As contribuições da hermenêutica gadameriana para o processo ensino-aprendizagem

Manoel Messias Gomes

Mestre em Ciências da Educação pelo Instituto Superior de Educação de Brasília, doutorando (Unigrendal)

O presente trabalho é fruto de uma pesquisa bibliográfica sobre a importância das contribuições da hermenêutica gadameriana para o processo de ensino e aprendizagem, mostrando como a investigação do pensamento de Gadamer indica a linguagem como possibilitadora do diálogo e, consequentemente, da aprendizagem, tendo o diálogo como “atributo natural do homem”. Em que se pode perceber que a linguagem “se desenvolve entre os seres humanos de forma viva”. Onde se pode perceber também que a aprendizagem só se dá efetivamente quando existe uma “fusão de horizontes”, intermediada pela linguagem, entre o horizonte do educador e o do educando. Pois sem essa “fusão de horizontes”, entendida como fusão de concepções, o processo de ensino e aprendizagem perde o sentido. Portanto, compreende-se que a Hermenêutica Filosófica de Gadamer pode contribuir como grande potencial de descoberta e de abertura intelectual, permitindo aos atores do processo educativo (por meio da linguagem) chegar à aprendizagem, ultrapassando os obstáculos procedimental-metodológicos da razão e da lógica que caracterizam o modo de ser das ciências positivistas. Obstáculos estes que podem ser ultrapassados por meio do diálogo, que possui o poder de compreender o mundo e os objetos pelo viés dos sentidos. Por isso, Gadamer assinala que o processo educativo se dá pela interação, mediada pela linguagem, com os outros indivíduos, mostrando que a linguagem apresenta-se como meio que facilita e que articula as experiências da compreensão, constituindo-se como uma forma de abertura à significação em que a produção de sentidos se dá por meio do diálogo e da interpretação, numa perspectiva de produção de conhecimentos chamada de “compreensiva”, em oposição à via “explicativa”. Pois é pela via “compreensiva” que o conhecimento, segundo ele, é construído por meio de uma relação de diálogo mútuo entre os envolvidos.

A hermenêutica de Gadamer

Hans Georg Gadamer, nascido em 2 de fevereiro de 1900 e falecido em 13 de março de 2000, foi um filósofo alemão e o principal representante da corrente hermenêutica em seu país. Segundo o professor Raimundo José Alves Cruz, em seu artigo Hermenêutica e educação: o sentido gadameriano de diálogo ressignificando as relações pedagógicas, Gadamer foi aluno de Heidegger e sucedeu Karl Jasper na cadeira de Filosofia da universidade de Heidelberg (em 1949). O seu pensamento encontra-se marcado pelas influências de Diltey, Heidegger e de toda uma tradição da hermenêutica alemã, tendo procurado com seus trabalhos desenvolver uma tentativa de interpretação do ser histórico por meio de sua manifestação na linguagem, uma vez que esta se apresenta em seu pensamento como uma forma básica da experiência humana.

Para o professor Raimundo José, esse processo iniciou-se em 1918, quando Gadamer deixou o Instituto do Espírito Santo, em Breslau e no último ano da Primeira Guerra Mundial realizou suas primeiras visitas à Universidade de Breslau. Filho de um ortodoxo pesquisador das ciências naturais, teve de conviver com o sentimento de decepção por parte do seu pai, por não aceitar o seu desinteresse por tais estudos. Como ele mesmo afirma, “porque soube desde o começo de meus estudos universitários que eu simpatizava com os ‘professores charlatães’. Ele não impediu, mas durante toda a sua vida esteve decepcionado comigo” (Gadamer apud Cruz, 2002, p. 545).

