O trabalho do professor e a indisciplina no espaço educacional: processos e conflitos

Irene Lopes Salvi

Mestre em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias; professora do curso de Administração (Unopar – Arapongas)

Okçana Battini

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná; professora do Programa de Mestrado em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Unopar); professora Titular do curso de Pedagogia EaD (Unopar)

O docente contemporâneo, no exercício de suas atividades, encontra situações que vão além das competências formativas para a atuação docente. Capacidade de aprendizagem, motivação para aquisição de novos conhecimentos e habilidade e cultura do estudo contínuo não se bastam para esclarecer os motivos do sucesso ou insucesso no processo de ensino-aprendizagem (Gil, 2006). A indisciplina em sala de aula é apontada pelos professores como um dos principais fatores que contribuem para o insucesso no processo de aprendizagem.

Neri (1992) aponta que o nível de motivação para o processo de aprendizagem é um dos primeiros caminhos para prevenção de situações de indisciplina em sala de aula. À medida que os alunos se interessem pelos conteúdos e participem ativamente das discussões, das atividades, ouvindo os diferentes pontos de vista dos colegas e professores, defendendo seu ponto de vista, ele estará adquirindo novo saberes.

Estudos evidenciam que os comportamentos indisciplinados no ambiente de aprendizagem apresentam-se como um grande problema da sociedade contemporânea. Trazem em seu bojo angústia entre os docentes e alunos à medida que interferem no processo de ensino-aprendizagem e constituem-se fontes de estresse pela impotência no controle da disciplina; anotamos pesquisas realizadas por Estrela (2002), Garcia (2013), Vasconcelos (2000), Pontes e Aquino (2010), mas poucos estudos sobre o tema no ensino superior, entre eles os de Oliveira (2009) e Torres (2008).

A gestão dos conflitos: entre disciplina, indisciplina e autoridade docente

Segundo Vasconcellos (2003), a capacidade de refletir, criticar e intervir nos ambientes educativos é necessária na ação docente para que ocorram mudanças nos mecanismos educacionais. Nesse sentido, Caritas e Fernandes (1997) sugerem que a intervenção para resolução do conflito professor-aluno seja conjunta e obtida por meio de consenso entre as partes envolvidas.

Parrot-Dayan (2008) apresenta dois tipos de intervenção plausíveis: a primeira está relacionada ao contexto institucional, ou seja, às regras preestabelecidas pela instituição de ensino. A prática pedagógica de intervir no contexto é primordial para que a equipe pedagógica e professores discutam e encontrem formas de reduzir ou solucionar os problemas de indisciplina em sala de aula.

A segunda está relacionada ao aluno e à sua conduta em sala de aula; o foco é motivar o aluno e não tolher sua capacidade de argumentação e expressão. É necessário desenvolver no aluno competências intelectuais e comportamentos sociais. A definição de regras claras para uma boa convivência em grupo ajudará os acadêmicos a tomar consciência das implicações pessoais e sociais dos seus atos no espaço escolar e na sociedade na qual estão inseridos (Parrat-Dayan, 2008, p. 85).

Snyders (1978) ressalta que o professor tem o papel de conduzir os alunos por meio da autoridade que lhe é atribuída; vai muito além da confirmação de erros e acertos dos alunos e as assertivas respostas aos acadêmicos.

Freire (1989) referenda que a autoridade na relação professor e aluno, assertiva, é necessária, no entanto deve ocorrer para que o objetivo, a aquisição dos conhecimentos, seja alcançado. Assim, o professor deve conduzir o aluno para que ele adquira hábitos disciplinares adequando seus comportamentos às regras preestabelecidas pela instituição ou somente pelo professor. A autoridade do professor não pode ser percebida como tolhimento da autonomia do acadêmico, muito menos com a perda de liberdade, para não ser confundida com autoritarismo.

Entretanto, a autoridade exige prática de liderança, e esta se apresenta como uma das grandes dificuldades entre os profissionais de ensino. É necessário dimensionar o limiar entre autoridade e autoritarismo nas relações com os acadêmicos para alcançar os objetivo educacionais. Furlani (1997) relaciona à autoridade a forma de controle e afirma que apresentam três configurações: a primeira, legitimada pelo cargo; a segunda, fruto das relações estabelecidas entre professores e alunos; e a terceira, liberal, em que o professor dá autonomia para os alunos decidirem as regras que nortearam o processo de ensino-aprendizagem.

