A fotografia como recurso didático

Karen Mata Santos

Docente da rede municipal de ensino de São Francisco de Itabapoana/RJ e da rede particular de ensino de Campos dos Goytacazes/RJ

Jean Carlos Miranda

Docente do Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra e do Programa de Pós-Graduação em Ensino (UFF)

Glaucia Ribeiro Gonzaga

Docente do Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra (UFF); discente do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (UFRGS)

Vivemos em uma sociedade que, a cada dia, torna-se mais dinâmica por conta do desenvolvimento das telecomunicações e de outros setores econômicos. Com o processo de modernização vivido a partir do século XX, o ritmo de trabalho e das situações vivenciadas na esfera individual tornou-se ainda mais intenso. Processos como a industrialização e a urbanização, o rápido crescimento populacional, a multiplicação de novas tecnologias e meios de transporte, a explosão de uma cultura voltada ao consumo de massa e a cultura audiovisual, a saturação do capitalismo avançado e outros movimentos vivenciados na sociedade chamada “moderna” estabeleceram uma nova forma de relação entre os indivíduos e o mundo que os cerca (Albuquerque, 2003).

Entre as consequências de todo esse avanço está um aumento considerável da linguagem imagética, que acaba transformando o espaço urbano em uma sucessão contínua de sensações e imagens que são produzidas e reproduzidas pelos indivíduos (Albuquerque, 2003).

De acordo com Berne e Levy (1998), a visão tornou-se, evolutivamente, o sentido dominante nos primatas, levando a nossa espécie a utilizar e depender da visão como forma de comunicação. Por isso, a visão é um dos sentidos mais evoluídos em diferentes espécies, permitindo a seus indivíduos conhecer o mundo por seus fotorreceptores, que enviam impulsos elétricos ao cérebro, que, por sua vez, interpreta esses impulsos em imagens óticas, induzindo a sensação visual (Douglas, 2000). Aprimorar nosso modo de olhar e perceber as informações que chegam até nós faz-se cada vez mais necessário para que nos seja possibilitada a oportunidade de reconhecer e identificar os véus que permeiam os discursos construídos em nossa sociedade (principalmente os que circulam por meio das imagens).

Algumas mudanças sociais ocorrem de modo muito rápido; por vezes, a rapidez torna difícil a compreensão dessas alterações em sua totalidade. Ao observar os espaços por onde transita, o indivíduo pode encontrar dificuldades para recordar como esses mesmos espaços se delimitavam num período histórico anterior ao que ele vive. Por esse e outros fatores, a conscientização histórica e a preservação da memória cultural tornam-se ainda mais necessárias. O uso da fotografia pode possibilitar um elo entre a questão memorialística, o contexto histórico e as relações sociais, políticas e culturais que fizeram parte de determinada época, proporcionando uma percepção crítica e apurada das permanências e transformações ocorridas ao longo do tempo. Segundo Menezes (1996, p. 85),

quando vemos a fotografia de um lugar, partimos do pressuposto imediato de que se olhamos para a imagem de uma paisagem, de uma cidade ou de uma casa, isso só pode ocorrer em virtude de que aquele lugar existe, ou existiu, e somente por essa razão pôde se colocar como objeto de fotografia, pôde ser fotografado para que agora nossos olhos ali o vislumbrem e o reconheçam.

Nesse sentido, a fotografia atua não só como manifestação artística-cultural, mas como fator preponderante de reconhecimento e análise dos espaços que vivenciamos e da realidade que nos cerca. Por ser uma linguagem não verbal, ela também contribui de forma bastante significativa em pesquisas de cunho teórico e como coadjuvante em diferentes e diversificadas descobertas científicas. Essa contribuição científica representa uma captura qualificada de informações que não poderiam ser registradas de outra forma com a mesma qualidade e intensidade (Spencer, 1980).

Os meios de informação e comunicação que mais envolvem e cativam as pessoas, do ponto de vista jornalístico, publicitário ou cultural, são em sua essência imagéticos (estáticos ou dinâmicos). Independente da forma de apresentação da imagem/fotografia, ela sempre estará presente na sociedade da comunicação, pois já faz parte de diversos setores de atividade artística e científica.

