Iniciando a conversa: breve percurso histórico da formação de professores no Rio de Janeiro

Mônica Macedo

Professora da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, graduada em Pedagogia

Sabrina Guedes

Coordenadora pedagógica da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, graduada em Pedagogia e História, pós-graduada em Psicopedagogia, Mídia em Educação, Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica, mestranda em Novas Tecnologias Digitais em Educação

Falar da educação brasileira implica necessariamente transitar num terreno onde a própria história brasileira se confunde com o processo de colonização e o início das primeiras letras. Primeiro com o intuito de catequizar e posteriormente atribuindo-lhe uma qualidade educacional que ao longo dos anos foi tomando corpo, primeiro com as ordens religiosas e, em seguida, com uma formação específica para o professorado. A Reforma Pombalina foi um fator desagregador na qualidade do que até então tinha sido construído. Foi a primeira dentre inúmeras medidas estatais que trouxeram queda qualitativa.

Nesse cenário, temos a formação de um corpo docente religioso secular com um perfil voltado para as classes mais abastadas e décadas à frente, com a abertura para outros segmentos da população, demonstrando ineficiência na capacidade de dar significação ao processo de ensino-aprendizagem. Passamos a ver o empobrecimento na gerência dos conteúdos e das habilidades a serem alcançadas.
Até a própria feminização carrega em si conceitos e significações a serem refletidas, hoje, por nós, educadores, em que os conceitos de formação estão presentes e precisam ser objeto de análise.
Imbernón afirma que

a formação terá como base uma reflexão dos sujeitos sobre sua prática docente, de modo a permitir que examinem suas teorias implícitas, seus esquemas de funcionamento, suas atitudes etc., realizando um processo constante de autoavaliação que oriente seu trabalho. A orientação para esse processo de reflexão exige uma proposta crítica da intervenção educativa, uma análise da prática do ponto de vista dos pressupostos ideológicos e comportamentais subjacentes. (2001, p. 48-49).

Ao longo do desenvolvimento do texto, temos a pretensão, com o uso da cronologia, de dar clareza às informações, um tratamento cuidadoso com o conhecimento, especialmente porque o próprio assunto requer essa especificidade.

Não podemos esquecer que este artigo tem a finalidade de fazer uma incursão no processo de formação docente por via da historicidade, assim como por meio da implementação das políticas públicas educacionais.

É um assunto que traz uma discussão que não é recente, mas permite uma reflexão constante para com o tema que é do cotidiano da nossa sociedade, repensar quem é o professorado, quais são as bases da sua formação e qual o tratamento dado pelas políticas públicas.

Não pretendemos esgotar o assunto, mas sim permitir que toda a sociedade assuma uma postura investigativa e responsável para com o fazer educacional, já que o profissional atende e é porta-voz de todos nós, sujeitos constituintes e fazedores desse mesmo espaço educacional.

Trazer dados, auxiliar em novas discussões e pesquisas são elementos que nos instigaram a iniciar esta conversa propondo um repensar sobre o ethos docente frente às características da sociedade atual.

Desenvolvimento

A Educação no Brasil começou com a vinda dos primeiros integrantes da Companhia de Jesus (jesuítas), ordem religiosa católica, no século XVI, cujo objetivo era a educação e a catequese, especialmente dos indígenas; o doutrinamento era a porta de disseminação dos valores morais cristãos, aliado aos interesses da Coroa Portuguesa.

A vinda dos padres jesuítas, em 1549, não só marca o início da história da educação no Brasil, mas inaugura a primeira fase, a mais longa dessa história e certamente a mais importante pelo vulto da obra realizada e sobretudo pelas consequências que dela resultaram para nossa cultura e civilização (Ribeiro, 1998, p. 28).

Durante dois séculos, a educação brasileira ficou sob a responsabilidade dos sacerdotes da Companhia de Jesus. Nesse período, a instrução era ministrada pelos padres jesuítas, que atendiam aos filhos dos fazendeiros com uma educação voltada ao sacerdócio ou à ocupação dos negócios da família e aos filhos dos escravos com uma educação elementar que atendesse às necessidades da família colonial.

Durante o período em que permaneceram no Brasil, os jesuítas influenciaram na formação da sociedade brasileira e se constituíram nos principais educadores.