Segundo esse autor, Gadamer parte da historicidade hermenêutica de Diltey. Mas a fenomenologia de Russerl e principalmente a virada filosófica de Heidegger possibilitam outra radicalidade ao seu pensamento, no qual a própria dicotomia sujeito-objeto é rompida em prol de uma construção que se realiza a partir do diálogo entre os homens, que vai criando tradições sucessivas na história, mediada pela linguagem. Linguagem que, para Gadamer, “é o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa”. Sobre essa base se fundamenta “a comunidade entre os homens e em seu consenso sobre o que é bom e correto” (Gadamer apud Cruz, 2002, p. 36).

É importante, para a compreensão do pensamento de Gadamer, entender que não se pode pensar numa verdade além da linguagem. Ao contrário, ela é construída dentro da história da construção humana. Segundo Cruz, a linguagem em Gadamer é, acima de tudo, diálogo. E o diálogo hermenêutico se faz necessário especialmente quando se lida com uma tradição que não é a nossa, por distâncias que se estabelecem a partir do tempo, da relação com outros povos ou mesmo a partir da estranheza que surge da nossa relação com qualquer um. Somos ao mesmo tempo comuns e estranhos ao outro. Por isso podemos nos comunicar, temos de transpor as distâncias, e daí a necessidade da hermenêutica.

Em 1945, após anos como estudante e docente em Marburgo, Gadamer aceita o convite para a sucessão de Karl Jasper em Heidelberg. É um momento favorável à concentração em seus planos de trabalho, resultando em 1960, em sua obra monumental Verdade e método. O debate foi levado à frente por Gadamer em três esferas, as quais encontram-se presentes na experiência hermenêutica: a esfera da estética, a esfera histórica e a esfera da linguagem. Em sua filosofia encontramos os traços fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica; junto à sua teoria, conceitos chave, tais como o sentimento de pertença e familiaridade a uma determinada tradição.

Esses conceitos trabalhados por Gadamer surgem exatamente contra o distanciamento alienado que é provocado pelo modo de proceder da ciência moderna. Sua intenção é tematizar a compreensão da experiência humana no mundo, mundo este que desde já se dá interpretado. Portanto, a hermenêutica gadameriana procura se afirmar como uma racionalidade, e as exigências de tal racionalidade surgem exatamente da oposição a uma época em que a procura pelo saber segue de forma estreita a racionalidade dos procedimentos empírico-formais. Portanto, a hermenêutica procura propor um exercício metodológico adequado às ciências humanas. “Segundo Hermann, a hermenêutica gadameriana quer fazer valer o fenômeno da compreensão diante da pretensão de universalidade da metodologia científica” (Hermann, 2002, p. 16). Portanto, tratar do diálogo hermenêutico exige a consciência de todo o processo histórico e do esforço próprio da hermenêutica, que se constitui em superar a objetividade estática das ciências naturais e apresentar um novo modelo de se relacionar, em que o diálogo hermenêutico mantém-se como elo principal da compreensão.

Com a Hermenêutica Filosófica, a verdade perde a qualidade de estável justamente porque a interpretação é uma possibilidade, pois, “sendo possível interpretar uma determinada proposição, põe-se logicamente, em risco a verdade” (Ruedel apud Cruz, 2000, p. 49). Para isso, o saber perguntar, na estrutura dialógica da Hermenêutica Filosófica, mobiliza novas relações de sentido, podendo ampliar o campo de visão e o próprio horizonte interpretativo, que marca uma determinada maneira de compreender. Assim, a educação pode ser pensada justamente como a ação e o movimento onde ocorre a formação ou a mudança nas articulações dos sentidos. O critério de avaliação e autoavaliação, no que se refere à maneira de se compreender, se volta para a superação do movimento que se dá de forma solitária ou de pouca abrangência, tendo o horizonte mais próximo como referência. Quando Gadamer ratifica a necessidade de abertura ao diálogo e à tradição, soa como uma condição para que se construa uma verdade compartilhada.

