O Estudo do Meio no ensino de Geografia

Diogo Jordão Silva

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia (UFF Campos), professor de Geografia da rede estadual do Rio de Janeiro

Introdução

A Geografia, na Educação Básica, apresenta-se como uma área do conhecimento comprometida com tornar o mundo compreensível para os alunos, explicável e passível de transformações (Brasil, 1998a). Tais considerações expressam a grande relevância da disciplina na formação de cidadãos conscientes e preparados para a vida em sociedade. Todavia, ainda é bastante comum nas salas de aula a presença de um ensino considerado enfadonho e que não provoca os alunos a pensar na Geografia do mundo que é parte de suas vidas nas diferentes escalas. Permanece um ensino baseado quase exclusivamente no livro didático, limitando-se às atividades de descrição, quantificação e memorização.

Como forma de sair dessa condição, Cavalcanti (1993) sugere que o professor deve planejar sua prática baseando-se na compreensão do papel do ensino de Geografia e nas condições concretas onde ele se realiza. Trata-se de reestruturar, selecionar e acrescentar conceitos, fatos e fenômenos geográficos que sejam realmente interessantes para a formação do aluno. Ou seja, conteúdos que tenham utilidade prática. E só terão se forem acessíveis aos alunos e, ao mesmo tempo, se tiverem correspondência com a prática social deles.

Nesse sentido, Callai (2001) considera valiosa a adoção de uma postura pedagógica que permita ao aluno estudar a própria realidade concreta em que vive, superando o senso comum e reconhecendo a história do seu meio como a sua própria história. Segundo a autora, o estudo do lugar valoriza a dinâmica da própria vida, das histórias pessoais e dos grupos sociais dos quais os estudantes fazem parte, ao mesmo tempo que é um importante exercício para entender o mundo da vida.

Uma prática pedagógica que vem sendo bastante discutida no âmbito do ensino de Geografia diz respeito ao Estudo do Meio, que, segundo Lopes e Pontuschka (2009), consiste em um método de ensino que visa proporcionar aos alunos e professores o contato direto com determinada realidade. Considerando a especificidade desse método, o presente trabalho busca refletir sobre o Estudo do Meio como possibilidade metodológica no ensino de Geografia.

Ensino de Geografia e Estudo do Meio

O Estudo do Meio apresenta-se como importante ferramenta para o ensino de Geografia na Educação Básica. Segundo Lopes e Pontuschka (2009, p. 174), tal atividade pedagógica se concretiza pela imersão orientada na complexidade de determinado espaço geográfico, do estabelecimento de um diálogo inteligente com o mundo, com o intuito não apenas de verificar, mas também produzir novos conhecimentos. Trata-se de um método que possibilita ao aluno e ao professor melhor compreensão da totalidade do espaço geográfico, cuja complexidade e dinamicidade dificilmente poderão ser apreendidas no ambiente restrito da sala de aula.

Atualmente, não é difícil encontrar escolas e professores que adotam esse método em suas práticas de ensino. Todavia, muitas vezes os profissionais tratam como Estudo do Meio uma visitação ou uma saída de sala de aula para passeio. Embora tais atividades possuam em si valores lúdicos e pedagógicos, confundi-las com Estudo do Meio esvazia o real significado do método, podendo constituir-se em empecilho ao aprofundamento do tema e à ampliação de seu potencial na elaboração do currículo escolar (Lopes; Pontuschka, 2009).

Não é incorreto dizer que qualquer lugar é propício para a realização dessa atividade no âmbito do ensino de Geografia. Conforme Pontuschka (2004, p. 260),

o meio é uma Geografia viva. A escola, o córrego próximo, a população de um bairro, o distrito industrial, um parque, uma reserva florestal, um shopping, um hipermercado, a chácara vizinha são elementos integrantes de um espaço que podem ser pontos de partida para uma reflexão. (...) Em qualquer lugar escolhido para realizar um Estudo do Meio há o que ver, há o que refletir em Geografia, pois não existem lugares privilegiados, não há lugares pobres.