Os educadores jesuítas tinham formação clerical, isto é, voltada para o exercício do ministério sacerdotal. Era assim caracterizado o professorado do Período Colonial, com um saber restrito, atrelado muito mais à fé do que ao conhecimento.

No século XVIII, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro português, expulsou os jesuítas de Portugal e de todas as colônias, acabando com as escolas e colégios dessa ordem. Criou as aulas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica e instituiu a imagem do diretor geral dos estudos, para nomear e fiscalizar a ação dos professores que eram leigos e não possuíam preparação.

A Reforma Pombalina representou um retrocesso na educação brasileira, pois o sistema de educação jesuítica era mais organizado que o régio.

No século XIX houve preocupação com a formação do educador, já que até aquele momento o ensino baseava-se na memorização e repetição de conhecimentos trabalhados assistematicamente. O Estado Imperial tinha por objetivo instruir a população livre, branca e masculina, fundando-se num discurso do papel civilizatório da escolarização, regenerador da conduta do povo e estabelecimento da ordem pública. A formação do educador deveria estar de acordo com as novas metodologias de ensino, que buscassem romper com o “método individual”, considerado pouco eficiente e acientífico; com isso, o professor tinha que fazer um curso de dois meses que o habilitasse a trabalhar com o “Método Mútuo” (mais eficiente meio de disciplinação do espaço escolar, pelo trabalho realizado com grande contingente de alunos) e, posteriormente, com o “Método Simultâneo” (adaptação do “Método Mútuo” – menos exigente com relação aos materiais, salas de aula espaçosas e a presença constante de monitores).

Na década de 30 daquele século, a contratação de professores acontecia por intermédio de uma avaliação oral e escrita, tendo conteúdos de Gramática, Aritmética e Doutrina Cristã.

Em 1835 foi criada a primeira Escola Normal, no Município de Niterói/RJ. Na lei de sua criação, essa escola não estava prevista para o público feminino; era restrita aos homens; com o passar dos anos, as mulheres foram aceitas, mas de forma discriminatória, pois sua formação diferenciava-se da dos homens; eram solicitadas apenas em sua admissão: leitura, escrita e habilidade nas quatro operações matemáticas (a instrução exigida dos candidatos era superficial).

Artigo 1º. Haverá na capital da Província do Rio de Janeiro uma Escola Normal para nela se habilitarem as pessoas que se destinarem ao magistério de instrução primária, e os professores atualmente existentes que não tiverem adquirido a necessária instrução nas Escolas de Ensino na conformidade da Lei de quinze de outubro de mil oitocentos e vinte sete, artigo quinto (Decreto nº 10, 1835).

A profissionalização da mulher no magistério público deu-se em meio ao entendimento de que a educação escolar era uma extensão da educação dada em casa. Assim sendo, a função da mãe na família era estendida à escola pela pessoa da professora, um recorte de gênero que ainda traz consequências um tanto quanto constrangedoras do ponto de vista de ver a figura feminina ainda com resquícios de uma imagem não tão pensante.

A fundação da Escola Normal definiu um corpus de conhecimento comum, regulando com isso a ação pedagógica das salas de aula e os saberes do professorado, porém tal fato foi difícil de ser estabelecido, pois o processo de qualificação docente no decorrer do Estado Imperial mostrava-se frágil.

Nas provas dos candidatos à carreira docente recém-saídos da Escola Normal não havia qualquer referência à dimensão metodológica da prática pedagógica, porém a avaliação da posse de saberes científicos era claramente reforçada. Somente em 1870 é que o conhecimento gramatical do futuro professor começou a ser avaliado. O currículo da Escola Normal foi ampliado, introduzindo novas matérias. Mesmo os professores já efetivados foram obrigados a submeter-se a provas que atestassem o conhecimento de História e Geografia do Brasil. Nesse período, as candidatas do sexo feminino eram avaliadas pelo trabalho desenvolvido com as “agulhas” (habilidades relacionadas ao papel social da mulher).

