltram na mente; penetrantes). A tabela resumida a seguir ajuda a explicar.
Tabela 1: Categorias dos jogos e suas características.
Categorias | Características |
Analógicos | Clássicos jogos de tabuleiro (xadrez, gamão, damas etc.); Banco Imobiliário, Jogo da vida, War ou Detetive; jogos de mesa, como pega-varetas e jogos de RPG; jogos que envolvam cartas, como pôquer, Uno, e jogos de cartas colecionáveis, como Pokémon; jogos de dados, como de craps; jogos de caneta e papel, como palavras cruzadas, jogo da velha, adedanha, zerinho ou um; jogos de campos ou quadras, como basquete e futebol; dinâmicas de grupo e jogos de treinamento. |
Digitais | Crescentes nas três últimas décadas. Surgem com os consoles de videogame. Fenômeno de impulsão e expansão do advento tecnológico. Múltiplas plataformas e formatos para diferentes perfis. Crescimento na internet. Popularização das redes sociais. Jogos do Facebook, por exemplo, em formato de aplicativos. Aumento dos smartphones. |
Pervasivos | Intenso envolvimento físico com outra pessoa, um objeto ou dentro de um lugar específico. Experiência de transcendência. Quebra das amarras emocionais. Forte jogo com o imaginário. Oportunidade de mudar caminhos neuronais e a funcionalidade dos sistemas cerebrais. Consoles como Kinect e Oculus. “Abandono da poltrona e suar a camisa”. Jogos de dança, de raquete, com tacos virtuais. |
Fonte: Quadro resumido a partir de VIANNA Ysmar; VIANNA, Maurício; MEDINA, Bruno; TANAKA, Samara. Gamification, Inc.: como reinventar empresas a partir de jogos (2013, p. 24-27).
A viabilização do prazer no processo de gamificação com ou sem jogos tangíveis é algo importante para a intervenção psicopedagógica. Ela oferece transformações nas formas de sentir, agir e fazer; disponibiliza o ser no mundo com mais facilidade; e se elabora pelas interatividades, design, recompensa, pequenas vitórias dentre outros sucessos subjetivos a que os docentes estiverem dispostos e de acordo com as singularidades disponíveis; neste caso, os adolescentes.
Entre adolescentes, no século XXI, há certa obsessão pela imersão nos games, principalmente os digitais/virtuais. Há aumento das oscilações de humor e dos comportamentos de risco: seu intenso envolvimento com os ambientes gamificados reconfigura as formas de ver o mundo e de se ver no mundo. Por outro lado, há também uma perda gradativa da força do circuito de alerta. Há uma metamorfose intensa dos circuitos cerebrais e da atividade dos neurônios espelho (os da imitação). Mas é importante entender que, para cada faixa etária relacionada à criança, ao pré-adolescente, ao adolescente e ao adulto, houve uma ‘forja’ diferente à transformação cerebral. Vamos entender...
Da adolescência à vida adulta, tropeços nas três dimensões humanas (cognitiva, emocional e motora) são naturais e têm valor de experiência, principalmente à formação das particulares resiliências. Tropeços são formas de adaptação aos ambientes ou às pessoas a que imergem (acessam) cotidianamente formando suas memórias de procedimento e de longa duração. Mas da adolescência à vida adulta os aprendentes sofrem picos de mudanças (a questão hormonal tem primazia nas alterações comportamentais), inclusive com o aumento (e diminuição) das conexões entre diferentes partes do cérebro. E há diversos descontroles emocionais e, em alguns casos, perda do foco para aprender (atenção).
Em jogo, impulsividades, ansiedades, sentimentos intensos, muitas facilidades/liberdades, tudo com filtros racionais mínimos porque o córtex pré-frontal (área ligada à avaliação dos riscos) ainda está em processo de amadurecimento. Há então fortes transformações cerebrais impulsionadas com o acesso e o uso ininterrupto dos games. Há o surgimento de comportamentos típicos, e por isso é importante o olhar psicopedagógico mais apurado em torno principalmente das dificuldades ou do acontecimento dos erros/falhas do processo.
Do cerebelo ao córtex pré-frontal, passando pelos centros da linguagem e sinapses sensórias ligadas às emoções, ao desenvolvimento do pensamento complexo e à tomada de decisões, o adolescer humano é referência às mais diversas desestruturações e reestruturações do sistema nervoso. Difícil ter equilíbrio emocional, consistência perceptiva e organização sensorial. É um momento de crise e de muitos riscos.
Nesse momento da vida, ao incorporar a avaliação psicopedagógica gamificada diante de algumas dificuldades de aprendizagem ou não, em função das diferenças do adolescer, tem-se maior oportunidade de compreender o próprio adolescer com sua busca por novidades, vivência de fortes emoções e, às vezes, inconscientemente, a presença de um desejo absurdo de adaptação social rápida. Em respeito a isso, a mecânica dos jogos, por princípio, invade o corpo com sensações prazerosas (recompensas) e pode anunciar memórias emocionais insuspeitas.
A gamificação pode ser uma surpresa à rotina escolar dos adolescentes e por isso pode afetar várias áreas do cérebro e estimular a vontade de aprender, junto à grande vontade de ser... de se mostrar... de se colocar no processo educacional de maneira quase deliberada: fala-se da chamada recompensa.
Em Neurociência, essa recompensa prazerosa altera as quantidades de dopamina; em Psicopedagogia, essa recompensa revela o currículo oculto do aprendente a ser trabalhado em sua potencialidade, de forma a (re)promover o aprendente ao coletivo. Jogar favorece a neuroplasticidade, a mudança de comportamento físico, maior reflexão sobre os outros, outras maneiras de se colocar em sala e no mundo: e adolescente adora aparecer positivamente.
Quando se gamificam as atividades educativas junto aos adolescentes, há ativação intensa das imaginações por simulação, por experimentação. Curiosos, os adolescentes entendem a experiência primeiro como brincadeira, mas depois, quando o processo imersivo se instaura, a brincadeira vira coisa séria, significativa e prazerosa. Tal qual a descoberta do corpo e das formas de relação interpessoal, as atividades gamificadas influenciam o crescimento e a mudança emocional.
Algumas possibilidades de vivenciar ações psicopedagógicas gamificadas são:
- Sugerir envolvimento colaborativo.
- Sugerir formas de encontrar informações.
- Estimular emoções “sem querer”.
- Estimular pequenas atitudes diferentes.
- Introduzir outros focos sobre a realidade.
- Aumentar os níveis de responsabilidade cognitiva.
- Estimular criatividade nos procedimentos.
- Proporcionar feedbacks contínuos.
- Introduzir limitações no processo.
- Convocar mudanças nas etapas.
- Eliminar e customizar padrões de pensamento.
- Desafiar com jogos reconhecidos.
- Apresentar limites e regras possíveis.
Diante disso, apenas um conselho: quando a brincadeira vira coisa séria entre adolescentes, a presença da competição é inata; então cuidado: as palavras para a educação no século XXI são inovação, interação e colaboração.
Referências
VIANNA Ysmar; VIANNA, Maurício; MEDINA, Bruno; TANAKA, Samara. Gamification, Inc.: como reinventar empresas a partir de jogos. Rio de Janeiro: MJV Press, 2013. Disponível em: http://www.mjv.com.br. Acessado em 20 dez. 2013.
Publicado em 04 de abril de 2017
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