A estrutura dialógica da compreensão

Do ponto de vista educacional, as relações e o reconhecimento de si mesmo diante do outro dialogam internamente. Segundo o professor Daniel José Crocoli, em seu artigo Contribuições da Hermenêutica Filosófica de Hans Georg Gadamer para a Educação, “talvez este seja um diálogo a partir do qual muitas das decisões pessoais e de orientação da própria vida sejam tomadas” (Crocoli, 2012, p. 3), porque a recusa, a não aceitação em se colocar no diálogo ou a postura frente ao diálogo já revelam um movimento dialógico anterior ao qual brota a decisão. Por isso, Gadamer faz a afirmação de que “não é possível ‘fazer duas vezes a mesma experiência’” (2008, p. 462). Portanto, significa que o chamamento e a reivindicação para que haja representatividade de uma experiência se tornam experiências em uma situação nova, em uma temporalidade diferente. Essa originalidade da experiência mostra o quanto se pode ampliar o horizonte da visão e os limites do que se considera compreendido.

A hermenêutica, pelo conceito de experiência, indica que o controle ou o sujeito da compreensão não está na consciência, que se dá como diálogo. Ao saber-se, sempre lhe escapa o controle da mobilidade do diálogo. O envolvimento do homem com o mundo, com os outros e consigo mesmo não é neutro, sempre acontece a partir de uma história e de um envolvimento. A compreensão de si institui uma relação de verdade que evidencia um nível de desvelamento do sujeito para consigo mesmo, de suas capacidades e de suas habilidades.

Ter experiência é ter a capacidade de reconhecer-se como seres finitos e históricos. Essa é a condição principal para o autêntico diálogo capaz de manter o pensar em uma atividade produtora do saber, pois o experienciado mantém abertas as possibilidades do saber, não se contentando com o que já se mostrou como desvelamento. Portanto, toda nova experiência instaura novos horizontes de compreensão e a descoberta não esgota as possibilidades de novas e diferentes relações. O responder se enquadra como uma das maneiras de contemplar a pergunta, sempre inserido em um horizonte de compreensão, marcado pela tradição e pela situação originante da experiência.

O aspecto linguístico da Hermenêutica Filosófica da educação

O aspecto linguístico é a marca, o atributo fundamental do próprio pensamento e da própria relação e constituição do mundo. Porém esse atributo não pode ser entendido como fundamento, como um estado de coisas já presente no ser humano. No entanto, segundo o autor, “o que se dá na linguagem dá-se também no todo de nossa orientação vital: o fato de estarmos familiarizados com um mundo convencional pré-formado” (Gadamer, 2004, p. 236). No acontecer da linguagem, inicialmente presente na relação entre a criança e os outros seres já formados como linguagem é que se dá a fundação do “logos linguístico”. Pois, o pensamento não é anterior à imagem, como se esse se utilizasse de um instrumento (a linguagem) para manifestar ou dizer algo. Há, no entanto, uma inversão na forma de descrever como ocorre o pensamento e sua expressão ou manifestação, pois é a linguagem que mobiliza a criança a se constituir na relação de sentido e significado. Para o autor, “não é a história que nos pertence, mas somos nós que pertencemos a ela” (Gadamer, 2008, p. 367). Porque, pela linguagem, adquire-se uma posição, e essa posição lança o indivíduo em uma relação de diálogo com as coisas, com os fatos e com os temas. O pensamento é assim como a compreensão, desde sempre já se estrutura com um dialogar com os próprios referenciais ou com a situação na qual se encontra, de forma que algo se mostra no pensar e no compreender. Dizer que na compreensão se dá um encontro é admitir a possibilidade do inesperado em que algo se apresenta e modifica toda forma de pensar. O diálogo tem a ver com uma postura de abertura frente às possibilidades do compreender, pois a vida diária é repleta de momentos, de fatos e de encontros capazes de operar movimentos de ampliação da compreensão. “Porque a nossa compreensão não aprende num só golpe do pensar tudo o que sabe, precisa sacar de si cada vez o que pensa, pondo-o diante de si mesma como numa autoexpressão de seu íntimo” (Gadamer, 2008, p. 546). Ele diz que considerar a estrutura dialógica da razão significa reconhecê-la como uma imagem multifacetada da subjetividade.