Verificava-se com tudo isso a afirmação da necessidade de qualificação docente na direção de maior profissionalização do magistério. Por outro lado, caracterizava a desqualificação dos saberes acumulados pelo professor e a perda de sua autonomia, à medida que é avaliado em conteúdos anteriormente inexistentes no currículo. Estabeleceu-se diferenciação salarial entre os que possuem os novos conhecimentos. O discurso legitimador do despreparo do corpo docente ratificou a baixa remuneração, especialmente da figura feminina, que passou a ocupar cada vez mais os bancos docentes. “A feminização do magistério tem sido responsabilizada pelo desprestígio social e pelos baixos salários da profissão” (Tanuri, 2000, p. 57).

No ato da inscrição da prova de admissão da prova dos candidatos ao cargo de professor era exigido o pagamento de uma taxa de inscrição, eliminando assim o acesso da população de baixa renda, mesmo que tivesse competência para tal. Um outro artifício exigido era o documento de idoneidade moral do candidato assinado pelas autoridades locais: Igreja, delegacia, juízes, políticos locais... O professor era um aliado dos poderes locais instituídos. Os atestados de casamento e batismo também eram exigidos dos candidatos. Professar a fé católica era fundamental.

O Curso Normal afirmava-se como regenerador das classes desfavorecidas, incutindo modeladores de conduta. O professor é pensado como agente dos poderes políticos e religiosos, indissociadamente.

Procuramos evidenciar que, até o final do Império, continuamos sem a formação do professor adequada a um país que crescia em população livre, e aumentava o número daqueles que poderiam cursar a escola elementar.

Além do descontínuo funcionamento das escolas normais, havia um esvaziamento quantitativo e qualitativo que retratava a calamidade da situação educacional brasileira. Esse retrato das escolas normais brasileiras como espaço de qualificação do professor primário fazia um paralelo ao crescimento do número de analfabetos.

De acordo com a lei de criação da Escola Normal, temos no item “Os primeiros professores” o parecer recomendando a fundação de Jardins Públicos de Crianças e a formação de Curso Normal Especial para professores dessas instituições; seria necessário convidar professores da Alemanha. O Capítulo X do Parecer inicialmente defende a teoria de que o mestre era mais importante do que o método, livro ou outros recursos.

Apenas o Brasil tinha Escolas Normais noturnas, e a seus alunos era facultada a frequência às aulas e provas, dividiam-se as disciplinas do currículo em séries em vez de anos, os professores eram nomeados por concurso e os prédios eram inadequados para o funcionamento do curso.

O intuito da Escola Normal era habilitar o professor para a prática real da educação; as matérias a serem estudadas deveriam obedecer a dois objetivos. Primeiro, capacitar o futuro professor na ciência e arte de educar; em segundo lugar, constituir-se do programa da escola primária e da metodologia mais adequada à transmissão de cada uma das disciplinas a serem estudadas.

A partir dessas considerações, o parecer estabeleceu um programa para as Escolas Normais em que havia diferença entre a prática masculina e a feminina, segregando e discriminando as mulheres e os negros.

Os cursos normais teriam a duração de quatro anos com o respectivo número de aulas semanais, sendo admitidos em seus bancos escolares concluintes do curso da Escola Primária Superior e sabedores de uma das três línguas: francês, inglês ou alemão.

É verdade que o Curso Normal obteve melhora após 1920, mas sem maiores repercussões.

A formação docente estava voltada à prática de técnicas e ao domínio do conteúdo, que seriam a matéria-prima para o processo de ensinar. Ao que nos parece, havia um acordo tácito entre essa formação e os movimentos políticos, numa total ou quase total consonância com as regras sociais, com poucos ou nenhum questionamento da ordem vigente.

Nos anos 1930, o educador Anísio Teixeira, idealizador da escola pública, foi pioneiro no ensino público, gratuito e para todos, fazendo parte do grupo que implantou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Esse manifesto, divulgado ao povo e ao governo em 1932, se inicia dizendo que na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Os pioneiros da educação reivindicavam urgência em mostrar os problemas educacionais nacionais, como a desqualificação profissional dos docentes e a ausência de universidades. Esse grupo fez oposição aos métodos tradicionais de ensino em prol de um movimento educacional renovador.

Entre as décadas de 1950 e 60, as aulas eram monótonas, com clima afetivo competitivo, entrada por falta de alternativas profissionais, em uma instituição sem glamour.

A Constituição Federal de 1967 trouxe algumas deliberações para o magistério que foram importantes, como o provimento de cargos para o Ensino Médio e Superior mediante concurso público.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5.692/71 trouxe para a formação do magistério um tecnicismo para dentro das salas de aula, equiparando qualificação profissional com instrumentação técnica.

