A escola como lugar do assistente social

Patricia Soares Alves da Silva

Mestranda em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Unopar)

Fábio Luiz da Silva

Doutor em História (Unopar)

Este artigo consiste em uma revisão de literatura acerca das diversas expressões da questão social que podem se manifestar no espaço da escola. Para isso, consideramos as especificidades das ações dos profissionais de Serviço Social, os assistentes sociais, diante das demandas da área da educação; em outras palavras, pressupomos que esses profissionais podem auxiliar os professores em sua atuação em sala de aula, considerando os limites de atuação proporcionados pelas diferentes formações.

A escola é também o espaço e o lugar do assistente social. O espaço, segundo Certeau (1998), é um lugar praticado, ou seja, um espaço antropológico no qual se determinam as percepções resultantes do lugar e das relações estabelecidas nele, dando-lhe significado. Em consequência, é a atividade que qualifica o espaço. É com base nesse conceito de compreensão de lugar praticado que se fundamenta a discussão do cotidiano escolar e do lugar do assistente social.

O acesso e o usufruto das políticas sociais ocorrem em espaços nos quais os serviços e programas são executados; ali, identidades e significações são impressas por meio daquilo que historicamente as definiu. Entretanto, a escola não é um espaço natural, mas o segundo lugar ocupado pela criança depois da casa/família. Sendo assim, essa instituição demandou diversos processos de transformação, de maneira que as escolas e os princípios sobre os quais elas foram construídas abrangem histórias que perpassam diferentes contextos sociais e culturais, diversas noções sobre educação e as necessidades de uma pessoa ainda em desenvolvimento de sua identidade.

A busca por uma identidade, ou melhor, por um espaço que a permita existir, em meio à turbulência contemporânea dos acontecimentos, é um desafio cotidiano. Encontrar raízes diante de tantas efêmeras possibilidades pode parecer um obstáculo impossível de ultrapassar. Desde o momento em que nascemos, ocupamos um espaço que está em constante interação com outros lugares. Na visão de Certeau (1998), o espaço forma uma história de múltiplos sentidos, constituída de fragmentos de trajetórias diversas, sem autor, mas com interações de espaços. Desse modo, o ambiente educacional pode ser um local de trocas de valores, de pontos de vista, de culturas.

Ao conceito de espaço, no entanto, podemos contrapor a ideia de não lugar, que, segundo Augé (1994), seriam aqueles espaços caracterizados como locais não identitários e com os quais os sujeitos, de modo geral, não estabelecem nenhum tipo de vínculo relacional enquanto os ocupam. Os não lugares são, segundo Augé (1994), instalações de circulação acelerada de pessoas e bens, como trevos, aeroportos, vias expressas; não lugares se opõem à noção antropológica de espaço. A escola, portanto, é um espaço de identidade ou um não lugar, ou seja, apenas um espaço incapaz de produzir vínculos de pertencimento?

Para Carvalho (2005, p. 99), a escola corre sempre o risco de tornar-se um não lugar para os professores quando, por exemplo, “deixam de ser responsáveis pela produção dos objetivos, conteúdos e métodos de seu trabalho (transferidos para equipes técnicas, pacotes de ensino, livros didáticos e outros)”; nesse caso ocorreria um estranhamento entre os professores e seu trabalho. Para Silva e Silva (2012, p. 359), a escola pode tornar-se um não lugar quando “é produtora de um ensino transeunte, preocupado com o excesso de informação sem grandes sentidos, um lugar de rápida circulação de saberes”. No entanto, devemos lembrar que não lugar e lugar (ou espaço vivido, na conceituação de Michael de Certeau) são situações limite e que constantemente coexistem.

Podemos considerar que, apesar dos riscos de a escola perder sua capacidade de criar vínculos, ela ainda é um espaço de ação social, pois oferece dados e referências sobre a vida das crianças (sujeitos). Além disso, pode ser reconhecida como uma agência social, pois prepara os alunos para a vida por meio de atividades completas. Inserida na sociedade e existente desde o início da Modernidade, a escola se constituiu a partir das demandas econômicas, políticas e culturais de uma classe social emergente – a burguesia. Por isso, a educação formal e o acesso à escola estavam intrinsecamente ligados à condição econômica das famílias.