Também aqui se torna claro que o homem que compreende não sabe nem julga a partir de um simples estar postado frente ao outro sem ser afetado, mas a partir de uma pertença específica que o une com o outro, de modo que é afetado com ele e pensa com ele (Gadamer apud Cruz, 2008, p. 425).

Porque há sempre uma relação de pertencimento à realidade, e a realidade não está dada no seu em si, mas se conjuga como realidade histórica justamente por estar em relação com um sujeito finito, com o outro. Pode-se entender porque Gadamer utiliza a expressão “fusão de horizontes” como um mover-se que não se abstrai totalmente da realidade e da história.

Em seu artigo sobre as contribuições da Hermenêutica Filosófica de H. G. Gadamer para a educação, o professor Daniel José Crocoli afirma que adquirir um novo horizonte significa compreender de forma diferente, “em um todo mais amplo e com critérios mais justos” (Gadamer apud Crocoli, 2008, p. 403), pois para Gadamer a compreensão se dá como fusão de horizontes do passado com o presente. Na fusão de horizontes, segundo Crocoli, está o sentido da fluidez, de finitude e o reconhecimento da originalidade na maneira de compreender o mundo e a si mesmo. Compreender, segundo esse autor, é recriar e aplicar um sentido em uma nova situação. Segundo ele, o velho se mantém, e a tradição torna a falar e a dizer algo, mas em uma situação nova que requer aplicação, tornando-se continuamente um ato criador, em que “quase já não se pode contestar que o que caracteriza a relação do homem com o mundo, em oposição a todos os demais seres vivos, é a sua liberdade frente ao mundo circundante” (Gadamer apud Crocoli, 2008, p. 537), porque a subjetividade perde o seu lugar central, mas nem por isso se torna um fantoche da história e da tradição. Pelo contrário, ela adquire mobilidade maior em um espaço que pode ser criado e recriado.

Para Crocoli, em educação se dirá que as elaborações de sentido adquirem diferentes configurações, tendo a pretensão de se manter como verdadeiras em uma unidade capaz de orientar o próprio agir. Segundo ele, o confronto ou a pergunta instaura a exigência de justificar o modo como a realidade é interpretada. Reforça a ideia de que o outro elemento, que não necessariamente um outro eu, é indispensável para que se instaure o movimento e a mudança. Quando esse outro elemento não se instaura, a educação, como ação e mudança, não ocorre e, consequentemente, há uma cristalização dos modos de conceber o mundo, a si mesmo e as formas de agir. Conceber a compreensão com o modo de ser característico do sujeito pode trazer alguns questionamentos sobre os efeitos que diferentes maneiras de compreender provocam nas relações intersubjetivas. Para ele, considerar que todos, de alguma forma, compreendem e desenvolvem ações influenciadas por essa maneira de compreender compromete a instauração de uma justificativa para recusar determinada compreensão ou ação. O critério poderia estar na coerência das relações de sentido, associada ao limite de abrangência que essa compreensão ocupa.

Outro critério cabível reconhece na própria situação concreta uma exigência. A capacidade de adaptar a compreensão ou o agir a essa exigência mostra-se como uma aplicação equilibrada e passível de ser aceita intersubjetivamente. Segundo Crocoli, quando a compreensão é deslocada para a ação não responde às exigências da situação, significa que a ação não está adaptada. Assim, segundo ele, estão as ações de violência e de desrespeito, o que não significa que não haja compreensão, mas que essa compreensão se mantém deslocada do que a situação exige. Pois muito se tem questionado sobre a instauração de limites em termos de educação. Para ele, o limite em si é agressivo e, por vezes, causa sofrimento, mas nem por isso é violento, de forma que o critério se encontra na situação. Para ele, Gadamer, mediante a ética aristotélica, introduz no entendimento da compreensão o saber histórico de cada pessoa, que se aplica às situações concretas sempre como uma atualização. Gadamer encontra no modelo aristotélico uma forma de pensar a ética e a compreensão como um movimento que inclui a situação concreta e histórica. Cada indivíduo, na sua história e no seu tempo, se constrói e se educa. Para ele, o ser humano se situa para a Hermenêutica Filosófica como um animal hermenêutico, simbólico, linguístico e não simplesmente racional. Tanto o seu ser como o mundo estão em permanente mudança e passível de relações diferentes e originais.