Art. 1º O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.

O que se viu na realidade foi a sociedade questionando o papel da educação, sua organização e seu fim, visto que, da forma como se dava esse processo, havia divergência quanto à formação do corpo docente. Era preciso romper com o tecnicismo da formação docente inicial.

O final da década de 1970 e o início da de 80 trouxeram o ideal de um profissional que tivesse formação crítica e ampliada da sociedade de então. Começou a tomar forma o docente como sujeito político.

Na década de 1980, a formação do professorado era baseada na dimensão didática. Em fins dessa década e início dos anos 90, a concepção de aprendizagem elaborada pelo psicólogo suíço Jean Piaget trouxe novo significado para a educação brasileira, especialmente no que se refere à formação e à prática do professor dos anos iniciais, que não mais tomaria o conhecimento como algo exclusivo seu; seria o mediador na construção do processo de ensino-aprendizagem juntamente com o aluno. O educador passou a admitir o conhecimento prévio desse aluno, tendo-o como ponto de partida. O construtivismo adentrou as classes de alfabetização e os espaços de formação docente, rompendo com a hegemonia do Método Tradicional e constituindo um novo corpo do saber.

A década de 1990 trouxe uma realidade da formação docente baseada no atendimento à política mercadológica internacional vigente que se voltava para a privatização das instituições públicas, além de uma busca numérica que equiparasse qualidade educacional aos percentuais que deveriam ser atingidos.

Ao mesmo tempo que temos a figura do professor pesquisador, que realiza atividades de pesquisa, teoria e docência, a LDB nº 9.394/96 faz distinção entre esses momentos.

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O processo acentuado de desvalorização do professorado passou pelo entendimento na sociedade de que o professor é apenas um reprodutor do conhecimento, fazendo apenas o papel de cumpridor das ações pedagógicas. As condições de formação e trabalho do professor foram sendo cada vez mais desvalorizadas.

A política neoliberal, aliada a uma legislação que permite a flexibilização na formação docente, levou à desconfiguração do papel desse profissional no cenário nacional. O entendimento sobre a educação e a função da escola na sociedade foram recriados sob os moldes da competitividade, da produção em larga escala, da capacitação técnica e científica e da difusão do conhecimento científico.

Mesmo com a admissão à carreira no magistério somente no nível superior, a formação em nível médio continua valendo, fato que vem demonstrando ser um problema no âmbito da qualificação desejada.

O compromisso vocacional parece ter sido gerado na solidariedade advinda das condições de vida das crianças e das necessidades inerentes ao trabalho pedagógico. O que parece significativo é o movimento de os professores trabalharem a partir de um quadro que inclui violência doméstica, abandono familiar, ausência dos pais no processo de escolarização dos filhos, além da competitividade entre os alunos das escolas particulares.

Sob condições de trabalho hostis, o que deve ser assinalado é o fato de esses profissionais terem permanecido na sala de aula apostando na aprendizagem de seus alunos, utilizando as ferramentas didáticas que conquistaram em suas trajetórias, os saberes que elaboraram ao longo da socialização vivida.

No anos 2000, temos a impressão de que a necessidade democrática de oferta de vagas avançou, porém a qualidade ainda está comprometida. As últimas pesquisas têm apontado para um fraco domínio da leitura e da escrita. Nossos alunos saem do Ensino Fundamental sem dominar com certa folga esses processos; em contrapartida, vemos o declínio na entrada de pessoas para os cursos de formação de professores. A falta de docentes numa realidade como a nossa é fato, e a formação continuada dos que estão em curso não tem respondido a alguns dos desafios que estão postos, como a inclusão e a presença da tecnologia em boa parte das salas de aula.

Quando pensamos sobre formação de professores, não podemos desvincular essa relação das características sociais. Percebemos que a concepção dessa formação começa numa perspectiva de controle e invasão do domínio português para subjugar os habitantes tidos como ingênuos, sem condição de gerenciamento, visão essa do colonizador branco e europeu.