No Brasil, a universalização do acesso à escola ocorreu de forma lenta e ainda permanece incompleta em muitos sentidos. Esse processo caracterizou-se pela ampliação das especificidades existentes no espaço escolar, cujo contexto passou a produzir desafios que demandam soluções cotidianas e que são fundamentais para o êxito dos professores e dos alunos nos processos de ensino e de aprendizagem. Mesmo considerando que o objetivo da escola seja a transmissão do conhecimento científico, artístico e filosófico acumulado pela humanidade, devemos considerar que a escola é mais do isso. Nela se reúnem também as mais diversas demandas do desenvolvimento dos alunos e dos professores. Por isso, a escola é um lugar onde emergem os mais variados conflitos, frutos da interação entre diferentes sujeitos.

Os alunos vão para a escola e levam consigo uma história de vida, uma cultura, seus sonhos. Quando chegam a esse ambiente educacional, muitas vezes deparam-se com uma realidade de descaso de seus direitos básicos: ensino de qualidade, merenda escolar, material escolar, entre outros. Pode-se dizer, nessa perspectiva de análise, que a inserção dos alunos de população socioeconômica precária ou vulnerável altera o contexto sociopolítico que envolve o ambiente escolar. O ensino passa a requerer habilidades e competências diversas dos profissionais envolvidos nesse trabalho. É necessário um profissional que estabeleça uma relação de intervenção efetiva junto a essa realidade.

Conforme Almeida (2000), o trabalho dos assistentes sociais nas escolas não deve ser confundido com aquele sob responsabilidade dos professores. Mesmo se considerarmos a dimensão socioeducativa resultante do trabalho do assistente social, sua atividade está mais intimamente vinculada ao fortalecimento das redes de sociabilidade e à efetivação do acesso aos serviços sociais e processos socioinstitucionais.

Assim como existe uma dimensão educativa na ação do assistente social, mesmo não sendo o centro de sua atuação, o processo de trabalho no qual se ele se insere não é exclusivo dele. O professor, como profissional do ensino, participa de certa maneira dos processos que envolvem a questão social. No entanto, o espaço de atuação do assistente social representa uma peculiaridade e existe a necessidade da autonomia técnica desse profissional, pois sua formação se fundamenta na intervenção direta nos problemas sociais.
A presença do assistente social no ambiente da escola deve facilitar o acesso aos serviços socioassistenciais, por meio das informações, encaminhamentos, inserção e atendimento em programas – sejam da própria escola, sejam dos diferentes setores que compõem a rede de atendimento à família e seus sujeitos. Portanto, o assistente social é um articulador estratégico no atendimento aos alunos e a suas famílias, por um conjunto de ações integradas de orientações que podem contribuir para promover melhoria no desempenho escolar dos alunos.

Ao assistente social compete o reconhecimento e o fortalecimento dos espaços de formulação e construção coletiva em que, juntamente com outros profissionais, seja capaz de elaborar estratégias políticas e técnicas para modificar a realidade. Esse profissional pode produzir, por suas ações e intervenções, resultados concretos nas condições materiais, culturais e sociais de vida dos sujeitos sobre os quais incidem suas ações. Como agente de ligação entre a família, a sociedade e a escola, o assistente social representa importante papel na ação educacional, criando um conjunto de medidas de auxilio e suporte às famílias por meio do provimento de necessidades básicas de subsistência.

Compete destacar que as ações do assistente social, no âmbito da escola, devem ser pensadas e efetivadas em conjunto com a equipe escolar, na qual o profissional do Serviço Social é um parceiro das ações desenvolvidas pelos demais profissionais. As ações e reações são resultado do trabalho realizado em conjunto por essa equipe, que tem como objetivo em comum a garantia não somente da permanência do aluno na escola, mas principalmente da qualidade do ensino, especialmente se considerarmos a promoção dos alunos como sujeitos inseridos na sociedade.

