As drogas nos acompanham há tempos! Conhecer o passado para lidar com o presente

Francisco José Figueiredo Coelho

Simone Monteiro

Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz

Caro professor, cara professora, você já parou para pensar em quanto tempo as drogas fazem parte do cotidiano das pessoas? Seria uma novidade para a nossa sociedade ocidental ou uma necessidade humana milenar? O que você diria a seus alunos, caso eles lhe perguntassem há quanto tempo as drogas existem? Você já parou para pensar na origem da palavra droga? Uau... Muitas questões! Todas elas são importantes para entendermos por que falar de drogas é algo tão complexo para alguns professores.

De fato, a palavra “droga” sequer apresenta origem precisa. A hipótese mais provável é que venha da palavra holandesa droog, usada do século XV ao XVIII para designar o conjunto de substâncias naturais, principalmente na alimentação e na medicina. Elas datam de períodos remotos, sendo disseminadas em diversas sociedades e momentos históricos, produtos da necessidade humana. Por isso, não se pode descartar os múltiplos modos de uso das drogas, que variam histórica e culturalmente.

Para você ter uma ideia, na Grécia antiga havia a crença de que diferentes deuses, como Hypnos (deus do sono hipnótico), Thanatos (deus da morte) e Nyx (deusa da noite), eram adornados com o talo da papoula. Morfeu, o deus do sono, costumava sacudir todas as noites a planta sobre os mortais, oferecendo-lhes repouso e esquecimento. Você já ouviu a expressão “cair nos braços de Morfeu”? Pois é. Surge daí a metáfora para a pessoa que adormece. Hipócrites frequentemente mencionou a papoula como ingrediente de preparados medicinais; Aristóteles a registrou como planta antidiarreica, calmante e, por vezes, sonífera.


Figura 1: Afegãos trabalham em plantação de papoula. Do fruto não maduro dessa planta (com pétalas brancas, roxas ou avermelhadas) se extrai um látex, o ópio, com textura semelhante à da seringueira. A partir dela, é possível produzir heroína, morfina, codeína e outras substâncias.
Fonte: https://tinyurl.com/ybens63a.

Você sabia que, para os ancestrais andinos, a folha de coca era uma planta sagrada? Os rituais eram tão respeitados que a planta só era manipulada por autoridades políticas e religiosas. Por ser considerada um presente dos deuses, somente era tocada por índios mensageiros, que a colhiam para se alimentar e tratar doenças. Era usada de forma controlada e restrita às práticas religiosas, festivas, nutricionais e para tratar algumas doenças. Esse panorama mudou com a chegada dos espanhóis à América, levando a uma ruptura cultural em que a coca passou a ser moeda de troca com os índios.

Não apenas com as folhas de coca, mas também o tabaco era usado em rituais religiosos de vários grupos indígenas. Por meio de baforadas, eram libertados de diferentes males; o uso pela mastigação também tinha forma terapêutica. E não podemos esquecer os cultos gregos ao deus Dionísio (Baco, para os romanos). Concebida há mais de 2.400 anos, a tragédia As Bacantes, de Eurípedes, narra o culto a Baco, deus do vinho, e a reação punitiva do Estado e suas consequências às celebrações em seu louvor, que eram chamadas de bacanais. Cabe lembrar que no livro bíblico do Eclesiastes o vinho é descrito como gozo do coração e alegria dos homens. No Novo Testamento, está o simbolismo da consagração do sangue de Cristo.

A partir do século XVI, com o descobrimento do Novo Mundo e o conhecimento de novas culturas ultramarinas, os europeus encontraram muitas especiarias que, com o tempo, foram introduzidas em suas sociedades com finalidades médicas, alimentares ou recreativas. A chegada da Cannabis (maconha) ao Brasil é um exemplo disso. Você faz alguma ideia de quando e como ela aportou no nosso país? Foi nas próprias velas e cordas das embarcações, que eram feitas de cânhamo, feito com a planta. Portanto, a maconha apresenta outros usos, além do recreativo e da sensação de “barato” e relaxamento. Originária da Índia, ao chegar aos portos brasileiros disseminou-se rapidamente entre os escravos. Foi uma planta muito popularizada entre os intelectuais franceses e os médicos ingleses do exército imperial na Índia. Tanto que passou a ser considerada em nosso meio um excelente medicamento, indicado para muitos males.


Figura 2: Cânhamo é o nome das fibras que se obtém de plantas do gênero Cannabis. Além de tecidos, o cânhamo é utilizado na fabricação de papel, cordas, alimentos, resinas e combustíveis. Como toda Cannabis, apresenta concentrações de THC (princípio ativo que gera o barato ao usar a maconha).
Fonte: https://tinyurl.com/y9alagdg.

