Breve reflexão acerca dos aspectos legais e desafios da Educação Inclusiva

Ritchelle Teixeira de Souza

Mestranda em Ensino(PPGE/UFF)

Vancleiver Teixeira Souza

Docente da educação básica (Seeduc/RJ)

Jean Carlos Miranda

Docente universitário (PPGE/UFF)

É premente a necessidade de transformação do atual sistema educacional, de forma que a escola seja local de inclusão. Nesse movimento de abertura e acolhimento, é de importância fundamental o reconhecimento da diversidade humana e da capacidade que todos têm de evoluir com a aprendizagem.

Educação de qualidade é um direito de todos; a escola deve, portanto, se organizar, planejar e promover ações eficientes para garantir o ingresso e a permanência de discentes com deficiência por meio de um processo participativo, humanizado e inclusivo. Nesse sentido, fazem-se necessárias a análise e a reflexão a respeito das políticas de inclusão, levando em conta os paradigmas conceituais e de princípios que são progressivamente difundidos em documentos nacionais e internacionais. Contudo, em decorrência da pouca efetividade das ações, é relevante discutir os desafios da formação docente e sua capacidade em práticas de ensino humanizado para pessoas com necessidades especiais.

Ao abordar o tema inclusão escolar, é preciso rever o sentido atribuído à educação, além de repensar o processo de construção do indivíduo. O docente é elemento essencial nesse processo; deve estar dotado de competências e habilidades específicas, a fim de articulá-las direta e transversalmente na disciplina que ministra. Contudo, observam-se duas questões importantes: a formação estanque e resistente dos professores e a estrutura escolar, em geral preparada para trabalhar com a homogeneidade e nunca com a diversidade.

Objetivamente, para superação dos desafios e limitações, é necessário que os docentes estejam dispostos e capacitados a elaborar diretrizes de planejamento didático e métodos adaptados às pessoas com necessidades especiais. O educando com necessidades especiais deve se tornar autônomo, de maneira a construir competências e habilidades para exercer a cidadania plena, por meio de práticas que auxiliem seu desenvolvimento.

O que diz a legislação

O direito à educação encontra-se amparado por normas nacionais e internacionais. Foi consagrado na Constituição Federal (Brasil, 1988) como um direito social no Art. 6º, quando o Estado passou formalmente a ter a obrigação de garantir educação de qualidade a todos os brasileiros. Conforme previsto no Art. 205, a educação também é dever da família e cabe à sociedade promover, incentivar e colaborar para a realização desse direito.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015) ratificou o paradigma (a necessidade/possibilidade de inclusão) que anteriormente havia sido introduzido no direito pátrio pela Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da qual o Brasil é signatário e que foi recepcionada em 2008, posicionada hierarquicamente como emenda constitucional, por força do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho. Assim, consolidou em um só diploma boa parte da legislação sobre a matéria e regulamentou na esfera da legislação infraconstitucional a sistemática jurídica disposta na Convenção da ONU, trazendo no Art. 2º o conceito legal de pessoa com deficiência:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Brasil, 2015).

A Constituição Federal também prevê a

criação de programas de prevenção e atendimento especializado para portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e convivência, e a facilidade de acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (Art. 227, § 1º, inciso II).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996), em seu Art. 4º, inciso III, prevê o atendimento educacional especializado e gratuito aos jovens com necessidades especiais. Prevê, ainda, que à União cabe a função de estabelecer uma política nacional de educação, especialmente por meio de leis; aos estados, oferecer o Ensino Fundamental gratuito e priorizar o Ensino Médio; e aos municípios, prover a Educação Infantil (creche e pré-escola) e priorizar o Ensino Fundamental. Caso essas autoridades não cumpram o que a lei determina, elas podem ser responsabilizadas judicialmente. Por fim, complementa a matéria sobre educação especial o seu Art. 58: “entende-se por Educação Especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos portadores de necessidades especiais”. O não oferecimento ou oferecimento irregular de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência pode gerar uma ação de responsabilidade por ofensa aos direitos das crianças e dos adolescentes, conforme estabelece o Art. 208, inciso II do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990).

O processo educacional está totalmente ligado aos princípios de cidadania e solidariedade e aos valores sociais e econômicos da sociedade como um todo. Segundo Amaro (2006, p. 36), “se trabalharmos por uma educação inclusiva, proporcionaremos uma educação de qualidade para todos”. No entanto, a realidade desse processo inclusivo é bem diferente do que propõe a legislação e requer muitas discussões relativas ao tema. Assim, é necessária a promoção de uma postura cidadã, construção de uma sociedade socialmente justa e sustentável.