No entanto, o Estudo do Meio vai muito além de uma simples observação e descrição do espaço. Para apreender o espaço em suas múltiplas dimensões, assim como a sua historicidade, as relações que determinado espaço mantém com outros e as problemáticas vividas por aquela população estudada, é necessário saber “ver”, saber “dialogar” com a paisagem, detectar os problemas existentes na vida de seus moradores, estabelecer relações entre os fatos verificados e o cotidiano do aluno (Pontuschka, 2004).

Macedo, Neto e Silva (2015) também advertem que a realização de um estudo do meio não se limita à descrição do ambiente. Para esses autores, deve-se ir além, no sentido de treinar o olhar sobre esse ambiente, detectar as potencialidades, estabelecer critérios, analisar a paisagem e relacioná-la com o cotidiano dos alunos, assim como buscar a valorização do entorno escolar e propor soluções para os problemas identificados. Fernandes (2013) assevera que um estudo do meio prevê um trabalho de investigação apurado, cuidadoso, com muitas leituras prévias, com levantamento de questões e preparação de uma atitude investigativa durante toda a atividade.

Considerando a especificidade desse método de ensino, Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007) apresentam alguns momentos e ações considerados necessários a um projeto de Estudo do Meio:

  1. O encontro dos sujeitos sociais: é o momento de mobilização da escola, quando há uma proposta dos sujeitos sociais de efetuar o trabalho considerando o contexto no qual estão inseridos. A partir de um trabalho coletivo entre professores e alunos, é definido o objeto principal da pesquisa; daí parte-se para o planejamento das ações.
  2. Visita preliminar e a opção pelo percurso: é o momento uma preparação prévia, com a definição dos instrumentos e das tarefas que serão desenvolvidas, além de observar fatores como escolha do percurso, tempo provável a ser percorrido e tipo de transporte necessário.
  3. O planejamento: em sala de aula são discutidas as razões pelas quais se escolheu o roteiro e dá-se início ao planejamento do trabalho de campo, começando pelos objetivos do estudo do meio, entre os quais o levantamento dos sujeitos sociais a ser contatados para as entrevistas; as observações a ser feitas; a emersão de conteúdos curriculares disciplinares e interdisciplinares a ser contemplados na programação; a criação de recursos didáticos baseados nos registros; e a divulgação dos processos e do resultado.
  4. Elaboração do caderno de campo: a capa, o roteiro da pesquisa de campo, textos de apoio e roteiro de entrevistas são elementos essenciais a ser considerados.
  5. A pesquisa de campo reveladora da vida: é o momento do diálogo com o espaço, com a história, com as pessoas, com os colegas e seus saberes e com tantos outros elementos enriquecedores. Nesse momento, é essencial lançar mão de observações sistemáticas, desenhos, fotografias e entrevistas.
  6. Retorno à sala de aula: com base no trabalho de campo, inicia-se um cuidadoso processo de avaliação e sistematização de todo o material obtido e registrado. Mediante a coletivização da fala dos entrevistados e com a exposição das anotações, desenhos e fotografias, os nexos vão sendo feitos e a realidade espacial vai-se revelando. Essa é a hora de dar visibilidade aos resultados. As opções vão desde a confecção de um ensaio fotográfico ou um vídeo até a criação de um jornal ou um site.

Diversos estudos têm demonstrado que o método do Estudo do Meio propicia inúmeras contribuições ao processo de ensino e aprendizagem, em especial no que diz respeito à Educação Geográfica.