Passando pela Companhia de Pombal e das aulas régias, vemos essa intenção marcada por questões de gênero e de um saber não constituído para o povo nem pelo povo. Durante o Império, pouca coisa se modificou, permanecendo quase praticamente a estagnação dessa figura docente, se é que de fato existia. Ao chegar a República, a constatação é de que tínhamos altos índices de analfabetismo. Começou o surgimento da figura da professora que, saindo das saias da burguesia, adentra o magistério quase como uma imagem imaculada e santificada daquela que traria o conhecimento aos rebentos, as primeiras letras.

Com o passar das décadas, começamos a pensar com um pouco mais de profundidade o nosso papel e percebemos a urgência de aliar técnica ao compromisso político de forma competente, na dimensão do humano e da ética.

Dentro deste pequeno panorama, perguntamo-nos como será a formação de professores diante desse histórico.

Pensamos que falar das relações que são estabelecidas com nossos pares e o conhecimento a partir do contexto descrito acima e que tem marcado gerações de professoras requer mergulhos e um olhar atento e pesquisador no trato das possibilidades metodológicas em que se garanta a autonomia pedagógica, fator primordial que carrega em si a autoria e a consciência de que ser professora é formar pessoas e não dar aulas.

Atuar no campo da formação de professores é dialogar, questionar a ideologia posta, chamando a responsabilidade do papel de professora sem perder a dimensão do afetivo. Afetivo que congrega a libertação de mitos, a ponderação sobre as contradições e a análise das interdições e silêncios que nossas ações provocam. Morin afirma que

o conhecimento do conhecimento ensina-nos que apenas conhecemos uma pequena película da realidade. A única realidade que é cognoscível é coproduzida pelo espírito humano com a ajuda do imaginário. O real e o imaginário estão entretecidos e formam o complexo dos nossos seres e das nossas vidas. A realidade humana em si mesma é semi-imaginária. A realidade é apenas humana, e apenas parcialmente real.

Assim, a subjetividade do que é ser professor e como se posicionar diante da profissão e de seu significado necessita um olhar além das aparências e ver que ensinar prevê uma instância de desejos e de dar vez e voz ao desejo do outro, mantendo uma ponte com a cultura posta e vislumbrar movimentos para além dela. Fourquin (1993, p. 9) diz que

é por isso que todo questionamento ou toda crítica envolvendo a verdadeira natureza dos conteúdos ensinados, sua pertinência, sua consistência, sua utilidade, seu interesse, seu valor educativo ou cultural constitui para os professores um motivo privilegiado de inquietante reação ou dolorosa consciência.

Essa subjetividade da professora precisa ser tocada no processo de formação para que ela perceba todas essas dimensões do humano e reveja seu fazer, tensionando para um crescimento e aprofundamento constantes, para muito além do que é banal, básico, medíocre. Não se trata de uma relação de espetáculo, mas sim de um fazer significativo.

Ao longo de uns bons séculos a figura do professor foi caminhando sob a égide de um saber absoluto, inquestionável. Com a velocidade da informação, a brevidade das certezas científicas, esse ethos vem se esfacelando e perdendo força. Zygmunt. Bauman adverte que “vivemos tempos líquidos. Nada é para durar” (https://istoe.com.br/102755).

As incertezas estão cravadas na atualidade como pilares de mudanças constantes, além da necessidade premente de relações constituídas a partir do outro. É o outro que reflete em mim (e vice-versa) os processos constitutivos dos caminhos percorridos e dos saberes dialogados nesse percurso. Portanto, a formação de professores precisa se balizar nessa lógica para avançar na formação de profissionais competentes, compromissados e agentes de mudança de um tempo globalizado, midiatizado e virtual, no qual a capacidade de resiliência é uma tônica forte. Ao mesmo tempo, estar cientes de que, por sua própria natureza, a incompletude e a diferença são as pontes para não somente constituirmos os conhecimentos como instrumentos alavancadores. Mas, acima de tudo, propiciar a formação de olhares éticos e inclusivos tendo a educação como palco de diálogo entre ação, pensamento e identidades.

O quadro apresentado se mostra desafiador quando pretendemos fazer uma análise crítica da trajetória do professor, pensar em sua constituição histórica, ao mesmo tempo que precisamos lançar bases para propostas que levem à formação de políticas públicas educacionais.