A ideia de Educação Inclusiva vem, ao longo dos anos, propondo ações que garantam não só o acesso, mas também a permanência do aluno com necessidades especiais nas redes de ensino; não basta estar garantido na legislação, é preciso que haja modificações profundas e relevantes no sistema educacional. A inclusão das pessoas com necessidades especiais em quaisquer níveis de ensino é um grande desafio, principalmente porque requer a superação das diferenças. A participação dessas pessoas em sala de aula promove a reflexão sobre as práticas educacionais, levando a rever a flexibilização, humanização, adaptação e efetivação de questões relevantes no cotidiano educacional.

Desafios

O primeiro desafio a ser encarado e superado refere-se à formação de professores. É de fundamental importância o desenvolvimento de políticas de aperfeiçoamento profissional docente, com objetivo de prepará-los para trabalhar com pluralidade de experiências, diversidades sociais, culturais e cognitivas, possibilitando que desenvolvam conteúdos pedagógicos que exaltem a compreensão e a aceitação do discente a ser incluído e aos demais, sempre se pautando na tolerância, igualdade e justiça social.

A inclusão educacional brasileira, para ser concebida a partir dos direitos e da emancipação humana, precisa conjugar igualdade e diferença. Para tanto, a visão linear de educar necessita ser revista, assim como a concepção de que o eixo fundante da inclusão deve estar pautado tão somente na superação histórica da segregação que as pessoas com deficiências e transtornos do desenvolvimento vivenciaram, e ainda vivenciam, no espaço escolar (Moreira; Stoltz, 2016, p. 5).

Na Educação Inclusiva, a proposta central é que todos os alunos façam parte da educação comum, acabando com a divisão de Ensino Especial e Ensino Regular. Nesse sentido, percebe-se o quanto a capacitação dos professores para o exercício de sua profissão é precária, o quanto o ensino é voltado para trabalhar com a igualdade e não a diversidade. Segundo Rodrigues (2003, p. 75),

a escola inclusiva procura responder, de forma apropriada e com alta qualidade, não só à deficiência mas a todas as formas de diferença dos alunos (culturais, étnicas etc.). Dessa forma, a Educação Inclusiva recusa a segregação e pretende que a escola não seja só universal no acesso, mas também no sucesso.

Abrir os caminhos da educação é abrir o campo de visão sobre as diferenças, no sentido de perceber as reais necessidades de cada indivíduo. É possível compreender que é fundamental o apoio de todos os setores educacionais, garantindo ao aluno portador de necessidades especiais o máximo de recursos que assegurem seu ingresso, sua integração e sua permanência na escola.

A educação inclusiva pressupõe a participação coletiva na decisão das questões da sala de aula e da instituição escolar, bem como a necessária flexibilidade na utilização dos recursos institucionais, humanos e materiais. A possibilidade de o professor poder contar com o apoio dos colegas e de outros profissionais, de repensar a estratégia de aula, de rever o plano de ensino e de contar com a participação dos alunos e sua contribuição na resolução das questões específicas que se apresentarem é de importância fundamental numa proposta educacional voltada para a inclusão (Ferrari; Sekkel, 2007, p. 644).

O docente não pode limitar-se a adquirir competência técnica e certificar-se como professor. Ele deve desafiar-se a identificar, amparar e trabalhar com as necessidades dos discentes em suas salas de aula. É essencial que sua participação se estenda a todos os membros da unidade escolar, a fim de que participem da construção de condições efetivas de ensino e aprendizagem inclusivas.

Com vistas a essa perspectiva formativa, destaca-se que os educadores, os professores e os auxiliares de ação educativa necessitam de formação específica que lhes permita perceber minimamente as problemáticas que seus alunos apresentam, que tipo de estratégia devem ser consideradas para lhes dar resposta e que papel devem desempenhar as novas tecnologias nesses contextos (Correia, 2008, p. 28).

Em suma, como bem se extrai da ideia de Figueira (2011), nenhum professor está preparado para trabalhar com essa inclusão, até que ela seja vivenciada, ou seja, até que um aluno a ser incluído chegue a sua turma. O autor acrescenta:

O verdadeiro professor consciente de seu compromisso e desafio ético de educar a todos que pertencem ao seu alunado [...], o bom educador reconhece que sua formação é permanente, contínua e flexível [...]. O bom educador preocupa-se com o seu processo de autoconhecimento, com a descoberta de conhecimento e interesses próprios, com suas motivações pessoais (Figueira, 2011, p. 35-36).

