A interdisciplinaridade está interligada à Educação e busca construir um novo paradigma escolar

Manoel Messias Gomes

Mestre e doutorando em Ciências da Educação (Unigrendal Brasil–Peru)

O crescente interesse pelo estudo da interdisciplinaridade nos dias atuais é verificado em várias pesquisas em que se observa a interação dos especialistas das diversas disciplinas, apontando o processo de reorganização do saber. É nesse contexto que Peña (2001) discute a importante tarefa do professor no fazer pedagógico. E é por acreditar que o fazer interdisciplinar parte do pressuposto de que nenhum saber ou conhecimento científico é racional em si que Peña diz que o professor não pode deixar-se aprisionar pelo medo, pelo comodismo; deve arriscar-se nessa tarefa de (re)significar o aprender, pois, segundo essa autora, “é dialogando com outras áreas do conhecimento que podemos ampliar o conhecimento científico” (Peña, 2011, p. 330). É nesse sentido que Japiassu (1976, p. 52) salienta que “trata-se de um gigantesco, mas indispensável esforço que muitos pesquisadores realizam para superar o estatuto de fixidez das disciplinas [...], estabelecendo pontes entre os problemas que elas colocam”. Nesse processo, os conteúdos das disciplinas devem ser trabalhados de tal forma que sirvam de aporte às outras, formando uma teia de conhecimentos.

Garrutti e Santos (2001) enfatizam que a prática interdisciplinar não visa à eliminação das disciplinas, já que o conhecimento é um fenômeno com várias dimensões inacabadas, necessitando ser compreendido de forma ampla. Para essas autoras, “o imprescindível é que se criem práticas de ensino, visando o estabelecimento da dinamicidade das relações entre as diversas disciplinas e que se aliem aos problemas da sociedade” (Garrutti; Santos, 2001, p. 189).

É nesse sentido que a prática interdisciplinar em nossas escolas vem começando a engatinhar, principalmente quando alguns de nossos professores, entre os quais eu me incluo, temos e estamos realizando a prática de alguns projetos de forma multi, trans e interdisciplinar.

Projetos realizados na Escola Estadual Gov. Walfredo Gurgel

Podemos destacar dois projetos, por terem sido feitos de forma integrada: o projeto O Lixo em Nossa Cidade, desenvolvido com as turmas do Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) II e Ensino Médio, envolvendo os alunos e professores de Ciências Naturais, Física, Química, Biologia, Matemática e Geografia, com visitas a uma usina de reciclagem de lixo do município de Lucrécia/RN, vizinho ao nosso, e uma visita ao lixão da nossa cidade, para mostrar as diferenças entre os diversos tratamentos dados aos resíduos sólidos em uma usina de reciclagem e o tratamento dado a esses resíduos em um lixão a céu aberto – que é o caso do nosso município.

O outro projeto também desenvolvido de forma integrada e interdisciplinar em nossa escola foi sobre a revitalização do laboratório de Ciências da nossa escola, integrando os professores de Ciências Naturais, Matemática, Física, Química e Biologia e os alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, com experiências realizadas por todos os professores em um dia temático no laboratório da escola.

Em 2013 foram desenvolvidos mais de 30 projetos de forma multi, trans e interdisciplinar em nossa escola, com a participação inclusive de muitos dos professores que se negaram a participar de outros projetos; com o sucesso desses projetos, muitos professores passaram a se integrar ao nosso grupo e foram muito bem-vindos, pois puderam acrescentar as suas valiosas contribuições. Dos projetos realizados em nossa escola, 20 foram selecionados para serem apresentados na Feira Regional de Ciências, promovida pela 14ª Diretoria Regional de Educação (14ª Dired), na cidade de Umarizal/RN. Dentre esses 20 projetos apresentados, 13 foram selecionados para serem apresentados na Feira de Ciências do Semi-Árido Potiguar, da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), na cidade de Mossoró/RN. Dois desses projetos foram premiados e selecionados para participar de feiras nacionais, como a Febrace (da USP/SP) e a Milset (em Fortaleza/CE). Os projetos classificados para a apresentação nessas feiras nacionais são:

1º) O reaproveitamento do óleo de cozinha na produção de sabão e;
2º) o uso de defensivo natural no combate à mosca branca na plantação de cajueiros.

Podemos perceber a importância de trabalhar projetos de forma integrada e interdisciplinar em nossa escola, pois, como esclarecem Evangelista, Colares e Ferreira (s/d) em seu artigo Projetos Educativos Interdisciplinares na Prática Docente, as características de um projeto interdisciplinar é “a atitude do professor, é a ousadia de este, ler, estudar e escrever”, é a coragem de buscar, de pesquisar para transformar a sua insegurança num exercício do pensar novo, “do construir algo, criar, inovar, realmente ir além, fazer o diferencial da sua profissão e da instituição onde estiver desenvolvendo suas atividades” (Evangelista; Colares; Ferreira, s/d, p. 4).

