Aprendizado individual e aprendizado social: da interdisciplinaridade à metacognição na formação do sujeito

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Biólogo, doutorando e mestre em DMA (Prodema/UFPB), professor; editor da revista Etos

O aprendizado é inerente à condição humana. A todo momento, desde o nascimento, interage-se com o ambiente à sua volta: fatores climáticos, pessoas, outros organismos, emissões sonoras, luminosidade, texturas, cores etc., ou seja, a todo momento centenas de informações são captadas, processadas e interpretadas (Avanzi, 2004). À medida que o rol de informações vai ampliando esses processos se aceleram e as conexões se formam, geram os processos de acumulação de conhecimentos pelo processamento do pensamento, que de primário passa a se tornar cada vez mais elaborado (Ribeiro, 2003).

Inter-relações e aprendizagem

Todo organismo vivo dotado de algum tipo de cognição aprende com os seus similares, pela repetição dentro dos diversos contextos da atividade cotidiana (Soldati, 2013). Sendo assim, por exemplo, aves aprendem a voar por imitação, cães a latir da mesma forma etc. Ou seja, interação entre os indivíduos da espécie, desde o nascimento.

Da mesma forma é a base do processo de aprendizado do ser humano. Sendo assim, os Sujeitos interagindo mutuamente aprendem, se desenvolvem e expandem seus processos de apender e fazer, em uma dinâmica retroalimentável que se instala por toda a vida (Córdula, 2012a; 2012b).

Ressalto aqui que uso Sujeitos com inicial maiúscula por se tratar de uma entidade cognitiva, cultural, espiritual, afetiva e que aprende com o seu entorno e o modifica para atender as suas necessidades ao longo do tempo, interagindo em grupos sociais e se organizando política, histórica e economicamente (Córdula, 2012a).

Essas inter-relações se processam de forma contínua, promovendo a formação psicológica, cognitiva, social, política e cultural dos Sujeitos em processos dialéticos e simbólicos contínuos e em permanentes transformações, tornando-os entidades potencialmente evolutivas em diversas áreas do conhecimento humano e, ao mesmo tempo, sujeitos interdisciplinares.

Entende-se aqui a interdisciplinaridade como sendo o conjunto de conhecimentos que se miscigenam na formação do Sujeito crítico social e transformado de sua vida e da humanidade, que assimila, dentro de suas limitações, as potencialidades de informação à sua volta e nos conhecimentos produzidos pela humanidade e, ao mesmo tempo que aprende, se permite ensinar e reaprender (Córdula, 2012c; 2013a; 2013b; 2014; 2015). Para Thiesen (2008, p. 2), a interdisciplinaridade vem para “superar a fragmentação e o caráter de especialização do conhecimento, causados por uma epistemologia de tendência positivista em cujas raízes estão o empirismo, o naturalismo e o mecanicismo científico do início da modernidade”. E é vista como “um movimento contemporâneo que emerge na perspectiva da dialogicidade e da integração das ciências e do conhecimento; vem buscando romper com o caráter de hiperespecialização e com a fragmentação dos saberes” (Thiesen, 2008, p. 2).

Aprendizagem individual (AI) e aprendizagem social (AS)

Segundo Soldati (2013), o aprendizado é individual (AI), passando com o tempo a ser um aprendizado social (AS). Parte desse AI se dá por experimentação, erros e acertos, mas alguns ocorrem por repetição daquilo que é visualizado no ambiente social, mesmo que outro sujeito não direcione os ensinamentos de forma voluntária. Portanto, podemos aprender imitando e observando (Dias; Correia, 2012) (Figura 1).


Figura 1: Processamento do aprendizado social ao longo do tempo.
Fonte: O autor (2017).

Para Dias e Correia (2012, p. 1),

desenvolvimento é um processo que resulta de mudanças (cognitivas, linguísticas, afetivas, motoras, sociais) que vão ocorrendo ao longo da vida do sujeito (desde a concepção até à morte). Aprendizagem é a capacidade original, progressiva e contínua que o ser humano tem de se adaptar ao meio ambiente. Essa capacidade acompanha o sujeito ao longo da sua vida e reclama motivação e atividade por parte do aprendente.

Portanto, é nas diversas interações do dia a dia que a aprendizagem está sendo processada, no desenvolvimento do sujeito desde tenra idade. Quanto mais informações estiver recebendo, maior será a amplitude desse processo (Vasconcelos et al., 2003). O conhecimento não se processa de forma unilateral e unidirecional, mas em várias idas e vindas, percepção e interpretação, leituras e releituras, modificando a todo novo contato entre os sujeitos (Simmel, 2009) (Figura 2).


Figura 2: Processamento da formação multilateral e multidirecional do conhecimento.
Fonte: O autor (2017).

Com essas sobreposições dinâmicas e interativas, formam-se processos metacognitivos de pensamento e aprendizado, já que este campo de estudo se refere à estruturação do pensamento sobre si mesmo, como afirma Ribeiro (2003, p. 110): “A metacognição diz respeito, entre outras coisas, ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos próprios processos cognitivos” (Figura 3).