Para Cunha e Magalhães (2011, p. 19), “a relação professor-aluno é extremamente importante para a promoção do desenvolvimento tanto cognitivo quanto socioafetivo do indivíduo, com vistas a capacitá-lo a ser agente de sua própria inclusão”.

O processo de mudança da pedagogia tradicional (leitura, cópia, exercícios no caderno ou livro etc.) para uma pedagogia inclusiva pouco a pouco transforma o docente em pesquisador de sua prática pedagógica, pois a nova dinâmica de ensino faz com que adquira habilidades para refletir sobre sua docência e aperfeiçoá-la continuamente. O docente aprende a reconhecer o valor e a importância do trabalho colaborativo e da troca de experiências com seus colegas professores, os quais podem contribuir de forma sistemática sobre novas formas de ensinar, de lidar com velhos problemas e de se desenvolver profissionalmente (Ferreira, 2006, p. 6).

O segundo desafio diz respeito ao meio institucional e ao cotidiano escolar. É indispensável citar que os modos de avaliação e currículos necessitam de reformulação frente ao desafio da Educação Inclusiva. Assumi-lo, portanto, faz repensar os modelos e os objetivos educacionais também e enfrentar a especificidade da questão. De acordo com Fleuri (2009, p. 72), “no cotidiano escolar, as dificuldades de inclusão de pessoas com deficiência na escola resultam, em grande parte, da estrutura padronizada do conhecimento escolar”. Indiscutivelmente, caberá a toda unidade escolar promover o tratamento pedagógico diversificado, interdisciplinar e adaptado, na busca pela conscientização crítico-reflexiva das pessoas com necessidades especiais.

Considerações finais

A Educação Inclusiva, proposta como um novo desafio educacional, foi elaborada com vistas à efetivação de um direito fundamental àqueles que, por características peculiares, por vezes veem-se alijados do processo educacional.
Para essas pessoas, a educação é o marco para a inclusão social, fator de aperfeiçoamento em busca de autonomia, desenvolvimento pessoal e justiça social, de forma a alcançar o máximo do desenvolvimento de suas habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Incluir para que sejam superados os obstáculos de acesso e permanência da pessoa com deficiência no ensino propõe um tratamento pedagógico diversificado, interdisciplinar e adaptado, de forma a reconhecer e valorizar as diferenças, principalmente levando em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses dos discentes com necessidades especiais. São necessários métodos adaptados que estimulem a interação, a reação e a percepção desses discentes, além de inovações e adaptações curriculares e institucionais com foco na organização para a inclusão, na elaboração coletiva de um projeto pedagógico inclusivo e humanizado, bem como que atendam às reais necessidades e expectativas dos discentes incluídos. Nesse sentido, são de suma importância a reflexão e o debate acerca da precariedade das estruturas físicas das escolas e seus currículos, bem como do processo de formação docente, na busca por soluções reais.

Referências

AMARO, D. G. Educação Inclusiva, aprendizagem e cotidiano escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 5 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

BRASIL. Lei Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

CORREIA, L. M. Inclusão e necessidades educativas especiais: um guia para educadores e professores. 2ª ed. Porto: Porto Editora, 2008.

CUNHA, A. C. B.; MAGALHÃES, J. G. Oficina de aprendizagem mediada – uma proposta de reflexão da prática pedagógica em Educação Inclusiva. Curitiba: Juruá, 2011.

FERRARI, M. A. L. D.; SEKKEL, M. C. Educação inclusiva no Ensino Superior: um novo desafio. Psicologia Ciência e Profissão, v. 27, n. 4, p. 636-647, 2007.

FERREIRA, W. B. Educar na diversidade: práticas educacionais inclusivas na sala de aula regular. In: Ensaios Pedagógicos - Educação Inclusiva: direito à diversidade. Brasília: Seesp/MEC, 2006.

FIGUEIRA, E. O que é educação inclusiva. São Paulo: Brasiliense, 2011.

FLEURI, R. M. Complexidade e interculturalidade: desafios emergentes para a formação de educadores em processos inclusivos. In: FÁVERO, O.; FERREIRA, W. I. T.; BARREIROS, D. (Orgs.). Tornar a educação inclusiva. Brasília: Unesco, 2009.

MOREIRA, L. C.; STOLTZ, T. Altas habilidades/superdotação, talento, dotação e educação. Curitiba: Juruá, 2016.

RODRIGUES, D. A. Educação Física perante a Educação Inclusiva: reflexões conceituais e metodológicas. Boletim da Sociedade Portuguesa de Educação Física, n. 24-25, p. 73-81, 2003.

Publicado em 09 de outubro de 2018

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.