Por ser um elemento que permite revisão histórica de forma linear, a fotografia possui papel educativo de extrema importância, pois possibilita variadas formas de percepção e forte formação dos conteúdos que constituem a produção da subjetividade. Sendo assim, o auxílio do educador nesse processo imagético é fundamental para a observação e a análise das imagens, visto que é pelo direcionamento prévio e posterior que o aluno poderá eleger os elementos centrais que norteiam o seu olhar em relação às imagens e identificar questões que, sem o auxílio adequado, podem passar despercebidas.

Do ponto de vista educacional, a comunicação é uma das principais competências previstas em diversos documentos governamentais norteadores, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCN) (Brasil, 2013) e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) (Brasil, 2000). A escola não é neutra diante das transformações socioculturais que ocorreram desde o estabelecimento da fotografia/imagem como recurso didático, mesmo que a maioria delas ainda não apresente as condições e atualizações para seu funcionamento integrador/construtor, incluindo a formação adequada dos professores para este novo e mutável cenário tecno-sociocultural-sustentável que temos, para criar oportunidades de construção de conhecimento mais eficientes e motivadoras (Ferreira; Silva, 2011). Reconhecer as mudanças que aconteceram pode ser o primeiro passo para lançar um olhar mais apurado no presente, com o intuito de uma modificação mais ampla, inclusiva e igualitária no futuro.

O uso da arte da fotografia é um auxílio ímpar sobre as diferentes maneiras pelas quais se pode olhar a paisagem (Myanaki, 2003). Por meio de fotografias, pode-se realizar trabalhos comparativos e acompanhar as alterações ocorridas na paisagem. Essas comparações podem ser feitas com o auxílio de distintas representações, como desenhos, pinturas, textos descritivos e imagens fílmicas.

Diante do ato de registro fotográfico, vários aspectos são abordados, destacando-se por processo de percepção, em que a cena é definida de acordo com o ponto de vista observado pelo indivíduo a partir de seus interesses e necessidades (Travassos, 2001), influenciado pelo contexto social no qual está inserido o indivíduo, organizando assim o olhar numa interface entre sua verdade e outras verdades. Isso é possível porque a imagem, que é o registro físico/digital do resultado da observação do real, desde o início da civilização, é indispensável em qualquer processo de ensino-aprendizagem (Feldman-Bianco; Leite, 1998).

Ao utilizar a arte de fotografar no processo de ensino-aprendizagem, pode-se indicar as possibilidades de olhar o espaço geográfico e levar o aluno a desbravar o espaço além da sala de aula. Sendo assim a fotografia se mostra como ferramenta de análise e elemento auxiliar na construção do pensamento crítico.

Nesse sentido, ao se pensar, por exemplo, em tentativas de ambientação com o espaço vivido, pode-se utilizar a Educação Ambiental como norte para inserção da fotografia dentro do contexto escolar, pois, como já fora dito, a Educação Ambiental é ampla, como mostra Loureiro (2012), e essa magnitude proporciona uma diversidade que pode ser revelada na fotografia, uma vez que carrega consigo particularidade ímpar no que concerne à questão do registro de paisagem. Desse modo, fazer o uso dela é algo importante no sentido de perceber peculiaridades para poder iniciar a construção de um objeto novo de estudo do meio.

A contribuição imagética é importante para perceber mudanças no tempo histórico, e com isso dar base às análises de fenômenos ocorridos nesse espaço, pautadas na sensibilidade da percepção e conscientização da sociedade para discussões socioambientais.

A fotografia como recurso didático de registro loco-temporal pode estimular percepções e conceitos do que foi capturado, tornando possível sua contextualização em diferentes setores, permitindo a realização de trabalhos como os de percepção ambiental com análise histórica e/ou socioeconômica. Gomes (1996) diz que a fotografia é uma forma expressiva de imortalizar uma situação e seu espaço físico inseridos em uma subjetividade do realismo virtual/digital, o que cabe perfeitamente no processo de ensino de cidadãos críticos, reflexivos, conscientes e engajados de que nossa sociedade necessita.

A fotografia pode ser utilizada para contar uma história via sequência de imagens, como na fotonovela, que consiste em uma história sequenciada narrada com texto e imagem fotográfica, semelhante (porém não na mesma classe) às histórias em quadrinhos.