Resultados e discussão

Nessa perspectiva, podemos observar que a interdisciplinaridade é a comunicação entre as disciplinas, e que desenvolver projetos interdisciplinares é buscar o “re-nascer” da educação holística (Evangelista; Colares; Ferreira, s/d), uma educação que busca o equilíbrio, a inclusão e a conexão. É a ação do sujeito, sendo indispensável, segundo essas autoras, um sujeito individual ou coletivo que impulsione esse movimento, enfim, alguém intencionado que busca encontrar os nexos, as pontes do conhecimento. Para elas, o currículo, da forma como está organizado, dificulta uma prática interdisciplinar na escola básica. Em outras palavras, a interdisciplinaridade na escola só se concretiza se modificarmos radicalmente a estrutura curricular. O modelo de currículo organizado em torno de disciplinas tem sofrido muitas críticas. Dentre elas destacam-se os reducionismos científicos e a fragmentação do conhecimento. Santomé (1998) e Moraes (2000) percorrem essa discussão da interdisciplinaridade como norteadora de um novo paradigma curricular. Para Santomé, o currículo pode ser organizado em torno de núcleos, que estariam centrados em temas, problemas, tópicos etc. Para esse autor, esses núcleos ultrapassariam os limites das disciplinas; os temas, por sua vez, apresentam uma sequência de ideias que, se bem exploradas, fundamentadas e estruturadas em profundidade, necessariamente atingirão a interdisciplinaridade (Santomé, 1998, p. 25).

Nesse sentido, a escola precisa encontrar sua razão de ser, e o professor é a pessoa mais indicada para essa missão. A escola é uma instituição com função social específica: fazer com que os alunos aprendam a viver, a conviver e fazer acontecer o processo de ensinar e aprender, valorizando os projetos educativos como ferramentas pedagógicas imprescindíveis no ato de planejar. O planejamento do projeto interdisciplinar é uma das etapas mais importantes do projeto, visto que é no ato do planejamento que são percebidos e traçados os pontos de convergência entre as disciplinas e a temática em questão. A valorização das etapas do planejamento e de seus elementos é uma condição fundamental para o sucesso de qualquer projeto interdisciplinar no ambiente escolar. Portanto, a prática da interdisciplinaridade na escola estabelece o papel de processo contínuo e interminável na formação do conhecimento, permitindo o diálogo entre conhecimentos dispersos, entendendo-os de forma mais abrangente.

Fazenda (1992, p. 45) faz perceber que é fundamental “reconstruir a unidade do objeto que a fragmentação dos métodos separou. Entretanto, essa unidade não é dada a priori. Essa unidade é conquistada pela práxis, através de uma reflexão crítica sobre a experiência inicial”. Da mesma forma, Moraes (2008, p. 23) assegura que “trabalhar de forma interdisciplinar é superar a fragmentação dos conteúdos e ocupar-se com os fenômenos em sua globalidade [...]; ser interdisciplinar é contextualizar o ensino. Para desenvolver atividades interdisciplinares, de acordo com Feistel e Maestrelli (2009), “é preciso partir da realidade, de seus problemas, aproveitando as contribuições das áreas de ensino na medida em que os problemas assim o solicitarem” (Feistel; Maestrelli, 2009, p. 4).

Conclusão

Isso faz perceber que a prática da interdisciplinaridade não visa a eliminação das disciplinas, tendo em vista que o conhecimento necessita ser compreendido de forma ampla. Nesse sentido, Libâneo (1998) auxilia na reflexão quando afirma que desenvolver práticas interdisciplinares não significa conhecer por conhecer, mas relacionar o conhecimento científico a uma prática, ou seja, compreender a realidade para transformá-la. Assim, autores que analisam a realidade educacional (Moraes, 2008: Fazenda, 2005) enfatizam que a prática pedagógica atual apresenta-se ainda bastante tradicional e descontextualizada, favorecendo a fragmentação e a linearidade dos conhecimentos. Portanto, trabalhar a interdisciplinaridade na escola significa buscar a superação dessa visão fragmentada e linear do conhecimento, buscando a articulação contextualizada que se encontra disciplinarizada. Conforme Santomé (1998, p. 66), a interdisciplinaridade “é um objetivo nunca completamente alcançado, e por isso deve ser permanentemente buscado”.

Referências

EVANGELISTA, Izabel Alcina Soares; COLARES, Maria Lídia Sousa; FERREIRA, Maria Antônia Vidal. Projetos educativos interdisciplinares na prática docente. Sd. GT 01. Práticas Docentes e Profissionalização de Professores.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Práticas interdisciplinares na escola. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

______. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 13ª ed. São Paulo: Papirus, 2008. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

FEISTEL, Roseli Adriana Blümke; MAESTRELLI, Sílvia Regina Pedrosa. Interdisciplinaridade na formação de professores de Ciências Naturais e Matemática: algumas reflexões. VII Enpec. Encontro Nacional de Pesquisa em Ciências. Florianópolis, 8 de novembro de 2009.

JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professores? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 67).

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. 2ª ed. Campinas: Papirus, 2000.

PEÑA, M. D. I. J. Interdisciplinaridade: uma questão de atitude. In: FAZENDA, I. C. A. P. (Org.). Práticas interdisciplinares na escola. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 57-64.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e Interdisciplinaridade: o currículo integrado. Trad. Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998.

Publicado em 23 de outubro de 2018

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