Sabemos que o corpo docente da atualidade precisa repensar seu lugar neste lócus educador, sua interferência, de modo a colaborar para com o fazer histórico do mundo que se apresenta e se repensar a partir de novos paradigmas da contemporaneidade, que são os elementos desafiadores nessa formação docente que ultrapassa os muros de uma mera mecanização de transmissão e recepção, mas de sujeitos ativos que se permitem participar do movimento de ensinagem e aprendizagem.

Estudar os caminhos, por vezes lineares, por outros, tortuosos, trouxe uma contribuição significativa para o campo profissional, pois permitiu que olhássemos para o interior da nossa própria formação e estabelecêssemos as relações necessárias para os dias atuais.

A História da Educação Brasileira, em especial da formação do educador brasileiro, trouxe sentido nesse movimento de apreensão dos saberes que são indispensáveis para a realidade atual.

Conclusão

Quando falamos da educação brasileira nos dias atuais, nos remetemos aos primórdios da constituição do Brasil, seu “descobrimento”, seu processo de colonização, uma educação atrelada a uma religiosidade que muitas das vezes não teve cuidado para com os povos que formaram o ethos, essa identidade do Novo Mundo.

A educação brasileira presenciou e foi protagonista de muitas histórias que se confundem entre o público e o privado e o que necessariamente é/era importante para a composição de seu arcabouço teórico. Vimos num primeiro momento a educação catequética, letras e religião habitando um mesmo espaço, sem que houvesse delimitação e demarcação clara dos pontos de interseção e de atuação. Religiosos e educadores.

Os interesses da Coroa Portuguesa foram o ponto de partida para o processo formal e sistemático educacional que vinha se moldando no Brasil. Podemos questionar e perguntar se realmente houve um início propriamente dito, considerando as reais características do nosso povo.
Estado e Igreja tinham interesses bastante intrínsecos a ponto de confundir o limite, a extensão e a ação dessas instituições. Essas boas relações tiveram momentos de crise, levando a uma ruptura que trouxe consequências danosas para o desenvolvimento já obtido com a educação, um retrocesso.

A preocupação com a formação do educador aconteceu de maneira tardia, já no século XIX, trazendo ausência de encadeamento entre as atividades anteriormente desenvolvidas pelos padres e a nova proposta de educação. Passamos a ver uma presença feminina muito significativa nos espaços de educação, tornando-se uma extensão do papel maternal.

Em princípio, a educação não era voltada para a toda a população brasileira; somente a nobreza e a aristocracia tinham acesso a ela, permitindo assim o alijamento de uma grande parte, que era mestiça e negra.

No século XX, a educação passou a ter um viés voltado para a abrangência de toda a população, com o direito voltado para todos, sendo de conotação pública. Mas faltou adaptação dessa nova escola aos novos alunos. A educação passou por muitas crises, dificuldades que foram aumentando ao longo das décadas, trazendo dúvidas em relação ao atendimento e sua qualidade.

Muitas teorias de aprendizagem e muitos métodos foram realçados a partir do século XX, trazendo desarticulação com a realidade e as necessidades, especialmente do corpo discente. As políticas públicas desse período foram decisivas e fundamentais para uma reflexão mais aprofundada do problema, visto que organismos e acordos internacionais ditaram as normas e condutas para a educação, com os quais convivemos nesta segunda década do século XXI.

Os pactos internacionais tornam-se maiores que o cotidiano de uma realidade educacional brasileira, em que as incertezas e as dificuldades imperam, especialmente para o nosso corpo docente, que se encontra fragilizado; cada vez mais é exigida uma formação em que não mais a Escola Normal, as licenciaturas e a pedagogia conseguem responder às inquietações desse nosso tempo.

São reflexões que nós, como educadores, precisamos fazer no cotidiano dos nossos espaços de trabalho, fundamentalmente com relação à nossa formação inicial e permanente, pensando nas próximas gerações de professores que virão e os desafios que os esperam.

Referências

FOURQUIN, Jean Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2001.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 15ª ed. Campinas: Autores Associados, 1998.

TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação, nº 14, p. 61-88, maio/ago. 2000.

http://www.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.html

http://www.citador.pt/textos/a/edgar-morin

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http://www.infoiepic.xpg.com.br/hist_ato10.htm

https://istoe.com.br/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+E+PARA+DURAR+/
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf.

Publicado em 14 de agosto de 2018

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