Trabalhar essa modalidade de recurso didático, ou com esse tipo de linguagem textual ou gênero artístico-literário com os alunos, independente do conteúdo a ser desenvolvido, é de extrema valia para o processo de ensino-aprendizagem nos dias atuais. As fotonovelas são um recurso bem demarcado por princípios básicos de hipertextualidade, multimodalidade e conectividade que tem a capacidade de auxiliar o professor (quando ele tem preparo mínimo para tal) não só na construção de determinado conhecimento científico como também no letramento desses conceitos. Com a facilidade da era digital e a evolução do setor de comunicação, recursos didáticos que fazem uso de mais de um conceito e com mais de uma vertente de atuação, como é o caso das fotonovelas, permitem que vários professores possam trabalhar de forma interdisciplinar a construção do conhecimento com os alunos.

Independente das possibilidades de uso da fotografia como recurso didático, o que torna uma atividade eficiente e eficaz é a forma como o professor a administra. É preciso que o docente tenha muito claros e definidos, além do conhecimento de área específica, os objetivos da aula, os alunos que possui e o conhecimento técnico da ferramenta que será utilizada; assim, o conhecimento cientifico será construído de forma sólida pelos alunos.

Já é sabido que a formação docente, atualmente, não prepara o futuro professor para o uso de recursos didáticos, porque são muitos, porque variam de acordo com a região geográfica e porque o conhecimento específico é muito mais valorizado do que o processo de ensino em si. Mas, além do conhecimento técnico, trabalhar com fotografia, independente da estrutura imagética, também requer sensibilidade visual, que pode ser trabalhada em uma formação docente mais completa e voltada ao processo de ensino-aprendizagem como um todo.

Para o professor, trabalhar com um recurso didático que requer habilidades visuais, intelectuais, literárias e cognitivas e que se classifica como gênero artístico-literário que não faz parte do cotidiano dos alunos é um desafio quase imensurável, mas não impossível. É preciso envolver os alunos para que as atividades que usem esse recurso tenham sucesso. Os alunos, como prossumidores no processo de ensino (consomem e produzem conteúdo), tornam-no mais dinâmico, eficiente e eficaz (Costa et al., 2007).

O uso da fotografia como recurso didático é uma forma de agregar social e tecnologicamente alunos e docentes com bagagens culturais e conhecimentos distintos e, muitas vezes, complementares, trazendo benefícios aos envolvidos nessa troca e nessa construção.

Referências

ALBUQUERQUE, P. P. de. Reflexões sobre contemporaneidade, educação e agir cooperativo. In: SCHNEIDER, José Odelso. Educação e suas práticas. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.

BERNE, R. M.; LEVY, M. N. Fisiologia. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio. Parte I – bases legais. Brasília: MEC/SEMTEC, 2000.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB/DICEI, 2013.

COSTA, V. M.; GONZAGA, G. R.; CANELA, M. C.; RAPKIEWICZ, C. E. Uma experiência com alunos e professores de nível médio avaliando objetos de  aprendizagem. Novas Tecnologias na Educação, v. 6, p. 1-9, 2007.

DOUGLAS, C. R. R. Tratado de Fisiologia aplicado às Ciências da Saúde. 4ª ed. São Paulo: Robe, 2000.

FELDMAN-BIANCO, B.; LEITE, M. L. M. Desafios da imagem. Fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais. São Paulo: Papirus, 1998.

FERREIRA, W. M.; SILVA, A. C. T. As fotonovelas no ensino de Química. Química Nova na Escola, v. 33, nº 1, p. 25-31, 2011.

GOMES, P. Da escrita à imagem: da fotografia à subjetividade. 62 f. Dissertação (mestrado em Psicologia). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1996.

LOUREIRO, C. F. B. Trajetória e fundamentos da Educação Ambiental. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2012.

MENEZES, P. R. A. Cinema: imagem e interpretação. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 8, nº 2, p. 83-104, 1996.

MYANAKI, J. A paisagem no ensino de Geografia: uma estratégia didática a partir da arte. 149 f. Dissertação (mestrado em Geografia). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2003.

SPENCER, D. Color photography in practice. 2ª ed. Londres: Iliffe & Sons, 1980.

TRAVASSOS, L. E. P. A fotografia como instrumento de auxílio ao ensino da Geografia. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 1, nº 2, p. 1-3, 2001.

Publicado em 09 de janeiro de 2018

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