Figura 3: Formação da metacognição do Sujeito.
Fonte: O autor, com base em Ribeiro (2003).

Nesse tocante, a interação positiva propicia a fluidez do processo, mas quando eventos negativos e repressores ocorrem, podem interromper o processo, deixando inclusive traumas que se perpetuam ao longo da vida e que provocam entraves ao processo natural de aprendizado do sujeito (Bolsoni-Silva; Maturano, 2002; Weber et al., 2004). Por essa razão, justifica-se o papel da família de promover a exploração da realidade vivenciada pelas crianças, para que possam processar e absorver a aprendizagem de forma significativa para suas vidas (Dias; Correia, 2012).

Família e escola: formação do sujeito social

Nesse processo cabem a família, a comunidade e a escola, que compõem a sociedade para estar atuando na plena formação do educando, Sujeito transformador da realidade.

A família é a base da formação, da educação e dos primeiros contatos da criança com o mundo que a cerca e na qual está inserida, como elemento transgeracional dos processos de aprendizagem (Falcke; Wagner, 2014). É esse núcleo que promove o contato com a língua materna, com a cultura e todo o arcabouço de normas sociais e conduta (Córdula, 2012d). O conhecimento tem início na família, para formação social do sujeito, que perpassará para a sua família e as próximas gerações, gerando a ancestralidade histórica do saber e da cultura (Falcke; Wagner, 2014).

Segundo Nolte e Harris (2009), as crianças apendem o que vivenciam no seu cotidiano, observando e repetindo comportamentos familiares e dos grupos sociais em que estão inseridas, podendo ser aprendizados construtivos e positivos para sua plena formação como sujeitos sociais, históricos e críticos, bem como, em algumas situações e/ou em núcleos familiares com problemas diversos, atuar negativamente na sua formação.

Tanto um tipo como outro de formação tenderão a se perpetuar ao longo do tempo e nas próximas gerações desses sujeitos. Portanto, é responsabilidade da família se estruturar e possibilitar uma plena formação de seus entes familiares, para uma sociedade que permeie a cidadania, a cultura, valores (ética, afetividade, respeito, fraternidade etc.) e promova o desenvolvimento humano, ambiental, educacional, social e tecnológico (Córdula, 2012e).

Considerações finais

A humanidade necessita ampliar os laços das inter-relações na formação de um Sujeito pleno que possa atuar ativamente na sociedade de forma transformadora; para tanto, necessita estar junto com a tríade família, comunidade e escola; pela ótica da educação, os indivíduos são entidades complexas que aprendem a todo momento por interações positivas e negativas. Nesse contexto, a compreensão de campos interdisciplinares e metacognitivos trazem à tona formas mais complexas de perceber o processo de aprendizagem e, portanto, mudar as práticas educativas sociais e de ensino, promovendo uma verdadeira transformação da sociedade.

Referências

AVANZI, Maria Rita. Ecopedagogia. In: LAYARGUES, Philippe Pomier (Coord.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004, p. 35-50.

BOLSONI-SILVA, Alessandra Turini; MARTURANO, Edna Maria. Práticas educativas e problemas de comportamento: uma análise à luz das habilidades sociais. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 7, nº 2, p. 227-235, 2002.

CÓRDULA, Eduardo Beltrão de Lucena. Homo sapiens affectus: em busca do futuro da humanidade. Cabedelo: EBLC, 2012a.

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______. O ser ótico: a falta de ampliação da percepção, nos leva ao cárcere da cognição. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 14, nº 23, 2014.

______. Fenomenologia versus positivismo científico: metodologias aplicadas às pesquisas em comunidades humanas. Intersaberes, v. 10, nº 21, p. 660-675, 2015.

DIAS, Isabel Simões; CORREIA, Sónia. Processos de aprendizagem dos 0 aos 3 anos:

contributos do sócio-construtivismo. Revista Iberoamericana de Educación, v. 1, nº 60, set. 2012.

FALCKE, Denise; WAGNER, Adriana. A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: definição de conceitos. In: WAGNER, Adriana (Org.). Como se perpetuar a família? A transmissão dos modelos familiares. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014, p. 25-46.

NOLTE, Dorothy L.; HARRIS, Rachel. As crianças aprendem o que vivenciam. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.

RIBEIRO, Célia. Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica. Porto Alegre, v. 16, nº 1, p. 109-116, 2003.

SIMMEL, George. A sociologia do segredo e das sociedades secretas. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 43, nº 1, p. 219-242, abr. 2009.

VASCONCELOS, Clara; PRAIA, João Félix; ALMEIDA, Leandro S. Teorias de aprendizagem e o ensino/aprendizagem das ciências: da instrução à aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, Campinas, v. 7, nº 1, jun. 2003.

WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj; VIEZZER, Ana Paula; BRANDENBURG, Olivia Justen. O uso de palmadas e surras como prática educativa. Estudos de Psicologia, v. 9, nº 2, p. 227-237, 2004.

Publicado em 23 de janeiro de 2018

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