A dimensão criadora da educação e da Hermenêutica Filosófica

Para Crocoli, Gadamer, ao destacar que a educação é educar-se, está afirmando que o modo de ser do ser humano é essencialmente criador. Porque a criação, no sentido hermenêutico, não está ligada às coisas como essência, mas como linguagem. Compreende-se, consequentemente, o mundo e a si mesmo de um jeito único, que se desloca a cada nova experiência e a cada nova relação que se estabelece entre os elementos da tradição ou do passado, e as expectativas de sentido são lançadas como possibilidades. “A experiência estética é uma possibilidade de ampliar a nossa compreensão sobre nós mesmos e sobre o mundo e aprimorar nossa capacidade de escolha” (Hermann apud Crocoli, 2010, p. 36), pois para esse autor a educação fragilizada é a educação que não levou a uma ampliação das capacidades e das possibilidades de escolha do sujeito, visto que escolher também significa tomar decisões frente aos desafios da própria vida e da própria existência que se estabelecem dentro da família, da escola ou da sociedade.

Crocoli sugere que, para o processo de educação, uma das questões centrais está ligada ao modo como se estrutura ou se configura uma determinada compreensão. Para ele, é possível admitir que as pessoas compreendam o seu entorno de alguma forma, mesmo que de formas diferentes. Por isso,

É importante o questionamento de como se processam essas compreensões ou entender quais os elementos que estão em jogo e por que são esses e não outros, pois o sujeito, em um determinado momento, só é um sujeito que compreende desta ou daquela maneira. E para as situações em que não ocorre um movimento de ampliação ou de mudança dos referenciais ou dos esquemas de articulação dos diferentes preconceitos, pode-se pensar em situações de não educação, em que as possibilidades da compreensão se fecham em uma rigidez de aspectos, na própria pré-estrutura da compreensão. Entender essa situação de educação em que os referenciais se articulam de diferentes modos de compreensão passa pela aplicação do movimento dialógico para o próprio pensamento, ou seja, em um diálogo que se dá consigo mesmo (Crocoli, 2012, p. 8).

Para esse autor, a dialética, no seu sentido próximo ao diálogo, ultrapassa a visão da dialética negativa e de oposição e se aproxima da ideia de reconhecimento. Para ele, o outro, o diferente dialoga com o que está próximo do referencial compreensivo, e esse dialogar revela a dimensão de abertura frente a diferentes compreensões. Gadamer diz que “o que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo” (Gadamer apud Crocoli, 2004, p. 247), pois no diálogo está contida a dimensão do compromisso em assumir o que de novo aparece na relação de aprendizagem. Só há diálogo quando o novo se mostra aos participantes do diálogo, de forma que o aspecto que deve permanecer aberto é o caminho que o próprio diálogo vai formando, porque “o diálogo possui, assim, grande proximidade com a amizade” (Gadamer apud Crocoli, 2004, p. 247). Para o autor, quando se está diante de uma pessoa em quem se confia, como um amigo, por exemplo, há uma predisposição para o outro e para o que ele diz. As opiniões contrárias, na relação de amizade, não impedem que haja diálogo; muito pelo contrário, colocam em jogo a questão e o assunto. O que o outro diz torna-se parte de uma elaboração comum. Pensar a educação a partir da hermenêutica faz da abertura ou da predisposição uma exigência. Por isso, quando Gadamer fala da educação como educar-se está aproximando o movimento interior do sujeito consigo mesmo e com a realidade intersubjetiva representada pela tradição e pelas circunstâncias que compõem a existência.