Além da ação diretamente na escola, no âmbito familiar faz-se necessário um trabalho interventivo de orientação e sensibilização para a aproximação da família à escola, pois dessa forma se efetivam muitas ações que podem promover com mais eficácia os objetivos da escola, pois, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, “é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico” (Lei nº 8069/90).

No entanto, com o crescimento acelerado da sociedade e o desenvolvimento global do sistema econômico capitalista, tornou-se comum que muitas famílias depositem na escola a responsabilidade pela condução absoluta do processo educacional de seus filhos. A construção das ações de ensino deve ser realizada em conjunto: escola e família. O desenvolvimento e o crescimento do aluno em sua vida escolar dependerão em muito do envolvimento familiar no processo, mas o tempo para diálogo, orientação e acompanhamento das famílias com os filhos sobre suas responsabilidades escolares tem sido cada vez menor. Esse é um fenômeno no qual o assistente social pode e deve atuar.

Há ainda outro desafio posto ao profissional do Serviço Social na educação: compete a ele, no exercício de suas habilidades e competências, colaborar para o fortalecimento de uma gestão democrática dentro da escola. Estimulando a comunidade escolar na participação do processo educacional, sob a compreensão de que a comunidade escolar se concretiza nas ações dos educadores – sejam alunos, professores, responsáveis familiares, técnicos administrativos, porteiros, entre outros que compõem a dinâmica escolar.

Entre as atribuições técnicas do assistente social está a articulação com as instituições assistenciais privadas e/ou públicas em caráter estratégico no atendimento às demandas socioeconômicas, especificamente no âmbito da educação. Essa atuação é constituída pelo conjunto de ações de orientação executadas com vista ao aprimoramento do desempenho acadêmico do aluno e, por conseguinte, da sua qualidade de vida.

Como já foi destacado, a formação educacional dos sujeitos (crianças e adolescentes) não se realiza exclusivamente na sala de aula; compreende um conjunto de atividades que, desempenhadas pela escola e na sala de aula, viabiliza a qualidade de vida (atual e futura) deles como sujeitos e cidadãos de direito. Equidade e justiça social, na universalização de acesso aos bens e serviços, são os princípios fundamentais seguidos pelo assistente social no exercício das suas funções. Aí reside a importância de um profissional que identifique as necessidades dos alunos, como figura capaz de viabilizar a igualdade de condições e a promoção de uma perspectiva autônoma de garantia de direitos e cidadania plena.

Podemos concluir, portanto, que a escola é um espaço apropriado para a ação do assistente social. Sua presença nas escolas pode contribuir para a efetivação dos objetivos do sistema educacional. Diversas situações que ocorrem cotidianamente nas escolas e em suas salas de aula dificultam o ensino e a aprendizagem. Muitas delas originam-se em questões sociais que escapam da competência profissional do professor. Aí o assistente social pode auxiliar a construção de uma escola que permita a identificação dos alunos com esse ambiente, de maneira que ela se torne realmente um lugar onde se deseje estar.

Referências

ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. O Serviço Social na Educação. Revista Inscrita, n. 6, CFESS, p.19-24, 2000.

AUGÉ, Marc. Não lugares. Campinas: Papirus, 1994.

BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispoe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, 1990.

CARVALHO, Janete Magalhães. O não lugar dos professores nos entrelugares de formação continuada. Revista Brasileira de Educação, n. 28, p. 96-107, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782005000100008. Acesso em: 15 fev. 2018.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.

NETO, J. P. Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise retrospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social & Sociedade, ano 17, n. 50, p. 87-132, abr. 1996.

REIS, Breno. Pensando o espaço, o lugar e o não lugar em Certeau e Augé: perspectivas de análise a partir da interação simbólica no Foursquare. Revista Contemporânea: Geografia da Comunicação, v. 1, n. 21, p. 136-148, 2013.

SILVA, Antonio Carlos Barbosa da; SILVA, Marina Coimbra Casadei Barbosa da. A escola na condição de não lugar. Revista Pesquiseduca, v. 4, n. 8, p. 340-362, jul./dez. 2012. Disponível em: http://periodicos.unisantos.br/index.php/pesquiseduca/article/view/268/pdf. Acesso em: 7 abr. 2018.

Publicado em 31 de julho de 2018

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