Em primeiro lugar, a inserção do Estudo do Meio como método de ensino relaciona-se à adoção de uma postura autônoma das escolas na definição do currículo que adotam. Lopes e Pontuschka (2009, p. 174) ressaltam que essa prática pedagógica encontra plena expressão no interior de uma teoria curricular aberta na qual o trabalho educativo das escolas não seja regulado externamente por um sistema de avaliação homogeneizante. Ao contrário, condiz com uma postura autônoma das unidades de ensino e de seus docentes na construção do currículo escolar,

distanciando-se, dessa forma, de uma concepção de educação tecnicista, baseada na racionalidade técnica, em que os “produtos do ensino” são definidos a priori, ou seja, exteriormente aos interesses de seus beneficiários; esse método de ensino preconiza e corrobora a construção de um projeto educativo que pressupõe autonomia relativa dos professores e, de maneira geral, das escolas no processo de construção de seu currículo. Propicia também, ao integrar os professores em uma dinâmica de valorização intelectual de seu trabalho, o desenvolvimento de uma nova profissionalidade docente, na qual são eles próprios parte importante no complexo processo de concepção e implementação dos currículos escolares (Lopes; Pontuschka, 2009, p. 174).

É a perspectiva homogeneizante do currículo que coloca os professores como simples reprodutores de conhecimentos e métodos de ensino produzidos por peritos ou especialistas. O Estudo do Meio condiz, na verdade, com a adoção de uma postura profissional que considera o contexto socioespacial em que se desenvolve seu trabalho educativo e da análise das reais necessidades dos alunos e da comunidade escolar como um todo. Segundo Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007), a decisão do professor de trabalhar com esse método explicita, antes de tudo, a busca pela criação de um próprio currículo que estabeleça vínculos com a vida do seu aluno e com a sua própria, como cidadão e como profissional.

Para Bueno (2009), ao trabalhar com o Estudo do Meio, a escola e o professor possibilitam ao estudante a oportunidade de conhecer lugares até então desconhecidos, podendo permitir que ele entenda que os lugares possuem características próprias que lhes dão significado e forma. Do mesmo modo, pode compreender que determinado lugar constitui-se a partir de fatores inerentes a escalas distantes, sejam elas regio­nais, nacionais ou até mesmo globais. Além disso, pode entender aquele meio como resultado das obras dos homens no espaço e no tempo, reconhecendo a si mesmo como sujeito que atua na construção do espaço geográfico.

A autora afirma ainda que, ao propor essa atividade pedagógica, o professor entende que o aluno não deve ser um sujeito passivo no processo de ensino e aprendizagem, não se limitando a adquirir conhecimentos teóricos sem sequer compreendê-los no todo. Ela acredita que o método atua como um fio condutor na construção de conhecimentos, por meio do qual o aluno trabalha extraindo hipóteses e criando sua própria estrutura mental.

Nesse mesmo sentido, Morigi, Nhepchin e Bovo (2014) consideram que o Estudo do Meio permite desenvolver um trabalho estimulante, pelo qual o contato direto com as estruturas arquitetônicas, objetos e pessoas dinamiza o estudo, instiga a curiosidade e desenvolve a percepção e a realização de questionamentos sobre o objeto.

Acrescenta-se ainda que, com base em entrevistas e relatos, os alunos poderão ter contato com saberes acumulados por grupos sociais diversos na perspectiva de ampliação do olhar e da gama de visões e interpretações da realidade, produzindo conhecimentos que certamente não estão presentes nos livros didáticos (Fernandes, 2013).

Lopes e Pontuschka (2009) ressaltam que esse método pode proporcionar aos seus atores o desenvolvimento de um olhar crítico e investigativo sobre a aparente naturalidade do viver social. Seja no lugar em que o aluno mora, seja em lugar distante, o contato com uma paisagem pode suscitar interrogações que, com o suporte do professor, ajudarão a revelar e mostrar o que existe por trás do que se vê ou do que se ouve (Pontuschka; Paganelli; Cacete, 2007).

Muito mais do que compreender e explicar o meio, o método pode possibilitar o desenvolvimento de capacidades consistentes para o aluno atuar sobre o meio de modo consciente e criativo. Trata-se, segundo Fernandes (2011), de transpor um conteúdo estático para a dinamicidade da vida.