Crocoli destaca que a vinculação existencial da compreensão e o caráter efeitual da história, destacados pela hermenêutica como aspecto da realidade linguística do ser humano atingem diretamente o entendimento sobre a educação. Na verdade, a educação se insere na existência como momentos de encontro com a realidade, com os outros e consigo mesmo no meio caracterizado como linguagem. Portanto, tudo na linguagem se movimenta como diálogo e como encontro capaz de afetar e, ao mesmo tempo, ser afetado, tendo o horizonte da tradição como limite.

Segundo Almeida, quando Gadamer fala de tradição não está se referindo a um sujeito coletivo, mas entende que “tradição é o nome comum para designar cada texto concreto (no sentido mais amplo da palavra texto, incluindo uma obra plástica, uma construção e até um processo natural)” (Almeida apud Crocoli, 2002, p. 219).

Portanto, quando há encontro e quando há educação, uma relação de sentido se instaura, se desvela e se abre. A cada nova experiência, novos conteúdos entram em jogo, abrindo novas possibilidades de relações, de perguntas e de respostas, porque na obra de Gadamer Educar é educar-se está presente a dimensão criativa do processo educativo, de forma que é possível recriar a própria situação com base em um horizonte mais amplo de visão. Nessa situação, o indivíduo atua como criador de novas alternativas de aprendizagem, distanciando-se do que está mais próximo para relações mais adequadas com os limites da tradição, pois aquele que a compreende realizou uma experiência de sentido, de forma que a realidade se mostra a partir de uma configuração determinada. Mesmo assim, não significa que essa maneira como a realidade se apresenta não possa ser reelaborada e compreendida de maneira diferente. Por isso, a compreensão, no sentido hermenêutico, está sempre posta em jogo, aberta a novas relações de sentidos.

Muitos dos conflitos envolvendo diferentes compreensões acabam não sendo produtivos e não se colocando como movimentos hermenêuticos por não permitirem a abertura para que o outro, o diferente, possa se expressar. Esse espaço em que o outro se apresenta é o espaço da pergunta, pois “perguntar, quer dizer colocar no objeto. A abertura daquilo sobre o que se pergunta consiste no fato de não possuir uma resposta fixa” (Gadamer, apud Crocoli, 2008, p. 474). Para Crocoli, talvez esta seja a justificativa para a expressão educar-se, de Gadamer, em que a mobilidade na educação se assemelha à mobilidade do diálogo e da conversão, visto que onde não há abertura para o diálogo não há conversão e movimento capaz de modificar as estruturas de sentido que orientam o agir humano.
Para Gadamer, a possibilidade de aproximação com as coisas possui caráter de conversão, ou seja, há sempre a participação de quem se põe a compreender e do que está diante da compreensão. Por isso, para ele, o movimento da compreensão, no sentido hermenêutico, é um movimento do risco e de exposição para o estranho e até mesmo para posições contrárias, porque estar aberto ao diálogo e à conversão é aceitar a possibilidade do novo e do diferente na constituição de sentido. Assim, para Gadamer, a pergunta é a condição hermenêutica da compreensão, a estrutura preconceitual exerce influência no espaço a ser ocupado pela pergunta. A questão principal, neste caso, é como interferir nessa estrutura que retroalimenta a não abertura para a pergunta. Ao se pensar nas intervenções concretizadas pelas estruturas sociais como a família, a escola etc., esse problema emerge como uma questão que envolve diferentes objetivos em educação.