Nesse contexto da intensificação do comércio das drogas, não podemos esquecer um marco importante: as guerras do ópio contra a China, de 1839 a 1841. A partir delas, os ingleses garantiram o monopólio internacional desse mercado, consolidando o domínio britânico no Extremo Oriente e implementando a prática comercial dos psicoativos para todo o mundo em larga escala. Nesse primeiro momento histórico, houve o grande marco de “guerra pela droga”, promovendo o domínio desse comércio pelas nações colonizadoras, em especial a Inglaterra e a

França, e a expansão do consumo dessas substâncias por toda a Europa.

O uso terapêutico do ópio e da maconha não ficaram impunes ao sistema de controle dos estados, sobretudo no Brasil. No caso da maconha, por exemplo, embora também fosse usada para fins médicos, a partir da década de 1920 começou a ser perseguida. Apesar de tentativas anteriores no século XIX e no princípio do século XX, a perseguição policial aos usuários de maconha se tornou mais enérgica a partir da década de 1930.

Em busca da saúde, de apurar os sentidos e da ideia de prorrogação da duração da vida, os europeus buscavam em todo o globo as fontes mais ocultas das “drogas quentes”, os temperos como pimenta, canela, cravo, benjoim, cochonilha, incenso, açúcar, tabaco, gengibre e outras raízes. Assim, levavam o calor dos trópicos para o norte e carregavam bálsamos e outras resinas aromáticas para servir de terapia e de unção nos rituais católicos, sobretudo de consagração de reis. Muitas vezes, eles se indispuseram com os indígenas, na busca de obter informações medicinais, o que resultou em massacres históricos.

Mas, em se tratando de economia, será que historicamente as drogas tiveram alguma influência na economia do país? Se você imaginou que sim, está no caminho certo. Do período colonial até hoje, a grande verdade é que as drogas (proibidas ou lícitas) geraram muitos lucros. Representaram um conjunto de riquezas exóticas, produtos de luxo destinados ao consumo, aos usos medicinal e alimentar, termo pelo qual atualmente chamamos de especiarias.

Na época colonial a sociedade não distinguia precisamente droga de alimento. Embora as regulamentações tenham ficado mais acirradas, foi no século XX que o consumo de drogas legais e dos alimentos-droga alcançou sua maior extensão mercantil. Foi em torno desses produtos que inúmeras populações basearam suas dietas. O vinho é um exemplo. Historicamente, para a região do Mediterrâneo antigo, ele foi bem mais que um alimento. Representou uma criação complexa e secular, do trabalho cumulativo de inúmeras sociedades, etnias e culturas.


Figura 3: A fermentação da uva produz vinhos que são utilizados para alimentação humana e nos cultos religiosos em todo o mundo, há milênios.
Fonte: https://tinyurl.com/y7tcctt9.

Atualmente, as bebidas alcoólicas, assim como o cigarro, são produtos lícitos, ou seja, permitidos pela nossa legislação para os maiores de 18 anos. Mas, será que sempre foi assim? Por incrível que pareça, embora sejam produtos muito lucrativos para a economia dos países, as discussões sobre proibir ou liberar as bebidas alcoólicas já foram muito intensas tanto no Brasil quanto em outros países. Um bom exemplo foram os movimentos religiosos protestantes para tirar o álcool da sociedade, iniciados na década de 1830. E não é que esse movimento contra o álcool deu certo! Quase um século depois, de 1920 até 1933, os Estados Unidos proibiram a produção e o uso de bebidas alcoólicas no país, com a Lei Seca. E você deve imaginar a repercussão que isso teve no mundo todo, não é mesmo? Tentando garantir sobriedade à população americana, essa lei revelou ao mundo que a proibição não foi a melhor estratégia para evitar a violência, pois o contrabando e a miséria só aumentaram. Houve aumento do comércio clandestino, da procedência duvidosa dos produtos e a elevação da ascensão de gângsteres.

Hoje em dia, uma grande preocupação é o mercado clandestino que atinge os jovens. O jovem tem fácil acesso ao uso de entorpecentes, da maconha aos produtos sintéticos mais modernos, como anfetaminas, anabolizantes e diferentes solventes. A escola, por ser um espaço de encontro de diferentes adolescentes, pode se tornar um ambiente de exploração e contato com distintas drogas. Por isso, historicamente, no que cabe à função social, a escola de hoje tem grande potencial preventivo para orientar, intervir e promover saúde para os jovens, mais até que em outros momentos históricos. A existência das drogas e seus usos ao longo da história envolvem questões complexas de liberdade e disciplina, sofrimento e prazer, devoção e aventura, transcendência e conhecimento, sociabilidade e crime, moralidade e violência, comércio e guerra.

A história das drogas e suas formas de uso e controle são mais antigas do que possamos imaginar! Para compreender o presente, é sempre conveniente saber mais do passado.

Publicado em 14 de agosto de 2018

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