Na primeira forma, a autoridade está vinculada à posição hierárquica, ou seja, o professor é autoridade máxima em sala de aula devido à posição que ocupa e não à competência. As normas e regulamentos são elaborados de forma impositiva por superiores que muitas vezes desconhecem o contexto escolar. O professor, no uso do poder legitimo do cargo, apresenta-se como uma pessoa detentora de todo o saber, controladora e que não aceita questionamentos. Do aluno espera obediência e submissão, numa relação de total dependência. Nesse estilo de autoridade pautada no medo, não existe diálogo; o temor evita o afrontamento e a construção de críticas.

Para Garcia (1999), a autoridade legitimada no cargo pode proporcionar um comportamento indisciplinado no aluno. A indisciplina do aluno pode representar resistência à metodologia utilizada pelo professor tradicionalista e aos conteúdos descontextualizados com a sua realidade. Para Amado (1999, p. 68), é preciso que o professor reflita e inclua entre as causas as práticas utilizadas no processo de ensino-aprendizagem, pois estão ligadas ao sistema educacional e precisam ser analisadas com enfoque nas práticas pedagógicas utilizadas.

Lobrot (1977) referenda que a autoridade está diretamente relacionada com imposição, indução de comportamento para conseguir atingir os objetivos. Furlani (1997) detectou, em seu trabalho, queixas dos professores que atribuíram comportamentos de confronto ou contestação da autoridade a alunos de condições econômicas superiores às do docente. Isso evidencia o quanto preconceitos relacionados à classe socioeconômica influenciam no respeito do aluno pelo professor. Os alunos podem não aceitar conhecimentos transmitidos por um professor que consideram “inferior” à sua classe. Assim, desprezam qualquer autoridade que ele possa exercer.

Segundo Foucault (2012), o poder se apresenta em todos os locais, pois advém de todas as partes. Nas relações entre as pessoas está implícito ou explicito o poder, uma vez que ocorre numa relação de dependência e é exercido sobre pessoas livres; ao contrário, se configura como violência. Nesse sentido, ninguém detém o poder, e sim se vivem relações de poder; no contexto escolar não é diferente entre professores e alunos.  Todavia, Amado e Freire (2009) salientam a dificuldade do estabelecimento de normas e regras consensuais; frequentemente elas são vistas pelos alunos como descontextualizadas, inoportunas, descabidas e impraticáveis.

A segunda forma de exercer autoridade, segundo Furlani (1997), está pautada no relacionamento entre professor e aluno. Nesse contexto, a autoridade é constituída por meio do consenso entre professor e aluno. O poder é estabelecido pela competência, do aluno ou do professor. O aluno é valorizado por suas atitudes, responsabilidades, questionamentos.

A autoridade sustenta a relação professor-aluno em que a construção ocorre pelas partes envolvidas. Nesse processo, é avaliada a capacidade de aluno e professor para que se efetive a relação de poder. A autoridade ocorre sem tolher a liberdade de expressão e os sentimentos do acadêmico, mesmo com a presença das normas. Valoriza-se o conhecimento de ambas as partes; o aluno é ressaltado por comportamentos adequados como, por exemplo, cumprir prazos e participar das aulas, se colocando de forma assertiva. A responsabilidade é concedida ao acadêmico, tornando-o mais autônomo e independente das ações do docente. Nesse contexto, em que a autoridade está pautada nas relações entre professor e aluno, estreitam-se os relacionamentos, melhora-se o diálogo, e há abertura para questionamentos, sugestões de regras com base no consenso e em novas metodologias de ensino.

Antão (1993) diz que o bom relacionamento entre professor e aluno faz com que estes aceitem com maior facilidade as exigências e responsabilidades requeridas em sala de aula. Assim, a competência do professor no processo de ensino-aprendizagem não está vinculada somente aos conhecimentos científicos, mas também às relações interpessoais.