A experiência como requisito indispensável ao processo educativo

De certa maneira, a hermenêutica, assim como a educação, encontra uma base comum de sustentação: a experiência. Para esse autor, a particularidade como se efetiva a experiência na vida concreta, ou na existência, produz atitudes que revelam um jeito de compreender as coisas, os fatos e a si mesmo. Mas a riqueza da experiência, segundo esse autor, não está propriamente no que é experimentado, mas no modo como o sentido é elaborado e reelaborado pela experiência. Pois hoje entra-se em contato, pela abrangência de informações disponíveis, com uma gama de informações ou contextos reveladores de experiências de outras pessoas. Os contextos histórico, social e econômico, por exemplo, podem ser destacados como realidade concreta de muitos outros indivíduos, porém, a maneira, o jeito como esses dados se articulam na compreensão e produzem interpretações diversas é essencialmente singular.

Crocoli percebe que tomar uma atitude (interpretar) já revela um jeito de compreender a realidade e a si mesmo, pois a educação se dá sempre que há um acontecimento hermenêutico de elaboração ou reelaboração de sentido, visto que “em todo pensamento e conhecimento já mostramos a parcialidade de nossa interpretação linguística do mundo. O acontecimento hermenêutico corresponde à finitude humana, mas essa finitude corresponde, por sua vez, a uma infinitude de sentido” (Hermann apud Crocoli, 2002, p. 72), já que a educação se dá como uma experiência de compreensão, pois estar aberto a essa infinitude de sentidos possíveis de serem elaborados pela experiência mantém o indivíduo em um processo de educação ao longo de toda a sua vida. É pela compreensão que o mundo se representa (apresenta) como linguagem, tendo nos preconceitos a base histórica da vida concreta e que permite a elaboração projetiva de um sentido.

A linguagem como parte da Hermenêutica Filosófica para a Educação

A linguagem, como possibilitadora do diálogo, é vista por Gadamer como elemento de extrema importância, quando ele afirma que “a capacidade para o diálogo é um atributo natural do homem. Aristóteles definiu o homem como o ser que possui linguagem, e a linguagem apenas se dá no diálogo” (Gadamer, 2002, p. 243). Ele acrescenta ainda que, mesmo que a linguagem venha a ser submetida a regras e procedimentos, “sua vitalidade própria, seu amadurecimento e renovação, sua deterioração e depuramento até às elevadas formas estilísticas da arte literária, tudo isso vive do intercâmbio vivo entre os seus interlocutores” (Gadamer, 2002, p. 243).

Considerando-se as palavras citadas, pode-se compreender que a concepção gadameriana de linguagem se desenvolve entre os seres humanos de forma viva. Os interlocutores comunicam-se pautados por interesses de entendimento. Também se pode notar que o autor busca respaldo para a sua concepção no pensamento aristotélico e conclui que a capacidade para o diálogo é uma característica que define o ser humano. No campo educacional, é importante esse ponto, pois a aprendizagem que o aluno desenvolve pode ser despertada pelas influências do seu(s) professor(es). Se o professor, como representante da tradição, detém bom conhecimento e metodologias adequadas, a tendência é que o aluno assimile esses conhecimentos quando os horizontes dos dois estabelecerem uma relação de fusão. E o contrário também pode ser verdadeiro. Portanto, é importante considerar esses termos na relação dialógica, pois o aprendizado ou o conhecimento ocorre quando há fusão de horizontes, entre o horizonte do professor e o horizonte do aluno. Segundo Gadamer, é a mediação entre esses dois horizontes que faz surgir o entendimento e a compreensão, elementos fundamentais no processo de ensino-aprendizagem.

Essa fusão de horizontes pode ser compreendida como fusões de concepções. Do confronto entre professor e aluno, que são sempre sujeitos particulares e portadores de diferentes alteridades, já que não há horizontes iguais, geram-se, por meio do diálogo, a compreensão, o conhecimento e a aprendizagem. Nesse sentido, a relação entre o horizonte do professor e o do aluno é estabelecida por meio da linguagem. Assim, a linguagem se dá no diálogo entre as partes propícias de fusão e assume a função de integrar os horizontes, condicionando os pensamentos e a linguagem conforme a tradição para serem coerentes com a sociedade. Na concepção gadameriana, o diálogo permite desenvolver as etapas de aprendizado que facilitam a inserção e o convívio do ser humano na sociedade, pois ele perpassa toda a realidade dos processos de ensino e de aprendizagem.