Considerações finais

A Geografia possui fundamental importância na Educação Básica, pois possibilita aos discentes uma compreensão mais aprofundada sobre o mundo e a formação de uma consciência transformadora da realidade. Todavia, as práticas de ensino nem sempre são condizentes com o papel da disciplina no âmbito escolar, haja vista a permanência de práticas que pouco contribuem para uma aprendizagem significativa.

A discussão aqui realizada permite considerar que o método de Estudo do Meio apresenta grandes contribuições ao ensino da disciplina, pois, devido à sua especificidade, possibilita contato direto com os conteúdos trabalhados em sala de aula, permitindo ao aluno melhor entendimento da complexidade do espaço geográfico.

Considerando as limitações estruturais das escolas brasileiras, o Estudo do Meio apresenta-se como excelente alternativa metodológica, pois é um método passível de ser desenvolvido em qualquer realidade: urbana ou rural, em bairro central ou periférico. Todavia, importa ressaltar que o Estudo do Meio não se limita a um simples passeio. Sua realização é condicionada a um bom planejamento, com leituras prévias, levantamento de questões e preparação de uma atitude investigativa durante toda a atividade.

Ao trabalhar com esse método, o professor abandona a postura de ser mero repassador de conteúdos e torna-se um mediador no processo de construção do conhecimento. O aluno, ao se envolver em aprendizagens que partem do vivido e do conhecimento estruturado pessoalmente, desenvolve uma aprendizagem realmente significativa, pois, diferentemente do que ocorre quando usa o livro didático, o estudante estará em contato direto com o objeto de estudo e poderá perceber que há um sentido naquilo que está estudando. Poderá, assim, compreender que a Geografia não se limita a aos espaços longínquos e inalcançáveis, mas que o conhecimento geográfico pode ser construído e aplicado em qualquer lugar.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998a.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: História. Brasília: MEC/SEF, 1998b.

BUENO, M. A. A importância do Estudo do Meio na prática de ensino em Geografia física. Boletim Goiano de Geografia, v. 29, nº 2, p. 185-198, jul./dez, 2009.

CALLAI, H. C. A Geografia e a escola: muda a Geografia? Muda o ensino? Terra Livre, São Paulo, nº 16, p. 133-152, 2001.

CAVALCANTI, L. S. Elementos de uma proposta de ensino de Geografia no contexto da sociedade atual. Boletim Goiano de Geografia, v. 13(1), p. 65-82, jan./dez. 1993.
FERNANDES, M. L. B. Estudo do Meio e o ensino de Geografia. Revista Geografica de America Central (online), v. 2, p. 1-19, 2011.

FERNANDES, M. L. B. Estudo do meio como procedimento de ensino em uma perspectiva construtivista. Revista de Ensino de Geografia, v. 4, p. 115-138, 2013.

LACOSTE, Y. Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Trad. Maria Cecília França. 4ª ed. Campinas: Papirus, 1997.

LOPES, C. S.; PONTUSCHKA, N. N. Estudo do Meio: teoria e prática. Geografia,Londrina, v. 18, nº 2, 2009.

MACEDO, R. C.; NETO, L.; SILVA, E. V. Descobrindo o entorno escolar: o Estudo do Meio aplicado na análise da paisagem. Geosaberes - Revista de Estudos Geoeducacionais, v. 6, p. 33-45, 2015.

MORIGI, J. B.; NHEPCHIN, F. B.; BOVO, M. C. O Estudo do Meio como uma alternativa metodológica no ensino de Geografia: reflexões sobre a atividade industrial no município de Campo Mourão (PR). Geographia Opportuno Tempore, v. 1, p. 51-67, 2014.

PONTUSCHKA, N. N. O conceito de Estudo do Meio transforma-se em tempos diferentes, em escolas diferentes, com professores diferentes. In: VESENTINI, J. W. (Org.). O ensino de Geografia no século XXI. Campinas: Papirus, 2004. p. 249-288.

PONTUSCHKA, N. N.; PAGANELLI, T. I.; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender Geografia. São Paulo: Cortez, 2007.

Publicado em 09 de janeiro de 2018

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