A terceira forma de exercer autoridade, para Furlani (1997), é a autoridade não sustentada, ou seja, em que o professor abandona o exercício do poder. Nesse estilo, o professor se exime de qualquer responsabilidade, permite que os acadêmicos definam as regras de forma autônoma, sem orientação. O professor atribui toda a responsabilidade pela indisciplina aos alunos, não corrige as posturas inadequadas e apresenta pouca importância ao processo de aprendizagem.

Entretanto, ainda segundo o autor, abandonar a autoridade inerente ao professor em sala de aula não quer dizer que ele deixou os costumes, preconceitos, leis e crenças; assim, continua exercendo poder sobre os participantes, porém o professor não assume. A disciplina, sob o enfoque da autoridade, não se sustenta pelo professor, o papel disciplinador é disputado pelos acadêmicos. Nesse caso, os alunos é que definem as regras disciplinares em sala de aula. A relação entre professor e aluno é inexistente, demonstra assim o total descaso com o processo de ensino-aprendizagem.

Contudo, Vasconcellos (2009) ressalta que a educação se efetiva por meio da autoridade; o discente necessita direcionamento para construção de sua personalidade. Para Antunes (2005), seguir as regras não tem relação com submissão, e sim com autocontrole.

Morais (2001) sugere que a autoridade seja estabelecida em sala de aula por meio da definição das regras de forma participativa e não impositiva. O estabelecimento das normas e regras norteadoras do espaço escolar sem a imposição tem relação direta com a definição de comportamentos que são adequados ou inadequados para o grupo; à medida que os alunos participam do processo decisório, adquirem compromisso e senso de responsabilidade, que motiva os alunos a cumprir o que foi determinado pelas partes.

Oliveira (2005) concorda com Morais, à medida que expõe que normas e regras devem ser estabelecidas com o consentimento das partes envolvidas. Faz-se necessário que as partes interessadas compreendam a finalidade das regras e assim colaborem para que o objetivo seja alcançado de forma satisfatória para todos os envolvidos.

Desse modo, conforme o professor define as regras em consenso com os alunos, está transferindo aos alunos parte do poder atribuído a ele. Para Gadotti (1996), a tomada de decisão democrática está pautada nos direitos e deveres das partes envolvidas.

À medida que regras e normas são definidas de forma conjunta, de acordo com Tognetta e Vinha (2007), elas são compreendidas pelos discentes como algo necessário para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e não como arbitrariedade. Os autores salientam ainda que a definição das regras com base na necessidade dos envolvidos compromete a cada um e assim se constitui responsabilidade de todos.

Machado (2007) salienta que para que ocorra a gestão democrática se faz necessário atentar a duas dimensões. A primeira está relacionada à definição dos atores e à forma como eles irão participar do processo decisório. A segunda e não menos importante está vinculada ao estabelecimento dos índices de qualidade no processo de ensino-aprendizagem, das formas de como melhorar os relacionamentos interpessoais, os quais representam indicadores de qualidade social.

Para Durkheim (1978), no espaço de ensino se faz necessário constituir regras, pois elas são indispensáveis para estabelecer a ética; cabe ao professor impô-las, por meio de punições. Nesta concepção, as regras são entendidas como autoridade utilizada com base no poder legítimo do cargo para fazer com que os alunos façam o que for solicitado em sala de aula.

No entanto, para que essas práticas se efetivem é preciso que o aluno compreenda o seu papel social e que, ao adentrar no espaço escolar, precisa adquirir novos conhecimentos, respeitar os professores e se posicionar como agente de construção do conhecimento. Constatamos que o professor apresenta grande parcela de responsabilidade na postura apresentada pelos discentes ao não usar a autoridade que lhe é conferida pelo cargo que ocupa enquanto educador e formador de profissionais que irão atuar na sociedade. Entretanto, não se pode isentar os próprios alunos da responsabilidade pelas ações inadequadas apresentadas em sala de aula. Como constatamos, a maioria dos alunos vê o professor como responsável pela manutenção da disciplina, se eximindo assim da responsabilidade pelo seu comportamento inadequado. Nessa visão individualista, eles não percebem o quanto sua ação afeta o trabalho e principalmente a saúde do professor.

Referências

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Publicado em 22 de maio de 2018

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