Segundo Leonir Dal Mago, nesse contexto compreende-se que a Hermenêutica Filosófica surge com um grande potencial de descoberta e de abertura intelectual, investigando os sentidos; é compreensiva e permite ao ser humano chegar aos objetos por meio da linguagem. Para esse autor, no exercício do diálogo o ser humano revela-se possuidor de um grande potencial de aceitação da alteridade do outro, e essa aceitação é fundamental para ele se inserir e viver em sociedade, pois para viver em sociedade é preciso reconhecer no outro um outro eu, não um objeto. Por isso, a Hermenêutica Filosófica prima, segundo ele, pela busca de sentidos, porque o sentido é a base para os processos de conhecimento que se desenvolvem pela linguagem; o sentido e a linguagem possibilitam aos seres humanos a compreensão.

Nesse panorama, o próprio sujeito se educa com o outro através do diálogo. Dessa forma, o diálogo não é um procedimento metodológico, mas se constitui na força do próprio educar, que é educar-se no sentido de uma constante confrontação do sujeito consigo mesmo, com suas opiniões e crenças, pela condição interrogativa na qual ele vive. Para Mago, é por meio do diálogo que surge a experiência do conhecer, e isso representa uma nova concepção, passando pela possibilidade de conhecer solitariamente para a possibilidade de conhecer pela conversão com os outros sujeitos. Ainda de acordo com esse autor, considerando essa mudança, Gadamer \assinala que o processo educativo se dá pela interação, mediada pela linguagem, com os outros indivíduos. E isso adquire importância fundamental porque “conceitos fundamentais, como o de círculo hermenêutico, mostram que em todos os nossos procedimentos racionais projetamos pontos de vista, esquemas interpretativos, que não se confundem com novos horizontes de sentido” (Hermann apud Mago, 2002, p. 101).

Considerações finais

Portanto, assumir a estratégia reflexiva, respeitando e valorizando a participação do outro na elaboração dos conhecimentos, resulta que educar e compreender se tornam, assim, uma aventura na qual o sujeito e os sentidos do mundo se constituem mutuamente na dialética da compreensão e da interpretação, porque os sentidos produzidos por meio da linguagem são condições que possibilitam ao ser humano agir coerentemente no mundo. Dessa forma, compreende-se que educar pela via do diálogo exige que o educador seja um intérprete: intérprete de um contexto no qual os seus alunos se apresentam com alteridades, exigindo dele tolerância às diferenças e postura de diálogo. Torna-se fundamental estar sempre disposto a buscar espaços para o diálogo, para o autoesclarecimento e para a produção de novos conhecimentos. Portanto, a questão defendida por Gadamer não consiste em ditar receitas prontas sobre aquilo que se deve fazer, mas sim em formar capacidades de diálogo e de escuta, as quais são posturas que vão conduzir os envolvidos no processo educativo a fazer suas experiências compreensivas. Dessa forma, cada sujeito desenvolve o potencial que carrega consigo em sintonia com os demais sujeitos que o rodeiam.

Referências

CROCOLI, Daniel José. Contribuições da Hermenêutica Filosófica de Hans Georg Gadamer para a Educação. IX Anped Sul 2012. Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul.

CRUZ, José Barros. Hermenêutica e educação: o sentido gadameriano de diálogo ressignificando as relações pedagógicas. Revista Espaço Acadêmico, nº 112, set. 2010.

GADAMER, Hans Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica. Trad. Flávio P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997.
MAGO, Leonir Dal. Gadamer: Hermenêutica Filosófica e educação. Dissertação de mestrado. Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo, 2009.

Publicado em 25 de setembro de 2018

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